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Empresas descobriram que valorizar lixo é bom para o negócio, diz CEO da Ambipar

Cristina Andriotti conta como o ESG colocou a Ambipar no radar de investidores e diz que companhias estão realmente preocupadas com os resíduos que produzem.

Por Tássia Kastner
Atualizado em 17 jun 2021, 20h43 - Publicado em 7 jun 2021, 07h00
Cristina Andriotti, CEO da Ambipar, sorrindo em um ambiente de fundo neutro.
 (Ambipar/VOCÊ S/A/Divulgação)
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Que atire a primeira sacolinha de supermercado quem nunca tentou ignorar a quantidade de lixo que produz. Isso vale para dentro de casa, mas também em grandes empresas que produzem toneladas diárias de resíduos.

O problema é que tirar o lixo e esperar que o caminhão recolha não faz com que ele milagrosamente evapore. Faz um tempinho, tipo uns 200 anos, que o químico Antoine Lavoisier concluiu que nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.

Pois esse é justamente o negócio da Ambipar: dar uma mãozinha para a natureza e transformar resíduos em novos produtos. A companhia brasileira tem mais de 25 anos, mas era um tanto desconhecida até julho do ano passado. Foi quando levantou R$ 1,1 bilhão na abertura de capital na bolsa e, para entrar no radar dos investidores, ainda contou com um empurrãozinho da onda ESG (a sigla que junta compromissos com o meio ambiente, questões sociais e governança corporativa).

Nesta entrevista, a CEO da Ambipar, Cristina Andriotti, explica o que faz a companhia e conta como empresas estão descobrindo que o reaproveitamento de resíduos pode ajudar nos resultados financeiros. Ela traz ainda o relato de uma experiência recente que sofreu de machismo, já no mais alto posto de comando da empresa.

O que faz a Ambipar?

A empresa é composta por duas verticais. Uma é a Environment, especializada em gerenciamento de resíduos com foco em valorização. Atuamos só com clientes privados, a grande maioria indústria. O objetivo número 1 é “Eu gero esse resíduo. Em que eu posso transformá-lo para que ele volte para a cadeia produtiva, seja como produto ou como subproduto?”

A outra vertical é a Ambipar Response, que lida com emergências químicas e de poluentes, e que nós atendemos em todos os modais – marítimo, rodoviário, ferroviário. É um negócio que está se expandindo. Está no Brasil, América Latina, América do Norte e Europa.

Quando você tem um acidente muito sério, uma carreta de químicos virada na estrada, normalmente tem ali perto um curso d’água, uma fazenda, e isso pode tomar proporções absurdas. Nosso objetivo, além de minimizar o acidente, é diminuir todo o impacto ambiental que ele possa causar.
Para esses acidentes, o foco da Ambipar não é pegar o resíduo e levar para um aterro. É enxergar se existe uma possibilidade de a gente utilizar esse resíduo de alguma outra forma, mesmo que seja para ele se transformar em um blend e queimar num forno de cimenteira.

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E por que isso é ambientalmente correto também? Porque o forno dela roda com carvão coque, que é extraído do petróleo. Ao usar um resíduo para virar combustível, você explora menos petróleo. Os negócios da Ambipar são sinérgicos e complementares. Para ambas as verticais o objetivo sempre é cuidar do meio ambiente.

Qual é a taxa de reaproveitamento desses resíduos?

Quando você pensa em resposta de emergência, pode acontecer em qualquer lugar do mundo, então tem logística envolvida. Os negócios têm que parar de pé ambientalmente e economicamente. Não adianta eu pegar uma carreta que tombou num lugar onde não existe absolutamente nada e falar “agora vamos gastar alguns milhões para transportar esse resíduo”.

Grande parte dos acidentes que atendemos está próxima de algum grande centro – e aí tenho um resultado positivo. Quando eles acontecem em lugares ermos, temos de buscar aterros (que também ficam longe). Muitas vezes uma carreta de resíduos roda mais de 2 mil a 3 mil quilômetros para encontrar a destinação correta.

Mas em grandes empresas – papel e celulose, por exemplo – a gente já consegue reintegrar 96% [dos resíduos] na economia circular. Na indústria de cosméticos também está em mais de 90%. Nosso objetivo é estar sempre acima de 90%.

A onda ESG ajudou a empresa a atrair clientes?

A gente vem se preparando há bastante tempo para este momento. Nosso propósito era valorizar resíduos. Isso já acontecia em alguns países, mas no Brasil nem se falava, nem se pensava nisso.

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Estou falando de 15 anos atrás. Fizemos o primeiro pátio de compostagem [para resíduos orgânicos] no Estado de São Paulo. Já temos 16 patentes [para tratamento de resíduos]. Uma patente não é concedida de um dia para o outro. Nosso trabalho de transformação de resíduos em produtos ou subprodutos já acontece há muito tempo.

Agora veio esse modismo, vou dizer que é modismo. E de um dia para o outro todo mundo virou ESG. Nós somos. Verdadeiramente. Na nossa essência, no nosso DNA.

