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Carro elétrico “a etanol”: um dia você vai ter um

Presidente da Raízen, Ricardo Mussa defende uma tese arrojada: a de que seu combustível pode ser um protagonista na eletrificação dos carros. Entenda.

Por Ivan Martínez-Vargas
Atualizado em 23 jan 2024, 11h49 - Publicado em 22 jan 2024, 05h00
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Ricardo Mussa, presidente da Raízen, aposta no etanol como combustível dos carros elétricos (Foto: Divulgação/VOCÊ S/A)
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A ascensão dos carros elétricos representa um risco para o negócio da distribuição de combustíveis. Mas Ricardo Mussa, presidente da Raízen, dona dos postos Shell no Brasil e maior produtora de etanol do mundo, defende outro ponto de vista. O executivo, que dirige um carro híbrido, acredita que o futuro está no etanol. Mais precisamente na conversão do combustível renovável em hidrogênio para abastecer carros elétricos – no caso, aqueles com motor de célula de combustível, que também emitem zero CO2.  

O projeto ainda está em fase de estudos. Mas outra área amadurece rápido: a do etanol de segunda geração, extraído do bagaço da cana. À frente da gigante sucroalcooleira desde 2020, Mussa lidera hoje o ambicioso plano de ter pelo menos nove usinas dedicadas a esse tipo de etanol.

Em 2023, a empresa iniciou a produção da segunda planta, em Guariba (SP). A tarefa envolve investimentos que superam R$  1 bilhão por usina, mas o risco é baixo, uma vez que só são construídas as unidades que têm a produção já comercializada. Se a companhia conseguir aproveitar todo o seu bagaço, aumentaria sua produção de etanol em 50%. 

Há 16 anos em empresas do Grupo Cosan, Mussa afirma que a companhia terá nesta safra seu melhor ano da história e que as ações RAIZ4, hoje na casa dos R$  4, estão “muito abaixo” do valor justo. No terceiro trimestre, a empresa registrou lucro líquido de R$  28 milhões, revertendo prejuízo de R$  933 milhões no mesmo período do ano anterior. A receita líquida foi de R$  59,5 bilhões – redução de 7,4%.

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Qual é seu maior desafio hoje na Raízen, que já é a maior produtora global de etanol? 

Tenho tudo o que eu preciso aqui. O momento é favorável, o mundo está precisando de produtos renováveis, tenho uma empresa que é líder no setor em que atua (produção de etanol), consigo atrair bons talentos porque a companhia contribui para combater mudanças climáticas, tenho um bom plano de negócio, bons acionistas. 

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Por outro lado, preciso entregar o crescimento da companhia. A gente tem uma tecnologia que é o etanol de segunda geração, que ninguém mais tem, e faz uma aposta enorme nela. Estamos construindo seis plantas ao mesmo tempo. Eu não vejo concorrentes nem a milhas de distância. Agora tenho de entregar todo esse crescimento.

O etanol de segunda geração é obtido por meio do bagaço de  cana. Qual é o plano para essa nova vertente?

A cana-de-açúcar é a melhor planta para a conversão de energia solar em biomassa [matéria-prima para combustíveis]. Se você pegasse um hectare de soja, faria 3,5 toneladas de biomassa. Com essa área de cana, você faz até 93 toneladas. Mas o setor sucroalcooleiro é ruim em pegar essa biomassa e transformá-la em algo útil. Um terço da energia está no caldo da cana, outro terço no bagaço e outro na folha. Hoje, usa-se mal o bagaço e praticamente não se usa a folha.

O etanol de segunda geração aumenta a eficiência de extração de energia da biomassa da cana. Vamos elevar em 50% a produção de etanol da companhia sem um pé de cana a mais. Hoje, entre 60% e 70% do meu bagaço é utilizado nas próprias usinas [a queima gera vapor que serve como fonte de energia]. É um desperdício usar bagaço para rodar uma usina que eu poderia eletrificar. A ideia [da Raízen] é aproveitar o que o Brasil tem de bom, a energia elétrica barata, para usá-la no meu consumo próprio e liberar cada vez mais bagaço para ser transformado em etanol que pode ser exportado. É redução de emissões em escala. E podemos, inclusive, exportar a tecnologia.

Vocês já têm duas usinas de etanol de segunda geração, com a produção contratada. Quais os próximos passos? 

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Sim, e temos outras cinco em construção. A gente já comercializou o produto de nove plantas ao todo. Vendemos 80% da produção das que serão construídas nos próximos cinco anos. É um sinal de que o mercado realmente acredita no nosso produto.

Além disso, há uma discussão importante na Europa: o etanol de segunda geração não compete com alimentos, como o etanol de milho e o biodiesel que usa soja. O etanol de segunda geração vem de um resíduo. É um combustível renovável avançado. 

E qual é o custo de produção do etanol de segunda geração?         

Depende. O etanol de primeira geração tem custo conectado ao preço da gasolina na bomba. Se a gasolina cai, o preço do etanol cai. O etanol de segunda geração tem o custo associado da enzima (usada na sua produção) e do bagaço da cana. Em momentos de preço de petróleo alto, o etanol de segunda geração pode ficar mais barato que o de primeira. Como o etanol de segunda geração não precisa da parte agrícola, o custo operacional dele é baixo. O maior custo é o de construção da planta.

Quanto de investimento demanda uma planta de etanol de segunda geração? 

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É alto, de R$  1,2 bilhão a R$  1,3 bilhão. Cada uma produz entre 82 e 84 milhões de litros por ano. Mas o custo operacional para rodar a produção é baixo. Por isso que os contratos de longo prazo ajudam a ter uma estabilidade de receita e dão garantia de que conseguimos recuperar o capital investido. A gente só está construindo plantas que tenham 80% da produção comercializada. 

