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Conheça o Cineclube Cortina, espaço multicultural no Centro de São Paulo

Inaugurado em 2022, o empreendimento busca ressuscitar a cultura do cinema de rua na região central da cidade. Mas essa está longe de ser a sua principal fonte de receita: o lugar também funciona como bar, restaurante, casa de shows e balada.

Por Camila Barros
Atualizado em 10 mar 2023, 07h27 - Publicado em 10 mar 2023, 06h43

Entre as décadas de 1930 e 1960, o Centro de São Paulo foi o coração da vida boêmia da capital. Era por lá que se concentravam os bares, cafés, teatros, cabarés e cinemas. Muitos cinemas: durante os anos 1960 dava para contar uns 30 – aglutinados principalmente entre a Ipiranga e a São João, duplinha de avenidas mais famosa da cidade. Não à toa, a região ficou conhecida como Cinelândia Paulista. 

O lugar começou a perder seu brilho quando a Avenida Paulista se concretizou como novo polo financeiro e cultural da cidade. Na década de 1970, a construção do Minhocão (via elevada de 3,6 quilômetros que atravessa o centro) foi o tiro fatal para o desgaste da região. Sem o fervor nas ruas, os cinemas perderam seu público. A maioria deles fechou e deu lugar a estacionamentos, igrejas e lojas. Os que mantiveram as telonas mudaram a curadoria: passaram a exibir filmes pornô – que atraem um público menor, mas mais assíduo. 

Hoje, os cinemas de rua perderam espaço para as grandes franquias em shoppings centers. Tendência nacional: um relatório da Ancine apontou que, das 3.266 salas de cinema ativas no Brasil em 2021 (última data com dados disponíveis), 90% ficavam em shoppings. 

Um trio de amigos publicitários decidiu contrariar essa tendência. Marcelo Sarti, Paulo Vidiz e Rapha Barreto fundaram o Cineclube Cortina, cinema de rua ali na República – pertinho da finada Cinelândia. 

Além de cinema, o lugar também é bar, restaurante, casa de shows e balada. Eles queriam um espaço que conversasse com as vertentes culturais favoritas de cada um: Paulo é do cinema, Marcelo tem gosto por culinária e drinks, e Rapha pira em música e vida noturna. 

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(Cineclube Cortina/Divulgação)

O “storyboard” do projeto

Marcelo Sarti trabalhava há mais de 20 anos na área de atendimento de uma agência de publicidade. Aí resolveu que era hora de dar um tempo. Em 2018, seu período sabático, achou que seria uma boa abrir um negócio na área cultural.

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O desejo se alinhava às ideias de Paulo e Rapha. Os três, que já eram amigos de longa data, viraram sócios. E foram em busca de um modelo de negócios capaz de comportar as vontades de todos e que fosse sustentável financeiramente. “Trabalhar só com cultura é um desafio muito grande. A estrutura do negócio tem que ser muito bem pensada para não se tornar um voo de galinha”, diz Marcelo. 

Eles chegaram a esta solução: um espaço multicultural que abrisse várias frentes de receita. “É o conjunto da nossa oferta que traz segurança – se o restaurante não está indo bem, o bar pode ir; o show dá dinheiro quando a festa não dá, e por aí vai.” 

O plano estava feito. Hora de botar em prática.

Gestação de 18 meses

Depois de visitar mais de 50 imóveis, já era 2020 quando Marcelo encontrou o terreno certo para o empreendimento: um espaço de 1.100 m² e dois andares na Rua Araújo, pertinho da Praça da República. O tamanho era ideal para comportar todas as frentes de negócio que os sócios tinham imaginado. E o lado simbólico da coisa também pesou: tratava-se de um antigo estacionamento que seria transformado em cinema – justamente o inverso do que rolou com boa parte da Cinelândia. 

A negociação durou nove meses. Com investimento próprio, os sócios decidiram comprar o terreno – afinal, a reforma teria que ser feita do zero, demandaria esforço e custaria caro. Eles não queriam correr o risco de ter que devolver o imóvel quando o contrato de aluguel terminasse. 

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Depois da aquisição, foram mais nove meses de obra para o glow up do terreno. 

