Executivo ensina como transformar o erro em investimento
Completando pouco mais de três anos no comando da Ingredion, Ernesto Pousada quer estimular seus 1 500 funcionários a inovar — e a perder o medo do erro
Uma das palavras que Ernesto Pousada, de 51 anos, mais repete é “transformação”. E não é à toa. Seu grande desafio na Ingredion, companhia que desenvolve ingredientes naturais para uso na indústria alimentícia (humana e animal), é preparar os negócios para o futuro.
Para isso, está à frente de um grande projeto de mudança cultural, que estimula os funcionários a pensar de maneira inovadora, ter cabeça de dono e se abrir para a diversidade — inclusive a de pensamentos.
Formado em engenharia mecânica, o executivo é pouco afeito a hierarquias e passou por companhias de diferentes atuações, como a Suzano, de papel e celulose, onde ficou por 11 anos, e a química e petroquímica Dow, da qual ostentou o crachá durante 15 anos.
A Ingredion reformou a sede administrativa em São Paulo. Já estão sentindo influência da nova arquitetura no dia a dia?
O escritório é totalmente aberto e ninguém tem assento marcado, nem eu nem minha equipe. A Ingredion é uma empresa de 90 anos que sempre se marcou muito pela inovação, mas o escritório anterior não refletia isso. Precisávamos de um espaço mais moderno e que incentivasse a interação, pois, cada vez mais, a colaboração entre as áreas é fundamental. Antes de eu entrar nessa reunião para conversar com você, resolvi uma questão no caminho. No outro escritório, tinha muita sala.
Eu acredito na informalidade das coisas, não temos tempo a perder com hierarquia. Não temos mais tempo para formalismo. Se esperarmos processos e reuniões, ficaremos para trás. Esse escritório reflete isso. Até a maneira como nos vestimos está mais light. Gravata ninguém usava, mas agora o pessoal está mais à vontade para usar jeans e tênis. Em alguns lugares, o escritório tem cara de casa, com sofás em que a luz do sol bate. Criamos uma copa com frutas à vontade, o que proporciona uma interação que não tínhamos antes.
Tudo isso faz com que as coisas andem mais rapidamente e mais suaves.
Você entrou na empresa em 2016, um ano economicamente difícil. Quais foram seus desafios?
Começamos uma jornada de reconstrução cultural voltada para as pessoas, para o orgulho de pertencer. Um dos pilares foi desenvolver no pessoal a cabeça de dono. Eu acredito muito nisto: você precisa pensar que cada despesa que faz na empresa é sua, tem de estar na linha de frente.
Outro ponto importante dessa transformação é a diversidade, um valor mundial da companhia que engloba, inclusive, a diversidade de opinião.
Ouvir pontos de vista diversos é importante para liderar?
Sim. Um gestor tem de ter a capacidade de aceitar a opinião diferente, tem de saber escutar e aceitar as mudanças de caminho. Acredito no líder que está na frente de combate.
Consegue organizar a agenda para conviver com o operacional?
Gosto de estar com clientes e conversar com os operadores na fábrica, pois são eles que trazem os resultados. Trimestralmente, faço um webcast com todos os funcionários do Brasil e a parte de que eu mais gosto é a hora das perguntas e respostas, porque vem de tudo.
Também conduzo o Conversa Franca, quando umas 20 pessoas vêm bater um papo comigo sem ter uma agenda definida. É todo mundo do mesmo nível hierárquico para que fiquem à vontade. Isso aproxima, quebra os silos e evita o “telefone sem fio”.
Os funcionários não ficam tímidos?
Já falei com 1 200 colaboradores e, no começo, as conversas eram mais tímidas mesmo. Agora que sabem que nada vai acontecer com eles se falarem alguma coisa delicada, estão mais à vontade e conversam muito. O que eu tenho alegria de ver é como estão alinhados com a estratégia da companhia. Isso acontece porque todos os líderes estão fazendo essas conversas na empresa.
