Há 10 milhões de brasileiros morando em áreas de risco. Esta empresa de infraestrutura quer mudar isso
A MMF Projetos, empresa de Luciano Machado, criou a iniciativa De Olho Na Encosta, que busca ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade habitacional.
pai de Luciano Machado chegou a São Paulo trabalhando como pedreiro. Foi seu trabalho árduo que permitiu com que se tornasse dono de um pequeno negócio – e, posteriormente, o que permitiu com que ele pudesse cursar a faculdade de engenharia civil.
Luciano é o mais novo de quatro filhos, e o único que quis seguir a vocação do pai. “Costumo brincar que eu já nasci dentro de uma obra”, conta à Você S/A.
Seu amor pela profissão, somado ao conhecimento do que é viver em situações de vulnerabilidade social, deu origem à MMF Projetos, uma empresa de infraestrutura com foco em iniciativas ligadas ao meio-ambiente. Nascida em 2014, a empresa atingiu faturamento de R$ 4,7 milhões em menos de 10 anos – e concretizou Luciano como um dos únicos líderes negros do setor de engenharia no país.
Em sua iniciativa, De Olho Na Encosta, o engenheiro firma parcerias com órgãos públicos e empresas privadas para analisar e prevenir o desabamento de encostas no Brasil. “Afinal, não existem desastres naturais, apenas desastres humanos”, afirma.
Esse ano, o projeto cresceu, e está internacionalizando para países africanos. Confira a entrevista completa com a VCSA.
Como nasce a MMF Projetos?
Ao longo da minha carreira, eu trabalhei bastante na área de telecomunicações. Na Embratel, Claro… também trabalhei em bancos como a HSBC. Mas sempre tive muita vontade de voltar às minhas origens, na construção civil. Comecei a fazer entrevistas em várias construtoras, e entrei em uma menor, especializada em geotecnia [aquisição, interpretação e uso dos materiais naturais para solucionar problemas de engenharia].
Isso aconteceu em 2011 para 2012, um pouco antes de acontecer os acidentes da Região Serrana do Rio de Janeiro, em Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis. Fortes chuvas geraram desabamentos, que levaram à morte de mais de 900 pessoas.
Aquilo me chamou muito a atenção. Há tecnologia e conhecimento para evitar esse tipo de situação. Não existem desastres naturais – apenas desastres humanos. Naquele momento, conheci meu atual sócio, Ricardo, e conversamos sobre montar uma empresa a partir desse desejo de mudança, de proteger a moradia dessas pessoas em situação de vulnerabilidade. Especialmente pela minha história de vida: minha família veio de lugares como esses.
Me conta mais sobre o projeto De Olho na Encosta. Como ele acontece na prática?
Quando vemos os exames de solo na televisão, a gente tem a impressão de que aquilo é algo que aconteceu totalmente sem aviso. De que não poderíamos ter evitado aquela ruptura, que ela aconteceu de modo abrupto, de um dia para o outro. Isso não é verdade. Quando há um monitoramento apropriado dessas regiões, sempre é possível monitorar o que está acontecendo com ele – e evitar que esses desastres aconteçam novamente.
No caso do nosso projeto, a gente faz justamente isso. Atualmente, por exemplo, nós estamos fazendo um trabalho no morro do centro do Xexéu, lá em Santa Maria. Nossa equipe começa com uma investigação minuciosa do solo, fazendo análise no laboratório, mesmo. Qual o tipo de solo que temos na região, sua capacidade de infiltração…
Assim que coletamos todos os dados, conseguimos entender um pouco melhor seu comportamento, e identificar os pontos mais frágeis. Nesses pontos, há pessoas morando? Fazemos também esse levantamento cadastral – tanto da topografia do local quanto das residências que ali estão localizadas.
Depois de entendermos o comportamento do solo e o tamanho do risco, partimos para entender quais as melhores soluções de engenharia para o local. Não basta apenas monitorar: na grande maioria dos casos é preciso fazer uma obra de contenção. Aí, não tem jeito: as pessoas precisam sair, temporariamente, de suas casas.
Então, resumidamente, o que o programa De Olho Na Encosta se propõe a fazer é isso. Essas soluções conjuntas. Fazemos a obra, colocamos os equipamentos de monitoramento e contenção e deixamos esses espaços mais seguros às populações vulneráveis (nada inovador e revolucionário, diga-se de passagem: essas tecnologias já existem há anos, só não eram utilizadas nestes espaços).
Isso é feito por meio de parcerias públicas? Ou é filantropia?
Temos um projeto piloto em Campos do Jordão (sendo negociado para renovação agora com o novo candidato que ganhou as eleições por lá), em que eles cederam o local e todo o apoio da Defesa Civil para que a gente pudesse fazer a instalação dos equipamentos necessários, e que os moradores fossem devidamente retirados e informados sobre o que estava acontecendo. De resto, tivemos um volume de investimento de cerca de R$ 3 milhões do setor privado – do Grupo Orica, líder mundial de equipamentos para instrumentação.
Em Santa Maria, naquela região que citei anteriormente, nossa ajuda foi contratada por meio de um processo de licitação.
Quando vemos os exames de solo na televisão, a gente tem a impressão de que aquilo é algo que aconteceu totalmente sem aviso. De que não poderíamos ter evitado aquela ruptura, que ela aconteceu de modo abrupto, de um dia para o outro. Isso não é verdade.
Nós temos, inclusive, um projeto que está acontecendo no continente africano, que também funcionará por meio de licitações. Já estamos fazendo isso. Eu estive em Cabo Verde duas vezes para reuniões com o governo, empresas privadas e empresas públicas. O que acontece por lá: praticamente não chove o ano inteiro. A janela de chuva do país é entre 10 e 15 dias, e neles, o país é destruído. Nesse caso, o projeto já ultrapassa apenas as encostas: estamos encontrando o que chamamos de soluções baseadas na natureza. Nesse caso, estamos construindo um projeto em que consigamos captar e utilizar dessa água da chuva de maneira inteligente, evitando enchentes, alagamentos e potenciais deslizamentos.
Estou entendendo que o ESG não é apenas um projeto paralelo da empresa. É o DNA de vocês…
Perfeitamente, Sofia. Inclusive, isso não diz respeito apenas aos projetos: tenho orgulho de dizer que somos a empresa de engenharia mais preta do Brasil.
E mais: tirando um colaborador que decidiu voltar para a Bahia, por saudades da família, em 10 anos esse foi o primeiro caso de uma pessoa negra sair da empresa. Antes disso, tivemos apenas pessoas brancas, acredita? O nosso nível de retenção desses talentos é enorme, é muito difícil a pessoa sair para trabalhar com a concorrência.
Voltando ao projeto, o De Olho Na Encosta é um programa que acreditamos veementemente porque, hoje, há 10 milhões de pessoas no Brasil morando em áreas de risco. Há potencial de negócio enorme no setor, do qual ninguém olha. Conheço pouquíssimas empresas que estão dentro desse segmento, portanto, é isso. Nosso DNA é o de ESG.