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O dilema de quem trabalha em empresas em recuperação judicial

Esses profissionais sofrem com a instabilidade, mas podem desenvolver novas competências

Por Marina Kuzuyabu, da VOCÊ S/A
Atualizado em 19 dez 2019, 14h35 - Publicado em 26 set 2019, 06h00
Saiba quais são os dilemas enfrentados por profissionais que trabalham em empresas que estão passando por processos de recuperação judicial (Jirapong Manustrong/ Getty Images/VOCÊ S/A)
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Mesmo com uma participação de 30% na venda de livros no Brasil, a Saraiva não conseguiu frear o aumento de suas dívidas, que chegaram a 675 milhões de reais em 2018.

Pressionada por seus credores (principalmente os bancos), fornecedores e editoras de livros, a empresa não viu outra saída senão entrar em recuperação judicial. Na esteira desse processo, 700 profissionais foram demitidos e nove lojas foram fechadas.

A recuperação judicial é um recurso usado pelas companhias que estão com problemas financeiros. Seu objetivo é evitar a falência e proteger funcionários, fornecedores e clientes.

Avianca, Copel, Oi, Livraria Cultura e Odebrecht são outras organizações que, ao lado da Saraiva, engrossam a lista da RJ — sigla usada pelo mercado para se referir à recuperação judicial.

Em 2018, 1 408 empresas usaram esse recurso. O recorde foi registrado em 2016, quando 1 863 empresas foram afetadas pelo cenário recessivo que ganhou força em 2014, segundo informa o Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações.

Como os processos desse tipo costumam vir acompanhados de demissões e cortes de recursos, é comum o pânico se instalar entre os funcionários quando a RJ é declarada.

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Os empregados temem por seu cargo e, pior, pela falência da companhia, que pode fechar as portas sem recursos nem sequer para pagar as rescisões trabalhistas. Mas esse é o pior cenário. Normalmente, as empresas têm chance real de se reerguer, do contrário não teriam o pedido de RJ aprovado pelo juiz.

As dificuldades

Aqueles que estão próximos da direção tendem a sentir diretamente a pressão dos credores e, principalmente, do administrador judicial — um profissional destacado pelo juiz para acompanhar de perto o cumprimento das obrigações assumidas pela companhia.

“Esse administrador não gerencia o negócio, mas acaba interferindo bastante na operação, especialmente quando avalia que as medidas adotadas afetarão o pagamento das dívidas”, diz Walfrido Jorge Warde Júnior, advogado especializado em litígios empresariais e sócio-fundador do Warde Advogados.

Vale dizer que, embora seja nomeado pela Justiça, o administrador judicial não é um servidor público. A função é exercida por advogados, economistas, administradores e contabilistas que se cadastraram para exercer o cargo.

Os demais funcionários de uma companhia em RJ sofrem, em geral, com a deterioração das condições de trabalho. Não é incomum, por exemplo, o parcelamento do salário em três ou até mais vezes.

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A remuneração pode inclusive ser reduzida mediante negociação. Carlos Roberto Marques, de 37 anos, trabalhou por dois anos na Passaredo Linhas Aéreas.

Com sede em Ribeirão Preto (SP), a companhia conseguiu se recuperar depois de passar por um processo que levou cinco anos, de 2012 a 2017, e envolveu uma dívida de 200 milhões de reais.

Entre março de 2016 e março de 2018, Carlos trabalhou como executor de escala de tripulantes, cargo que envolvia organizar os turnos de trabalho de pilotos e comissários, mas a experiência foi complicada. “Nunca houve reunião, comunicados. Também nunca se importaram em nos motivar.

Eu ficava pelo amor à aviação e pela falta de oportunidades no mercado. Em Ribeirão Preto, não há outra companhia aérea”, diz o profissional, demitido junto com outros 160 colegas e teve a rescisão paga em 12 parcelas.

Eduardo Busch, diretor executivo da Passaredo Linhas Aéreas, reconhece que muitos empregados precisaram fazer “sacrifícios pessoais” e suportar “grandes pressões externas” para a companhia se reerguer.

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“O processo de recuperação judicial da Passaredo não foi uma opção, foi uma necessidade para que a empresa pudesse continuar operando. Não foi um processo fácil, mas hoje vemos que foi essencial para que pudéssemos seguir em frente”, afirma.

Balanço pessoal

A decisão de suportar os desafios de uma RJ é uma questão-chave nessa discussão. “É preciso avaliar tanto a disposição para lidar com os problemas naturais do processo como também a possibilidade de crescer profissionalmente com os desafios”, diz Maria Eduarda Silveira, gerente de recrutamento da consultoria Robert Half.

Como a folha de pagamentos é uma das primeiras a passar pela tesoura, as equipes tendem a ficar mais enxutas. “Muitas vezes, isso é sinônimo de mais trabalho, mas pode ser uma oportunidade para ser mais produtivo”, diz Maria Eduarda.

