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Americanas (AMER3) cai 77% e protagoniza maior crise do Ibovespa desde o IRB

Tombo diário foi pior que o do Lehman Brothers na crise de 2008. Mas aqui não houve efeito contágio: Magalu subiu 5,28%, e o Ibovespa fechou em -0,59%.

Por Tássia Kastner, Júlia Moura
12 jan 2023, 18h48

A Faria Lima tentou, mas não há um verbo para definir o colapso das ações da Americanas (AMER3) nesta quinta-feira. “Afundam”, “derretem”, “colapsam” foram usados para eventos como a pandemia (queda de 13,96% do Ibovespa no pior pregão de 2020), Bradesco (-17,38%, após um balanço ruim em novembro de 2022), IRB (-31,96%, no dia 4 de março de 2020, com os primeiros indícios de fraude contábil). O próprio Lehman Brothers precisou de cinco pregões para acumular uma queda semelhante, de -77,5%, na semana anterior à sua falência.

Americanas, 12 de janeiro de 2023: -77,33%. 

 

É a terceira maior queda da bolsa brasileira desde 2008 – e as duas quedas líderes foram justamente na esteira da crise financeira global. À frente estão Agra Incorporadora (-81,55% em 6 de outubro de 2008) e Hércules (-78%, em 22 de setembro de 2008), segundo dados do TradeMap.

Trata-se de um apocalipse em andamento. Na noite de quarta-feira, a companhia anunciou ter encontrado R$ 20 bilhões em “inconsistências” nos seus balanços. O fato relevante veio com uma segunda bomba: Sergio Rial, chamado para colocar a companhia em rota de crescimento, havia pedido demissão após dez dias no cargo. Deve ser um tipo de recorde de mandato mais rápido de CEO da história.

Do que deu para entender em uma live com investidores, realizada durante a manhã, é que a companhia passou anos a fio dizendo que uma parte dos seus passivos era despesa com fornecedores, enquanto se tratava de dívida bancária.

A gambiarra foi eliminar o intermediário na prestação de contas, já que o financiamento com bancos era para pagar fornecedores. Assim, esses empréstimos estavam no balanço como pagamentos aos fornecedores pelo preço do negócio no passado e não como dívidas com bancos pelo preço atual, corrigido por juros. E, com a Selic indo de 2% a 13,75% ao ano, dá-lhe juros.

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Ou seja, a empresa teria uma dívida bruta ainda maior que os R$ 20 bilhões que ela já carregava no final do terceiro trimestre de 2022. 

A alavancagem financeira, medida pela divisão da dívida líquida pelo Ebitda, era de 1,7.  Com os R$ 20 bilhões de dívida “descoberta”, ela subiria para 8. 

Isso numa empresa que tinha R$ 47,08 bilhões em ativos (patrimônio material e financeiro) e R$ 32,38 bilhões em passivos (o dinheiro que ela deve a fornecedores, bancos etc.).

Fazendo a conta de ativo menos passivo, sobram R$ 14,70 bilhões em patrimônio líquido. 

Rial chegou a afirmar que a companhia continua sendo financeiramente viável, mas dependerá de novos aportes de capital. Os fundadores do 3G, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, que são os principais acionistas da companhia (chamados de acionistas de referência) sinalizaram ao mercado financeiro que vão colocar dinheiro do próprio bolso para recapitalizar a AMER3.

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Os bancos também avisaram que vão renegociar as dívidas com a companhia. Não que a essa altura eles tenham muita opção: é isso ou aceitar o calote de uma empresa que tem tudo para quebrar, se não tiver o socorro.

Os sinais de que a companhia terá apoio não foram o bastante para suavizar o apocalipse do papel. No fundo, uma falha de contabilidade dessas coloca em xeque toda a prestação de contas da empresa e a confiança que o mercado tem na prestação de contas como um todo.

Segundo o jornal Valor Econômico, a CVM já abriu dois processos para investigar as inconsistências contábeis da Americanas.

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A ação passou boa parte do dia em leilão. A primeira negociação em bolsa, do jeito normal, aconteceu por volta das 14h20. Foram R$ 212 milhões em negócios em menos de um minuto. E aí a companhia entrou em leilão de novo. Assim foi durante praticamente toda a tarde.

