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Quem é o presidente mais bem avaliado do Brasil

As lições do ex-empacotador da pernambucanas que chegou à presidência da Elektro e se tornou o executivo mais bem avaliado do país pelos funcionários

Por Tatiana Sendin, Mariana Amaro
Atualizado em 17 dez 2019, 15h29 - Publicado em 6 dez 2014, 07h12

O administrador de empresas Marcio Henrique Fernandes tinha 36 anos quando foi nomeado presidente da Elektro, distribuidora de energia que atende 228 cidades em São Paulo e Mato Grosso do Sul. Ao assumir o cargo, em meados de 2011, ouviu de sua mãe, a cabeleireira Alice Cavalli Fernandes: “Filho, não se esqueça das pessoas que ainda são como você já foi”. Nestes três anos à frente da Elektro, Marcio não só não se esqueceu do conselho da mãe como fez das pessoas sua principal bandeira. Num mundo onde a maioria dos líderes e chefes de equipe quebra a cabeça para engajar seus funcionários e 87% das pessoas se dizem desgostosas com a empresa em que trabalham, segundo o instituto americano de pesquisa Gallup, pode-se dizer que Márcio atingiu o nirvana. 

Em uma escala de zero a 100, onde o maior número corresponde à plena satisfação dos funcionários, a gestão de Marcio teve avaliação 98,3  pelos empregados da Elektro. Esse resultado é fruto da pesquisa VOCÊ S/A – As Melhores Empresas para Você Trabalhar, que em 2014 colheu a opinião de 117 759 funcionários de 348 empresas no Brasil. Neste ano, a Elektro se consagrou a campeã entre as empresas que são referência em gestão de pessoas. A liderança de Marcio teve a maior nota na história de 18 anos do guia. Como base de comparação, o índice médio de satisfação das 150 melhores em 2014 é de 78,79. Não é só na satisfação dos trabalhadores que os resultados são positivos. Entre 2011 e 2013, a companhia, com sede em Campinas, economizou 93 milhões de reais. Para o negócio da Elektro, esse montante equivale a uma redução de custos de 22%. No mesmo período, a qualidade do serviço aumentou 8% e a rede de cobertura da Elektro cresceu 10%. Até chegar ao modelo de gestão atual, a empresa passou por diversas fases.

Criada em 1998, durante o processo de privatização das concessionárias estatais de energia, a Elektro incorporou a operação de distribuição da antiga Companhia Energética de São Paulo. De origem privada e alma de estatal, a empresa teve ainda como acionista o grupo americano Enron, protagonista de uma das maiores fraudes financeiras da história, até virar propriedade do grupo espanhol Iberdrola, em 2011. A partir de então, a Elektro se tornou a queridinha dos clientes — tanto dos internos quanto dos externos. Em alguns municípios, como Três Lagoas, em Mato Grosso do Sul, a satisfação dos usuários em relação ao serviço prestado chega a 99%.

Na base da confiança

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Esses resultados derivam de uma filosofia de gestão adotada por Marcio, cujo princípio é a confiança. “Deixei meu ego de lado e abracei as pessoas. Quando há confiança, o funcionário veste a camisa”, diz. O fato de acreditar nos subordinados e dar autonomia para que trabalhem sem vigilância não quer dizer que o principal executivo da Elektro faça uma gestão às cegas. Marcio percorre, duas vezes por ano, 10 000 quilômetros de carro para visitar os funcionários nas 228 cidades em que a Elektro atua. Para que os executivos da Iberdrola, o quarto maior grupo de energia do mundo, aceitassem seu estilo de trabalho, Marcio colocou seu emprego à disposição. Quando foi indicado por Calos Ferreira, ex-presidente da Elektro, para assumir sua posição, Marcio teve de voar até Bilbao, na Espanha, sede da Iberdrola, para ser sabatinado pelos controladores da Elektro. “Falei que, se meu modelo não desse o resultado esperado, podiam me demitir”, conta. Marcio entrou na Elektro em 2004 e, antes de ser nomeado presidente, comandou o processo de integração da empresa à Iberdrola em apenas 100 dias. Portanto, não era um total desconhecido dos executivos espanhóis. “Marcio foi uma aposta nossa”, disse à VOCÊ S/A o espanhol Ignacio Galán, presidente mundial da Iberdrola. O resultado está dando certo, afirma Ignacio, e as práticas da Elektro estão sendo repassadas para outras distribuidoras do grupo.

