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Ricardo Leptich, da Osram: de office boy a CEO de multinacional

Executivo conta como chegou, aos 38 anos, ao topo da empresa alemã no Brasil

Por Mariana Poli
Atualizado em 23 dez 2019, 15h00 - Publicado em 22 nov 2017, 16h00

Ricardo Leptich é um tipo de profissional que está em extinção no mercado de trabalho. Aos 39 anos de idade, ele já dedicou duas décadas de vida à multinacional alemã Osram, fabricante de lâmpadas com faturamento de mais de 3 bilhões de euros. Entrou na empresa como office boy e não saiu mais.

Ao longo da carreira, teve sete promoções – a última delas, ano passado, o alçou à presidência. A chegada ao topo aconteceu num momento crítico para organização, que vendeu toda a parte tradicional de sua operação (como a de lâmpadas domésticas) para investidores chineses com o objetivo de focar apenas em produtos inovadores, de alta tecnologia.

De 2016 para cá, quando Ricardo foi nomeado CEO, a diretoria global rejuvenesceu e ficou mais arrojada. O movimento acompanhou a transição da organização, que passa de uma empresa de componentes para uma companhia de soluções inovadoras para iluminação – entre os projetos no Brasil estão o escritório do Google, no Rio de Janeiro, uma nova fábrica da GM e a Arena Corinthians. Há ainda investimentos milionários em infravermelho com reconhecimento de íris, gestos e expressões faciais, tipo de tecnologia que será cada vez mais demandada.

A seguir, Ricardo fala das lições e dos desafios de liderar, com menos de 40 anos, uma gigante em plena transformação.

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Como você chegou a Osram?

Entrei aos 16 anos, como office boy interno da presidência. Isso era 1995. Meu pai trabalhou por 33 anos na companhia, era engenheiro químico responsável pela área de produção no Brasil. Antes de mim, quem era office boy era o meu irmão. Quando ele saiu, a secretária, que o adorava, buscou alguém da família. Foi assim que entrei [risos]. Eu fazia toda a parte de entregas e ainda preparava o cafezinho com leite do presidente, lavava seu carro e tinha de ir até à casa dele, em Alphaville [em Barueri, São Paulo], para passear com o cachorro, um Rottweiller enorme. Fiquei dois anos nessa função.

À época, você tinha uma banda de heavy metal. Como foi para um jovem “metaleiro” cair no universo rigoroso de uma multinacional alemã?

Cheguei a Osram com o cabelo quase na cintura. Tocava numa banda com os meus irmãos. Abrimos o show do Dr. Sin, no Brasil, e começávamos a fazer sucesso. Eu estava confuso se deveria seguir na música – ou não. Como eu estava na empresa e gostava da área comercial, acabei fazendo propaganda e marketing. No primeiro ano da faculdade, abriu uma vaga e me candidatei. Fiz carreira nas áreas de marketing e vendas. De estagiário passei para analista, depois coordenador, gerente e diretor, assumindo a divisão de lâmpadas automotivas na América Latina. Tive sete promoções em 20 anos. Neste sentido, o marketing foi um trampolim para mim, pois eu lidava com todo o portfólio da companhia, que tinha 5 000 produtos, e atuava nos segmentos residencial, comercial, automotivo e profissional.

Você nunca pensou em sair da Osram?

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Pensei. Fui chamado para trabalhar numa multinacional japonesa do setor automotivo. Quando disse que estava de partida, a Osram me deu um aumento e uma promoção. Eu me senti valorizado e decidi ficar. Quando a empresa decidiu separar os negócios, vendendo a parte de iluminação tradicional a investidores chineses, tivemos de dividir o staff em dois. Como o presidente ficaria na unidade comprada pelos chineses [hoje chamada Ledvance], fui nomeado CEO pelos alemães em junho de 2016.

Você chegou ao topo do organograma com 38 anos, qual foi a sua estratégia para conquistar a posição antes dos 40?

Mostrar comprometimento e trazer resultados sustentáveis. É do jogo do capitalismo: se não mostra números, você é descartado. Quando me nomearam, os alemães disseram ter confiança em meu trabalho porque, ao longo de anos, sempre atingi metas ambiciosas. Mas tem uma coisa que acredito ser meu diferencial: durante toda a carreira, fui muito propositivo. Eu olhava para empresa buscando falhas. Ao encontrar gaps, preparava um projeto, batia na porta dos executivos e o apresentava. Cavei ao menos duas boas promoções assim. Se você só fizer o que é demandado, não cresce.

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Voltando à cisão entre as companhias, como conduziu esse processo?

Foi um momento delicado, porque tínhamos de duplicar todos os departamentos-chave para que ambas as companhias tivessem pessoas qualificadas. Tentamos ser transparentes e mostrar que tínhamos tomado cuidado no mapeamento e feito muitas discussões pensando no melhor para a carreira de cada um. Houve disputa por talentos. Alguns ficaram conosco, outros foram com os chineses. Mudar de escritório ajudou a motivar os funcionários. O prédio antigo era da década de 50, com mobiliário original. Fiz questão de me envolver no projeto do novo local, bem mais moderno. Hoje, a Osram no Brasil conta com 67 profissionais [antes da separação, eram 400; em 1 995, quando Ricardo chegou, mais de 2 000]. Viramos um escritório, sem unidade fabril, que cuida da importação e revenda de produtos high tech fabricados ao redor do mundo. É uma empresa menor, com receita maior.

É mais fácil liderar uma empresa enxuta?

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Muito mais. A interação entre áreas, que no passado inexistia, hoje é total. No passado, vendas e logística viviam em guerra. Hoje, isso não acontece, estamos lado a lado. Também mudei o pacote de benefícios. Melhoramos radicalmente o plano de saúde, criamos Dia dos Pais e Dia das Mães para que os funcionários levem seus filhos ao escritório, instituímos day off no aniversário e ampliamos a licença-paternidade para duas semanas cheias. Sei que são atitudes pequenas, mas surtiram um efeito surpreendente.

Seu pai trabalhou por três décadas na Osram e se aposentou na companhia, qual é sua relação com ele agora que se tornou presidente?

Nós conversamos regularmente. Aprendi muitas lições com ele e ainda escuto seus conselhos. Mas não recorro a ele para tomar decisões. Hoje, ele mais me escuta do que fala. E tem orgulho por eu ter chegado ao posto máximo na companhia pela qual ele dedicou 33 anos e o ajudou a construir nossa família.

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Qual é, hoje, o seu maior desafio como CEO?

Quando fui office boy do presidente, ele não olhava na minha cara por causa do meu cabelo comprido, que ele detestava. Passei por quatro CEOs. Inspiro-me no melhor de cada um deles e evito repetir erros. Recentemente, contratei um estagiário com cabelo no meio das costas. Quero um time diverso. Também faço reuniões mensais com todo a equipe para apresentar resultados, rodo bastante pelo escritório e deixo a porta sempre aberta. Do ponto de vista dos negócios, meu legado será melhorar atuação da companhia no Brasil na área de projetos e soluções de alta tecnologia e economia de energia.

Continua com a sua banda de heavy metal?

Sim, toco com meus dois irmãos e um dos VPs de um grande banco de varejo, que não me deixa divulgar seu nome [risos]. É uma válvula de escape para o estresse, uma maneira de eu me regenerar. Fazemos cover do Metallica, do Iron Maiden, do Black Sabbath e temos músicas próprias. Toco desde os oito anos. A música me ajuda a olhar as coisas de diferentes perspectivas e a ter sensibilidade, o que é importante no mundo corporativo.

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