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Entenda de uma vez o colapso do TerraUSD

Virtual fim de uma das stablecoins mais populares expõe um calcanhar de Aquiles do mundo cripto.

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 6 dez 2022, 08h25 - Publicado em 16 Maio 2022, 18h02

Existem duas explicações para o fim do TerraUSD, a simples e a complexa. Vamos começar pela simples: foi uma pirâmide que ruiu.

O TerraUSD é uma criptomoeda criada para ter um valor fixo, em paridade eterna com o dólar. E pagava 20% de juros ao ano – contra pouco menos de 3% dos títulos do Tesouro americano. Vamos chamá-la aqui pela sua sigla (toda cripto tem uma). A do TerraUSD é “UST”.

Dava para trocar 1 milhão de dólares por 1 milhão de USTs, colocar numa espécie de corretora e, um ano depois, sacar 1,2 milhão de USTs. Aí você trocava seus USTs por dólares de verdade e ia dormir US$ 200 mil mais rico, sem  ter feito nada. 

Tanto as USTs como a corretora (chamada Anchor) são parte da mesma empresa, a Terraform Labs. Como a Terraform Labs pagava esses juros surrealistas de 20%? A resposta simples: com o dinheiro dos novos entrantes. Grosso modo, a Terraform produzia um UST, vendia por US$ 1, e usava essa grana para pagar os tais juros. 

Era uma pirâmide.

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Como acontece em toda pirâmide, uma hora o pessoal que entrou se toca da roubada e foge. A “fonte de renda” se esgota, e quem tinha colocado dinheiro ali perde tudo. 

Fim da parte simples. Vamos agora para a complexa, respondendo a esta pergunta aqui:

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“Mas que catzo fazia um UST valer um dólar?”. 

Bom, há várias criptomoedas feitas para se manterem em paridade de 1:1 com a moeda americana. São as “stablecoins”. As duas mais populares (Tether e USD Coin) mantêm dólares como lastro. Você compra um Tether por US$ 1. Esse US$ 1 fica guardado, principalmente na forma de títulos do Tesouro americano. Isso gera um ambiente de confiança. Sabendo disso, as pessoas sempre comercializam seus Tethers sempre por US$ 1. Vale o mesmo para o USD Coin.

Por que alguém se interessa por uma cripto de valor fixo? Porque é só com elas que dá para operar em corretoras de “finanças descentralizadas” (DeFi). Você deposita Tethers lá. O site empresta para alguém a juros, e você ganha uma parte dessa remuneração. Como os juros tendem a ser maiores que os dos títulos do Tesouro americano, muita gente compra stablecoins para depositar nos “apps de DeFi” – o nome pelo qual essas corretoras são conhecidas.

Bom, o Tether e o USD Coin usam dinheiro de verdade como lastro. O UST não. Ele usava outra criptomoeda como “lastro”, a Luna (também desenvolvida pela Terraforms). Funcionava assim: 

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Quando a demanda por USTs ficava muito alta, o preço dela subia para além de US$ 1. Tipo US$ 1,02 (acontecia, pois os juros de 20% garantiam uma demanda alta) . 

Detentores de luna tinham o direito de trocar o equivalente a US$ 100 em Lunas por 1 UST de forma automática – era um privilégio concedido pela Terraform Labs. Digamos que o Luna estivesse cotado a US$ 100 a unidade. Você poderia trocar 1 Luna por 100 USTs.

Bom, com o UST a US$ 1,02, quem fizesse essa troca se via automaticamente com US$ 102 na mão (caso trocasse na hora seus USTs por dólares de verdade). Faça isso com 100 mihões de dólares e ganhe US$ 2 milhões em um segundo, sem fazer força. 

As vendas de USTs faziam o preço da própria moeda baixar. Quanto mais gente realizava esse tipo de negócio (chamado de “arbitragem” no jargão financeiro), mais o preço do UST voltava para perto de US$ 1. 

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Cenário oposto agora: se a demanda baixasse, e o UST passasse a valer menos de US$ 1, tipo US$ 0,98, valia a pena fazer o oposto. Trocávasse 100 em USTs por um valor equivalente a US$ 100 em Lunas. Em suma, dava pra comprar 100 USTs no mercado por US$ 98, trocar por uma Luna (de US$ 100, caso essa fosse a cotação) pelo sistema da Terraform Labs e lucrar US$ 2 limpos na operação. Faça isso com 100 milhões de dólares e ganhe US$ 5 milhões em um segundo.

Nesse caso, as compras de UST faziam o preço da própria moeda subir. E quanto mais gente fazia essa operação, mais o preço do UST voltava para perto de US$ 1.

E tínhamos um sistema de vasos comunicantes que parecia perfeito. A “cobiça” do mercado por si só garantia a estabilidade da stablecoin, sempre uma paridade muito, muito próxima do 1:1 com a moeda americana. Adam Smith ficaria orgulhoso.

Mas tinha um caroço nesse angú: o que dava valor ao Luna? A única utilidade dessa outra cripto da Terraforms era servir como um veículo para lucrar com arbitragem caso o preço do UST subisse para além de US$ 1. Isso bastava para que cada unidade valesse US$ 100 (ou mais), como acontecia até abril deste ano? Não.

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De uma hora para outra investidores entenderam que não fazia sentido o Luna valer tanto. E passaram a vender seus Lunas enquanto ainda era tempo. Com muita gente vendendo em grandes quantidades, o preço do Luna caiu para perto de zero.   

Com o Luna sem valer nada, o que segurava o valor do UST? Absolutamente nada. Então o UST passou a cair também: de US$ 1 no início de maio para US$ 0,11 agora – na verdade, ela só vale algo acima de zero neste momento porque há especuladores comprando na esperança de que aconteça alguma mágica e ela volte a ter paridade com o dólar.

Milagres, porém, não existem. Foi só uma pirâmide que quebrou.

E podem vir mais problemas. A empresa por trás do Tether, por exemplo, não diz quais bancos guardam as dezenas de bilhões de dólares em títulos públicos que ela diz possuir como lastro. “Isso é informação privilegiada. Não queremos dar nossa poção mágica. Mantemos essa informação conosco”, disse Paolo Ardoino, CTO, da Tether, numa entrevista ao Financial Times. 

Por essas, a paridade do Tether quebrou depois do colapso do UST. No dia 12 de março, tinha caído para US$ 0,97 – o bastante para fazer com que uma baleia com US$ 100 milhões em Tethers se visse com um rombo de US$ 3 milhões. Neste momento, o Theter mostra uma recuperação: é negociado a US$ 0,998.    

Antes da quebra do UST e do Luna, Do Kwon, o fundador da Terraform Labs planejava usar bitcoins, e não mais seu Luna, como lastro. Mas aí fica a questão de Warren Buffett: o que faz com que o Bitcoin tenha um valor superior a zero? Uma ação vale mais do que zero porque dá direito a receber uma parte dos lucros de uma empresa (nem que for só quando e se essa empresa for vendida). 

E uma empresa dá lucros porque produz coisas. O Bitcoin, diz Buffett, não produz nada. Logo, não tem como valer nada. Não falta quem discorde do maior investidor da história nesse assunto, claro. Mas ele disse isso antes do colapso do sistema UST-Luna. E agora há mais argumentos a favor de sua filosofia – a de que ativos que não produzem nada equivalem a pirâmides financeiras. Quando os novos entrantes passam a rarear, ficam só as ruínas.  

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