Após receber o apoio dos acionistas, no voo de volta ao Brasil, Marcio escreveu um rascunho de sua filosofia de trabalho. Era uma forma de controlar a ansiedade diante do desafio que estava assumindo. Quando aterrissou em solo brasileiro, decidiu que colocaria em prática tudo o que havia escrito, que aprendeu com a mãe e com os profissionais com quem conviveu ao longo da carreira. Marcio nasceu em Campinas, em março de 1975, sendo o caçula dos dois filhos do casal Silvio, operário metalúrgico, e Alice, cabeleireira. Estudante da escola pública, começou a trabalhar aos 12 anos como auxiliar de oficina mecânica. 

“Não existe sucesso sem trabalho”

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Aos 13 anos, Marcio conseguiu um emprego com carteira assinada na Pernambucanas, onde foi contratado para fazer entregas, arrumar a loja, atender os clientes e empacotar mercadorias. Foi o mais jovem vendedor da rede varejista. Lá, seu chefe era Zulmiro José Furlan, mais tarde fundador das lojas Seller, de quem recebeu a primeira grande lição profissional. Em um domingo, Marcio havia sido designado para entregar panfletos promocionais na casa de clientes de Campinas. Passado um tempo, cansou-se da tarefa e foi embora, largando o pacote de panfletos numa residência. A dona da casa ligou para a Pernambucanas, comunicando o “esquecimento”. Na segunda-feira, Zulmiro chamou o aprendiz para conversar. “Ele tinha certeza de que seria demitido”, afirma o ex-chefe. “Disse a ele que ninguém quer passar a manhã de domingo entregando panfletos, mas, se aquela era sua função, não poderia fugir.” A bronca continuou: “Sempre haverá alguém para apontar seus erros e o importante é se esforçar para fazer o certo”. Anos depois, quando voltaram a se encontrar e Marcio já era presidente da Elektro, Zulmiro ficou emocionado. “Percebi que ele tinha aprendido mesmo a lição. Não existe sucesso sem trabalho”, diz.

Marcio queria ser dentista, mas acabou cursando, segundo costuma dizer, a “faculdade que tinha competência para fazer e dinheiro para pagar”. Durante o curso de administração de empresas, na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, ingressou como estagiário em contabilidade na Magneti Marelli, fabricante de peças da Fiat. Foi efetivado quando se formou e promovido em todos os anos que esteve na empresa. Erodnei Rud Pesce, seu chefe na época, lembra que Marcio “estava sempre querendo aprender e eu me sentia encorajado a lhe dar desafios”. A experiência anterior na Pernambucanas ensinou Marcio a vender bem suas ideias. “Até hoje ele vende uma confiança que faz com que quem está a seu lado se sinta apto a levar adiante o que ele acredita”, diz Erodnei.

Aprendiz de tudo 

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Marcio entrou na Elektro como gerente de controladoria e finanças, em agosto de 2004. João Gilberto Mazzon, funcionário com 37 anos de casa, lembra como foi o contato com o novato, que rapidamente o procurou. “Ele se apresentou, sentou e ficou muito tempo na minha mesa. Queria aprender tudo sobre o setor elétrico.” Na época, o Brasil estava saindo de um racionamento de energia, a Enron, então acionista da empresa brasileira de energia, tinha ido à falência em 2001, e a Elektro era controlada por bancos credores. Dois meses depois, chegou à companhia o novo presidente, Carlos Ferreira, que notou em Marcio “um cara acima da média”. “Fui dando desafios maiores e ele foi respondendo”, diz Carlos. Em 2006, surgiu a oportunidade de Marcio ir para a área comercial e ser promovido, mas Carlos tinha outros planos para ele. Barrou sua promoção e o colocou numa área cheia de problemas — a de compras, suprimentos e logística —, que estava há oito meses sem gerente.

O administrador topou a mudança de rumo, disposto a fazer o melhor trabalho de sua vida. A área de compras era refém de poucos fornecedores locais, que cobravam caro e ofereciam suprimentos de baixa qualidade. Liderando uma equipe de 30 pessoas, ele começou a importar transformadores, equipamentos e ferramentas de outros países, inclusive da China. Marcio melhorou as negociações e a qualidade dos insumos. Em um ano, economizou 15% — e foi promovido a diretor. Problema da área de compras resolvido, veio outro desafio. A pedido do presidente, Marcio foi resolver os processos de prestação de serviços. Esse trabalho era realizado por funcionários de empreiteiras terceirizadas, em condições subumanas e qualidade aquém do desejado. Um homem com uma cavadeira manual abria um buraco de 1,60 metro por 40 centímetros de diâmetro, e eram necessários outros 12 para carregar o poste nos ombros e encaixá-lo na fenda. Em seguida, subiam em escadas de madeira e instalavam os fios. Trabalhando desse jeito, depois de poucos anos de serviço, poucos tinham as costas saudáveis para executar a tarefa. Só em 2007 duas pessoas morreram no ofício. Marcio sugeriu internalizar os prestadores de serviço e automatizar a tarefa. Os contratos, à medida que venciam, não eram renovados, e os empregados passavam a fazer parte do time Elektro. “Foi um momento delicado, pois os fornecedores não aceitavam”, diz Carlos Alberto Santos, que na época trabalhava no departamento de RH da Elektro e hoje é consultor. 