O Cineclube Cortina nasceu oficialmente em julho de 2022 – quase quatro anos após a concepção da ideia. No dia de inauguração, a casa exibiu Cine Marrocos, filme de Ricardo Calil que conta a história do antigo cinema no centro de São Paulo que virou ocupação de grupos de sem-teto e refugiados. No dia seguinte, teve show de Arnaldo Antunes. 

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(Cineclube Cortina/Divulgação)

Espaço multifuncional

A base para a versatilidade do Cineclube é uma arquitetura sem móveis fixos. Dessa forma, dá para transformar um espaço em outro rapidinho. 

Na parte de cima ficam o bar e o restaurante, que comportam de 120 a 150 lugares, dependendo da configuração. O cardápio da casa foi criado pelas chefs de cozinha Daniela França Pinto e Fernanda Camargo. Os pratos principais variam de R$ 38,00 a R$ 68,00. 

Já o cardápio de drinks foi pensado pela mixologista argentina Chula Barmaid. Parte dele é uma releitura dos drinks que aparecem em grandes clássicos do cinema (e das séries). Tipo: dá para beber um French 75, de Casablanca (1942); um White Russian, de O Grande Lebowski (1998); ou um Old Fashioned, de Mad Men (2007). 

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No subsolo, o cinema tem de 75 a 80 lugares, compostos por cadeiras dobráveis e uma arquibancada ao fundo. Para criar o clima de filminho, o espaço conta uma grande cortina vermelha com isolamento acústico – para os sócios, ela é tão emblemática que acabou batizando o empreendimento.

Para qualquer filme e horário, o preço do ingresso é sugerido a R$ 30. Mas é só uma sugestão mesmo: na hora da compra, que é feita online pelo site de eventos Sympla, dá para pagar quanto quiser – ou não pagar nada. 

É que a ideia dos sócios sempre foi criar um espaço que democratizasse o acesso à sétima arte. E a cobrança livre acaba não afetando os resultados financeiros, já que o cinema nunca foi pensado para ser a principal fonte de receita da casa: logo de início, os sócios entenderam que um modelo de negócios baseado em uma única sala para 75 pessoas não pararia em pé. “As outras frentes é que contribuem para que ele seja saudável financeiramente”, diz Marcelo. 

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(Germano Lüders/VOCÊ S/A)

 

A seleção de filmes, que é temática e feita quinzenalmente, fica a cargo de Paulo Vidiz e da curadora cinematográfica Leticia Santinon. As escolhas variam entre clássicos e lançamentos, mas são sempre filmes de fora do grande circuito comercial – ou seja, nada de Marvel por lá. 

Isso também faz parte da filosofia do negócio: reaproximar o público do cinema feito fora dos grandes estúdios (segundo aquele mesmo relatório da Ancine, 18 dos 20 filmes com maior público e bilheteria de 2021 eram grandes produções hollywoodianas, e nenhum era nacional).

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Voltando à dinâmica do espaço: em dias de shows e festas, a equipe abre as cortinas, fecha as cadeiras e usa o telão como cenário. Nessa configuração, que acopla um bar nos fundos, o lugar consegue receber 500 pessoas. Para esses eventos, o ingresso tem valor oficial, que varia. 

A seleção de artistas e músicas fica a cargo de Juli Baldi, sócia da empresa de curadoria musical Bananas Music. 

A última frente de negócios do Cineclube é a de eventos corporativos. No ano passado, empresas como Netflix, Universal Music, Red Bull e Tinder fecharam o espaço para celebrações – isso aí, a famosa festa da firma. 

Planos e números

Entre julho e dezembro de 2022, o Cineclube Cortina exibiu 100 filmes, fez 44 shows, 26 festas e recebeu 94 DJs. Quanto isso dá em faturamento? Bom, a empresa não mantém esses números abertos. 

Marcelo diz que eles estão em um momento de consolidação do negócio, ainda entendendo como conciliar todas as seis frentes de operação ao mesmo tempo. Por isso, sem planos de expansão por agora. Em suas palavras: “Estamos vivendo o momento”. Pois então, sente-se confortavelmente, desligue o celular e bom filme. 

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