O prejuízo alcança 146.366 investidores individuais, de acordo com o Trade Map, fora os diversos fundos de ações têm posição na companhia.

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No fim, a Americanas fechou valendo R$ 2,72, dos R$ 12 do final da quarta-feira. O volume de negócios somou R$ 692 milhões, ante média diária de R$ 377 milhões nos últimos três meses. E a perda em valor de mercado foi de R$ 8,37 bilhões, o mesmo que duas Vias, uma das concorrentes diretas.

Esse colapso da AMER3 acabou tendo um efeito apenas marginal sobre o Ibovespa, que caiu 0,59%, a 111.850 pontos. Foi um dia volátil, e de mais perdas do que ganhos: das 89 ações do índice, 57 caíram e 31 subiram. O dólar recuou 1,55%, mostrando que a Americanas está mais para meme do que para um problema muito grande. 

Faz sentido, já que a varejistas representa só 0,369% do Ibovespa. Uma segunda razão para a Americanas não fazer “nem cosquinha” no mercado foi a ausência de um efeito-contágio. Normalmente quando uma empresa de um determinado setor afunda, ela leva junto TODAS as demais. Não foi a regra desta quinta. Pelo contrário: a Magazine Luiza foi a protagonista, subindo 5,28%, a maior alta do dia. A Via caiu “só” 5,38%, o bastante para ficar no top 5 das maiores perdas do dia.

O setor de varejo como um todo sofre desde 2021, liderando por dois anos seguidos as maiores baixas da bolsa.

A alta de juros combinada com a inflação pesada sobre os bolsos dos consumidores fez afundar os resultados das companhias. Desde o pico, em agosto de 2020, quando chegou a R$ 122,87, a AMER3 cai 97,78%. A Magalu, que alcançou a máxima em novembro de 2020, cai 88,30%. A Via, que teve o pico em julho de 2020, tomba 88,5%.

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Como disse a Bettina – e o Faria Lima Elevator repetiu: o bom de ações é que a perda é limitada a 100%, mas a possibilidade de ganho é infinita.  

Tentação

Ver uma ação quase virar pó alimenta o instinto mais especulativo dos investidores. E uma das perguntas, ao ver o tombo, foi se agora era hora de comprar. Risos.

Os bancos de investimento passaram o dia retirando as suas recomendações pela completa ausência de visibilidade sobre os reais resultados da companhia.

O Morgan Stanley, por exemplo, havia passado a sugerir a compra do papel em outubro, mirando o preço-alvo de R$ 16. O banco retirou a análise.

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O Banco do Brasil tinha a recomendação de venda, acreditando que a AMER3 cairia a R$ 8,10. Agora, ele ainda sugere vender, mas não tem alvo. 

Bradesco BBI, Itaú, XP e mais uma turma simplesmente tiraram o time de campo. Sem preço-alvo e sem recomendação. 

Por sinal, essa pergunta também foi feita na época do IRB. Nos tempos áureos, a ação chegou a ser negociada a R$ 40. A descoberta da gestora Squadra de que os números da companhia eram uma peça de ficção foi o estopim da crise. Lá se vão três anos e a ação nunca se recuperou. Passou a ser uma penny stock, negociada a centavos, e foi excluída do Ibovespa. Fica a dica 😉

Maiores altas

Magazine Luiza (MGLU3): 5,28%

CCR (CCRO3): 2,55%

Energisa (ENGI11): 2,31%

Suzano (SUZB3): 2,05%

Lojas Renner (LREN3): 2,02%

Maiores baixas

Americanas (AMER3): -77,33%

Meliuz (CASH3): -5,83%

Hapvida (HAPV3): -5,43%

Via (VIIA3): -5,38%

Qualicorp (QUAL3): -4,61%

Ibovespa: -0,59%, a 111.850 pontos

Nova York

S&P 500: 0,34%, aos 3.983 pontos

Dow Jones: 0,64%, aos 34.189 pontosNasdaq: 0,64%, aos 11.001 pontos

Dólar: 1,55%, a R$ 5,1005

Petróleo

Brent: 1,65%, a US$ 84,03

WTI: 1,27%, a US$ 78,39

Minério de ferro: 1,36%, cotado a US$ 126,82 a tonelada em em Dalian (China)

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