Do total de 5 000 terceirizados, a Elektro contratou 1 500. “Pagamos para eles em vale-refeição mais do que  recebiam de salário”, afirma Marcio, que treinou o grupo para que pudessem operar novas máquinas. Entre 2009 e 2010, a empresa gastou 120 milhões de reais na compra de tecnologias que não existiam no Brasil, como um caminhão que abre o buraco e encaixa o poste, comandado pelo eletricista por meio de um joystick. A Elektro tem 55 desses veículos. Ninguém mais morreu no ofício. “Os eletricistas pararam de perguntar ‘o que eu faço?’ e passaram a sugerir melhorias”, diz Carlos Alberto.

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Foco nas pessoas

Ao mesmo tempo que resolvia a questão dos prestadores de serviço, Marcio assumiu o RH e as áreas de comunicação, sustentabilidade, segurança do trabalho e meio ambiente. Nessa época, começou a ser sondado por ­headhunters. Passou por três seleções e, em uma delas, ouviu de um recrutador que suas ideias eram “ingênuas”. “Ele disse que eu acreditava em coisas nas quais ninguém mais acreditava e que isso não me levaria aonde eu queria”, diz Marcio. No mesmo ano, depois da integração com a Iberdrola, em 2011, o então presidente Carlos Ferreira anunciou sua saída da Elektro. Para definir seu sucessor, analisou 60 nomes e ficou entre dois. Contou a favor de Marcio sua habilidade para liderar pessoas. 

Quando assumiu a presidência, em setembro de 2011, Marcio chamou os diretores para conversar. Queria fazer a “gestão do nós”, em parceria com os 4 000 empregados da Elektro. Alguns líderes não aceitaram e saíram. Outros foram beneficiados, como João Mazzon. “Eu tinha parado de sonhar em ser diretor e ia anunciar minha aposentadoria, quando ele me convidou para compor a diretoria”, diz João. “Falei que aceitava enquanto duas condições se mantivessem: ser feliz aqui dentro e existir coerência entre o discurso e a prática”, diz o diretor de 60 anos, no cargo há dois anos e meio.

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 A gestão de Marcio transformou o modo como as pessoas encaram o trabalho. No passado, o eletricista era visto como um ofício inferior, reportam os funcionários. Os leituristas se atinham à tarefa pela qual eram pagos (ler os registros de energia nas casas). A equipe de restauração de rede consertava apenas a falha pela qual tinha sido acionada, sem se importar com os defeitos nos pontos ao lado. Hoje, os leituristas, além de ler os registros, avisam a central dos problemas na rede. O time de reparo inspeciona e arruma todos os defeitos que encontra por onde passa. Os eletricistas cursam uma faculdade de engenharia visando crescer na carreira.

Felicidade dá resultado

No ano passado, 93% das vagas abertas, inclusive para diretores, foram preenchidas por empregados da Elektro. “Quando se colocam as pessoas nas funções que elas querem, elas se comprometem”, diz Marcio. A companhia informa todas as trilhas de carreira possíveis e os conhecimentos necessários para cada posição, assim os funcionários têm tempo para se preparar. Quando abre uma vaga que lhes interessam, eles recebem uma mensagem no celular avisando sobre o processo seletivo. 

Marcio costuma repetir uma frase que já incomodou muita gente, mas que hoje está virando moda: “Felicidade dá resultado financeiro”. De 2013 para cá, o executivo repetiu o bordão para mais de 100 empresários, de corporações como Goodyear, Itaú e Alston, que o convidam para falar sobre sua filosofia de gestão. Para disseminar a visão, ele está escrevendo um documento que pretende distribuir ao mercado. A filosofia propõe não só o lucro, mas “o lucro sempre”, ou seja, clientes sempre felizes e funcionários satisfeitos e engajados. E substitui a expressão “redução de custos” por “eficiência operacional”, além de condenar as práticas de “retenção de pessoas”. A Elektro quer ser um lugar tão agradável que elas escolham trabalhar lá. Para os que saem, não há perdão — nem retorno. Duzentas empresas, de lotéricas a grandes indústrias, testam os passos da filosofia em seu negócio e depois entrarão no documento como um case. “Eu preciso provar que essa filosofia funciona em qualquer negócio”, diz Marcio, que acabou de ser eleito para mais três anos à frente da distribuidora de energia Elektro.

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