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Na opinião de Marcos Theisen, de 33 anos, trabalhar como analista financeiro da Teka, fabricante de roupas de cama, mesa e banho que está em RJ desde 2012, é uma “baita oportunidade.”

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Formado em gestão financeira e contratado pela empresa há quatro anos, Marcos tem a oportunidade de lidar com processos mais complexos do que se a companhia estivesse num período normal — como títulos e empréstimos de curto prazo que necessitam de negociações específicas.

“Para mim, esse é um motivo a mais para ficar.” Enredada em um processo que se arrasta há sete anos, a companhia sediada em Blumenau (SC) está pagando o salário em três parcelas e ainda parou de recolher o FGTS. Por essas questões, o analista não teme a demissão.

“Contratar alguém ficou muito mais difícil, e isso deve desmotivar a empresa a levar adiante qualquer plano de substituir um profissional por outro”, diz. Procurada pela reportagem, a gestora judicial da Teka, Fabiane Esvicero, preferiu não comentar as declarações do funcionário e a situação da empresa.

Ela foi nomeada para o cargo depois que a Justiça determinou o afastamento do diretor-presidente Frederico Kuehnrich Neto por supostas irregularidades na gestão.

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Carlos Roberto Marques, ex-funcionário da Passaredo: a falta de comunicação oficial afetou o trabalho | Foto: Ricardo Benichio

Transparência

A comunicação é uma das questões mais importantes em uma situação de recuperação judicial. Quando ela é falha ou inexistente, o clima de insatisfação tende a crescer e a boataria corre solta, o que prejudica a produtividade.

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Portanto, se por um lado os profissionais devem evitar se contaminar pelas conversas de corredor, por outro as companhias precisam comunicar bem as equipes.

Na Saraiva, por exemplo, foi criado um plano de comunicação para o público interno. “O intuito é trazer o máximo de transparência à condução do atual momento da empresa”, diz Henrique Cugnasca, diretor financeiro e de RH da Saraiva.

Dentro desse pacote, a livraria produziu uma cartilha para explicar o beabá da recuperação judicial e esclareceu, por meio de diversos materiais, como esse processo afetaria a rotina. “No dia em que a empresa protocolou o pedido de RJ, os colaboradores foram os primeiros a ser informados”, diz Henrique.

A Saraiva também ampliou o programa Café com o Presidente, que consiste em um bate-papo do executivo com os empregados das lojas, do escritório e do centro de distribuição. Os encontros passaram a acontecer mensalmente, e não mais a cada dois meses.

Em paralelo, foram criados um cronograma de newsletters mensais específicas sobre o tema e um endereço de ­e-mail para as pessoas mandarem perguntas. Esse canal vem sendo usado pelos interessados em saber em que situação se encontra o processo da Saraiva, que atualmente emprega 2 400 pessoas.

O primeiro plano foi apresentado aos credores em fevereiro de 2018, porém, apenas no final de agosto o pedido foi aprovado. Em paralelo, um novo conselho foi anunciado após o afastamento do presidente da empresa, Jorge Saraiva Neto, a pedido dos credores.

Em busca de informações

Quando a empresa não adota uma postura transparente com seus profissionais, eles podem solicitar informações diretamente com o administrador judicial, segundo Odair de Moraes Jr., fundador do escritório Moraes Jr. Advogados. Ao longo dos últimos 20 anos, ele e sua equipe atenderam mais de 1 000 empresas em processo de reestruturação.

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Ilustrações: Marcos Müller

Desde que haja abertura, os especialistas sugerem aos funcionários que tentem obter informações sobre a possibilidade de seus cargos serem extintos.

Ainda que a maior parte das demissões ocorra no início da RJ ou até mesmo antes de ela ser formalizada (muitas empresas fazem isso para postergar o pagamento das rescisões), novas demissões costumam ocorrer com frequência.

Sentindo a instabilidade da empresa em que trabalhava, Mayra Reis, de 35 anos, conseguiu a resposta que queria. Seu chefe na fabricante Alpex Alumínio, com sede em São Paulo, não só confirmou que a companhia entraria em RJ, o que aconteceu em 2014, como também adiantou que ela seria demitida assim que o processo fosse formalizado.

A então gerente de comunicação e marketing suspendeu o plano de comprar a casa própria e colocou em ação seu plano B. Alguns meses depois da demissão, ela fundou a própria agência, a Alma Gestão de Comunicação e Marketing, para atender empresas de pequeno porte.

Curiosamente, muitos de seus clientes também estão em RJ. “Essa vivência, que tinha tudo para ser negativa, trouxe resultados positivos para mim, pois eu consegui enxergar a importância da área de comunicação para as empresas nesse momento”, diz Mayra.

“Também tive ganhos pessoais. Como empreendedora, fiquei mais atenta aos custos, ao gerenciamento de fornecedores e aos contratos com funcionários e com terceiros. A experiência na ­Alpex me deixou alerta.”

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