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Discutir a “imoralidade” dos lucros da Petrobras é estelionato

Há 12 anos, a Petrobras levantou US$ 70 bilhões na maior capitalização de uma empresa em todos os tempos. Agora que os investidores, grandes e pequenos, começam finalmente a ter retorno, o governo ameaça pôr tudo a perder.

Por Alexandre Versignassi
8 jul 2022, 05h23

“A Petrobras está realizando uma oferta pública de ações. Venha participar deste momento. E faça da Petrobras cada vez mais a sua Petrobras.” É o que dizia um vídeo publicitário de 2010.

Contexto: a maior empresa do país precisava de fundos para desenvolver a exploração do pré-sal. Na época, ela estava dividida em 9 bilhões de ações. Decidiram, então, aumentar essa quantidade em 45%, para 13 bilhões. Era um processo de capitalização – quando uma companhia que já tem ações na bolsa emite mais e vende, a fim de colocar dinheiro em caixa.

Para arrebanhar compradores, fizeram muita publicidade convidando a população a se tornar acionista. Deu mais do que certo. Conseguiram vender 4,27 bilhões de novos papéis a um preço médio razoável, R$ 28,18 cada um (as ON, que dão direito a voto, saíram um pouco mais caras que as PN, daí isso de “preço médio”). Levantaram R$ 120,3 bilhões no dia 24 de setembro de 2010.  

Como o dólar estava a R$ 1,71 (saudade…), isso dava US$ 70 bilhões. Foi o maior lançamento de ações da história da humanidade. Ainda é, aliás. O IPO da petroleira Saudi Aramco, por exemplo, levantou “só” US$ 25,6 bilhões, em 2019. O da Alibaba, em 2014, US$ 21,8 bilhões.  

E não foram só grandes fundos globais que embarcaram na capitalização. A população brasileira deu sua contribuição. Além dos investidores pessoa física que reservaram ações via corretora, 25.544 trabalhadores optaram por usar parte do seu FGTS para adquirir os novos papéis da estatal. R$ 423,7 milhões do que entrou no caixa da Petrobras vieram de contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

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Para a Petrobras, foi a salvação. O pré-sal corresponde hoje a 70% da produção da empresa, que fechou 2021 em 2,77 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boed). Note que isso não representa um baita incremento diante da produção lá de 2010 – 2,58 milhões de boed. Isso deixa claro, então, o quanto o pré-sal foi importante para manter a Petrobras como uma gigante. E mais ainda: que a capitalização lá atrás foi crucial para o destino da companhia.    

Já para quem colocou dinheiro ali não foi exatamente um pré-sal de rosas. Em 2011, a empresa pagou só R$ 0,92 em dividendos. Em 2012, R$ 0,47. Em 2013, R$ 0,52. Pouco para investidores que desembolsaram pelo menos R$ 26,30 por ação – o preço da PN lá em 2010. Aí piorou.

Entre 2014 e 2017, não pagaram provento algum, dada a lama de corrupção e interferência governamental na empresa (aliada a uma queda de 50% no preço do barril). Nesse meio tempo, a PN foi a R$ 4,41 – 83% abaixo do preço da capitalização. Quem sacou o FGTS aplicado em Petro ali estrupiou-se.

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A partir de 2018 as coisas foram se ajustando. O preço do papel retornou ao patamar de R$ 26, zerando as perdas de quem tinha entrado em 2010. E os dividendos voltaram também, ainda que mirrados: R$ 0,25 naquele ano; R$ 0,74 em 2019, R$ 0,79 em 2020.

A virada mesmo só veio em 2021. A petroleira teve seu maior lucro em todos os tempos, R$ 106 bilhões. Quase tudo (R$ 101 bilhões) foi distribuído na forma de dividendos: impressionantes R$ 7,70 por ação. Isso deu um boost na cotação dos papéis. Em maio de 2022, eles chegariam a R$ 34. Agora sim. Doze anos depois, o investimento de quem tinha entrado na capitalização começava a dar algum fruto.

Diante disso, a discussão corrente no governo sobre a “imoralidade” dos lucros da Petrobras não faz sentido. Os investidores privados, grandes e pequenos, foram em boa parte responsáveis pela Petrobras ter chegado com saúde até aqui. Sangrar a empresa agora, exigindo (de novo) que ela use seu caixa para subsidiar os combustíveis, é mais do que estelionato. É uma tentativa de latrocínio contra o bom senso mais elementar.

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