Hoje, uma das pautas mais importantes é a da inovação. O que estão fazendo para estimulá-la?
Um exemplo foi criar times multifuncionais na metodologia agile. Eles ficam focados em um assunto específico para desenvolver e lançar um produto em 100 dias. Cada um precisa dedicar 70% de seu tempo ao projeto e tem poder para fazer, testar, cocriar, errar e aprender. Montamos cinco grupos em abril do ano passado e, de repente, vimos surgir mais de 30 times. Tivemos até de dar uma segurada para rever o que valia a pena, revisar os processos.
Mas o fato é que o pessoal gostou muito do método. Eu mesmo participei de um grupo desses para testar um projeto que estava rolando há quatro anos na companhia. Testamos rápido e vimos as coisas que não estavam funcionando bem. Essa mentalidade tem muito a ver com um de nossos valores, o de inovar com ousadia.
Mas, para dar certo, é preciso ajudar as pessoas a perder o medo de errar.
Sem dúvida. Em 2017, num evento com 140 líderes da América do Sul, eu resolvi contar quais foram meus erros e quais lições aprendi com eles. Não eram só coisas de negócios, mas comportamentais também. Neste ano, vamos pedir a todos os líderes para compartilharem seus deslizes. Se você erra e aprende, é um investimento. Agora, se você erra e não reconhece, é dinheiro perdido. E quem quer inovar não pode ter medo de errar.
E qual erro recente você cometeu?
Quando entrei na Ingredion, não tinha conhecimento da empresa e acreditei que precisávamos ajustar a área comercial. Na minha cabeça, era importante ter uma pessoa de marketing com mais poder. Mas depois entendi que esse raciocínio não funcionaria na empresa, que tem de focar mais a força de vendas.
Pensando na sua trajetória, algum chefe o ajudou a moldar seu estilo de liderança?
Tive dois que marcaram muito minha carreira. Um deles era inspirador, pensava grande, tinha visão de longo prazo e um poder de comunicação incrível. E tive outro chefe que era mais da operação, de estar na linha de frente, de fazer o trabalho de formiguinha e conversar com todo mundo.
Era um cara menos inspirador, mas que entendia mais do dia a dia das pessoas e dos clientes. E aí eu quis combinar as duas coisas, inspirar as pessoas, fazer com que elas se sintam felizes e entendam qual é a importância do trabalho delas para o todo. As pessoas têm de ter vontade de vir trabalhar, pois os resultados dependem delas.
Como você faz para equilibrar a rotina de presidente com seus compromissos pessoais?
Procuro levar uma vida que não seja só trabalho. Aliás, se eu tivesse apenas o trabalho, não teria uma vida. Tenho quatro filhos, um de 22 anos, um de 20 anos e gêmeos de 16 anos. Quando não estou viajando, faço questão de jantar todo dia com minha família.
Das 9 às 19 horas sou um líder bem intenso, com uma grande agenda de transformação. Mas isso faz parte de um contexto de uma vida maior, mais completa. Sou maratonista e pedalo, costumo acordar entre 5h30 e 6 horas para correr pelo menos seis vezes por semana. É preciso encontrar seus espaços e a corrida é o meu, a minha hora comigo mesmo.
Em algum momento sentiu que o equilíbrio estava ruim?
Numa época na Dow, eu viajava de segunda a sexta-feira e, realmente, não estava me sentindo bem. Um dia eu estava em Lisboa, no outro em Milão, logo depois em Moscou. Pode parecer legal, mas eu não tinha vida. Não dava tempo de fazer esportes, meus filhos eram pequenos e eu não conseguia vê-los direito. Tem de ir buscando o equilíbrio e se adaptar até encontrá-lo, pois é essa harmonia que traz energia e alegria. Por isso, acho irrelevante o tempo que alguém fica no escritório, o importante é cumprir os objetivos.