Temos biomassa suficiente para rodar 20 plantas que ao todo produziriam 1,6 bilhão de litros de etanol de segunda geração por ano, um incremento de mais de 50%. Isso se eu não eletrificar as usinas. Se fizermos eletrificação, sobra mais bagaço. Também posso licenciar a tecnologia, o que cria uma nova linha de receita para Raízen. 

O carro elétrico representa um desafio para as distribuidoras de combustíveis. E ele é o futuro, não? 

Sim, mas não o movido a bateria. Ela não é eficiente. A mesma quantidade de energia que existe em 600 quilos de bateria de um Tesla é o que você tem em 27 quilos de etanol. O tipo de carro mais eficiente usa o motor elétrico com a energia armazenada em formato líquido. É o motor de célula de hidrogênio. Um carro elétrico com 5 quilos de hidrogênio no tanque consegue rodar até 600 km. 

O etanol tem um papel super relevante porque o hidrogênio é muito difícil de transportar, demanda uma logística complexa [é preciso mantê-lo refrigerado a temperaturas abaixo de -253ºC]. 

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O etanol tem hidrogênio em sua composição química. Estamos estudando junto à Shell e à Toyota [pioneira em carros elétricos a hidrogênio] como fazer o que a gente chama de reformador. Você coloca um container no posto de combustível e transforma o etanol em hidrogênio ali. O transporte seria feito na forma de etanol para postos de combustíveis. 

De qualquer forma, há uma parcela do mercado que vê no carro elétrico o fim dos postos. Sua visão é diferente?

Vejo espaço para tudo. O carro elétrico não vai matar os postos. A gente é distribuidor de combustível, produtor de etanol, de energia elétrica, e tem hoje uma empresa de recarga de eletricidade para carros elétricos nos postos, a Shell Recharge. Eu adoro esse futuro porque vou ter receita vinda da venda de energia e da comercialização de etanol. Vejo meu produto indo também para o combustível de aviação e para a indústria química, a de polímeros. Tem muita demanda.

O combustível de aviação vai ser relevante para a Raízen? 

Sim, a aviação não vai eletrificar sua frota no curto prazo e precisa de uma saída rápida para descarbonizar. O mais eficiente é fazer isso com um combustível líquido renovável.

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Vocês já têm planos para SAF (combustível sustentável de aviação) no Brasil?

Fomos a primeira empresa do mundo a ter o etanol certificado para o SAF que vai ser produzido agora na Georgia (EUA). Estamos exportando nosso etanol para lá. 

Somos um grande distribuidor de combustível no Brasil, que opera em mais de 60 aeroportos, e um grande produtor de etanol. Faz sentido para a gente estar na cadeia do SAF. Não somos donos da tecnologia de conversão do etanol para o SAF. Podemos até coinvestir, mas a gente sabe que a nossa vantagem está na produção de etanol.

Como você enxerga a recente redução na taxa básica de juros?

Muito importante. Para investir tomamos dívida e o nosso passivo hoje é controlado, mas consome boa parte da nossa geração de caixa. Toda vez que eu vejo o Copom reduzindo a taxa Selic eu solto um rojão. A gente vê uma tendência de inflação controlada – no Brasil e no mundo. Estou otimista com a queda dos juros daqui para frente.

A companhia é pouco alavancada (1,9x o Ebitda)… 

Sim, nossa dívida hoje é muito ligada ao crescimento do etanol de segunda geração. É uma dívida para fazer a companhia crescer. Como se trata de um projeto de baixo risco, tenho um grau de conforto.

E qual o impacto da reforma tributária no seu negócio? 

A reforma traz a cobrança do imposto no primeiro elo da cadeia, o que reduz a chance de sonegação que ainda existe no mercado do etanol. Isso é saudável. Várias empresas que não recolhem os tributos também fazem bastante adulteração de combustível. Por isso, o consumidor final muitas vezes não tem uma boa percepção do produto. Prova disso é que hoje o etanol está na casa dos R$  2 por litro, bem mais barato que a gasolina, e mesmo assim muitos escolhem abastecer com gasolina. Indiretamente, a reforma tributária vai fazer os postos começarem a gostar mais do etanol.

A rede varejista Oxxo (outro braço da Raízen) está onipresente em São Paulo. Quando ela vai chegar a outras regiões? 

Eu adoro esse projeto. A gente escolheu muito bem o sócio, a Femsa. No México eles têm mais de 20 mil lojas e uma logística espetacular. Minha dúvida era se o modelo funcionaria no Brasil e por isso testamos primeiro em Campinas. O negócio é posicionar produtos a preços competitivos – e não exorbitantes, como às vezes você encontra. A gente nem chama de loja de conveniência, mas sim de loja de proximidade. 

Para entregarmos ao consumidor um preço bom, precisamos ter um custo competitivo. Esse é um negócio de escala em que faz sentido ter 2 mil lojas. Tendo um ponto perto do outro você reduz o custo logístico da distribuição. Estamos nos animando e expandindo, mas com cautela. Acabamos de chegar à Baixada Santista, por exemplo, e temos ido superbem.

Estou empolgado porque tudo está indo de acordo com o planejado inicialmente. Existe a ambição de ter uma marca nacional, mas estamos com os pés no chão. A logística é fundamental. Temos nosso próprio centro de distribuição. Só vou para outro estado quando tiver a logística pronta. 

A operação já é rentável?

Estamos bem perto do break even.

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