Mais empresas estão em busca da Ambipar hoje?

As empresas brasileiras, na grande maioria, não estavam prontas e nem sabiam exatamente o que era ESG. E nós já estávamos prontos. Hoje a procura pela Ambipar é muito maior, seja pelo IPO, seja pelo nosso propósito. Aquela empresa que só tinha alguém que movimentava o resíduo e mandava para um aterro, agora ela procura a gente. Todo dia batem na nossa porta com “Olha, eu tenho isso [esse resíduo]. Como a gente pode fazer? De que forma eu posso transformar em ações reais, e colocar no meu relatório de ESG?”. Não tem empresa que não gere resíduos.

Você sente que são empresas comprometidas, ou é o que o mercado chama de greenwashing?

A grande maioria procura com propósito, até porque descobriram [ri] que, quando você valoriza os resíduos, acaba rentabilizando o negócio. Quem gastava R$ 1 milhão por mês acaba gastando menos e eu ainda monetizo esse cliente, seja na venda do reciclado, seja na transformação de um produto.

A John Deere [de máquinas agrícolas] é um grande exemplo. Ela tinha mais de 30 fornecedores nessa área de resíduos e veio uma demanda dos Estados Unidos: “Olha, a gente precisa encontrar aí no Brasil quem comece a enxergar, a tratar e valorizar esses resíduos”. Hoje a Ambipar atua em todas as fábricas deles. O lema da John Deere é “aterro zero”. Para cada resíduo que eles geram, a gente encontrou uma solução, então ela é 100% sustentável.

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A senhora é uma das raras mulheres presidentes de empresa. Ainda sofre com machismo?

Ontem mesmo eu estava num cliente nosso, no Paraná. Tinha de fazer alguns ajustes no projeto e decidi ir pessoalmente. Quem fazia a gestão desse contrato antes era uma mulher. Aí, falando com o supervisor sobre algumas coisas que estavam erradas, ele olhou para mim e disse: “Mas, também, era uma mulher que você colocou aqui na frente, né?”. Meu queixo caiu. Respondi: “Não entendi por que você falou isso”. E ele: “Ah, mas uma operação desse tamanho, você acha que uma mulher pode tomar conta?”

Fazia muito tempo que eu não ouvia um tipo de comentário assim e dá para entender que o problema continua, e bem sério.

Ao longo da minha trajetória, eu ainda vivi a fala desse menino, de que mulheres deveriam ficar como recepcionistas, como secretárias. Que os cargos de liderança deveriam estar com homens. Mas quando você começa a se posicionar, e começa a mostrar que você também tem competência, as pessoas não têm como negar isso por muito tempo. Acabei tendo muitas oportunidades, mas exatamente porque eu fui me posicionando. Não tendo medo.

Como foi chegar ao cargo de CEO?

Quando eu entrei aqui na Ambipar, há 12 anos, foi para uma função operacional. Ao trazer algumas inovações e tomar certos posicionamentos, fui sendo promovida.

Se olhar o histórico da Ambipar, você vai perceber que as mulheres sempre foram maioria em cargos de gestão. O Tercio Borlenghi, fundador da empresa, sempre entendeu que as mulheres são mais comprometidas e conseguem ter um balanço muito claro do que é o objetivo da empresa – que o número 1 é ter lucro, mas simultaneamente enxergar as pessoas que trabalham lá.

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Quando veio o assunto do IPO e nós definimos que a estratégia seria de crescimento global, em especial na área de Response, ele [Tercio] me colocou como CEO.

A Ambipar comprou empresas no exterior, mas apenas na área de gestão de crise. O braço Environment também deve se internacionalizar?

Neste momento, nossa expansão internacional está focada em Response, mas não significa que nós não vamos entrar com a Environment em outros países. Somos consultados por países da Europa e aqui da América Latina. Estamos abertos para oportunidades e em fase de testes. Se os resultados derem certo, a gente naturalmente vai fazer [a internacionalização] da área ambiental. Não sei se montando do zero ou fazendo alguma aquisição.

Como um governo que não se preocupa com questões ambientais afeta o negócio da Ambipar?

Não trabalhamos para nenhum órgão público. As ações governamentais não interferem em nada no nosso negócio. Hoje as empresas têm objetivos claros e metas para entregar aos seus países.

Esquece a parte dos negócios. Pensa em gente. Contratamos uma influenciadora, a Larissa Manoela, porque a gente pensa o seguinte: quem tem mais idade, que não teve essa cultura desde lá de trás porque o governo não implantou, tem mais dificuldade de entender essa nossa fala. Ou a gente prepara o público jovem, ou o Brasil não vai mudar nunca. Estamos com um trabalho de conscientização e preservação do meio ambiente hoje e para as futuras gerações. Esse público não compra ações, mas ele consegue falar “não façam assim” para os pais. Esse é o trabalho: uma frente de negócio, dando lucro, e uma frente de conscientização.

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