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O carro desgovernado dos juros e o delicado volante da inflação

Pilotar a Selic é uma tarefa ingrata: se você pegar leve na hora errada, colhe uma inflação imprevisível – às vezes, anos depois. O Brasil já teve seus sucessos nessa tarefa; a atual distribuição abusiva de dinheiro público não é um deles.

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 31 ago 2022, 14h21 - Publicado em 12 ago 2022, 09h13
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 (Artur Debat/Getty Images)
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J​​uros são uma ferramenta delicada. Jogue-os para o alto e você combate a inflação. Baixe-os, e a economia tende a crescer – mas as altas nos preços voltam a ser uma ameaça, que podem colocar tudo a perder.

Gerenciar esse sistema é como dirigir um carro com os freios destruídos. Você pisa no freio da inflação, aumentando a Selic, e os preços só param de subir lááá na frente. Você nunca sabe quando.

Há 20 anos, o freio de mão estava puxado: Selic a 25%. Mesmo assim, a inflação não dava trégua: fechou 2002 na casa dos  dois dígitos, em 12,53%. “Em abril de 2003, numa reunião com empresários, ouvi que o Brasil não aguentava a taxa de juros daquele momento, que haveria a maior recessão da história”, contou Henrique Meirelles, que tinha acabado de assumir o comando do BC, numa entrevista ao jornal O Globo. “Disse a eles que não acreditava em crescimento com inflação. E que, caso o BC desistisse da política de estabilização, aí sim o Brasil seria jogado numa crise.”

Meirelles foi, de fato, um grande piloto dos juros. Manteve a Selic em alta (ela chegaria a 26,50%) durante quase todo o primeiro semestre de 2003, e só aí engatou uma redução. Sua resiliência provou-se fundamental: a inflação desacelerou para 9,30% no final do ano. Enquanto isso, a Selic seguia relativamente alta, em 16,50%.

Meirelles seguiu baixando os juros, mas em fogo lento, para não deixar que a inflação saltasse da panela. Três anos depois, em 2006, o IPCA tinha caído a saudáveis 3,14%. Isso deu combustível para a Selic seguir em queda. Em junho de 2009 ela caía a um dígito pela primeira vez na história do real, 9,5%. Fecharia aquele ano em menos ainda, 8,75%. A inflação? 4,31% – praticamente na mosca da meta, que era de 4,5%.

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É isso. 15 anos após a instauração do Plano Real, o país finalmente podia ostentar ao mesmo tempo níveis civilizados de juros e de inflação. Sodificava-se uma vitória construída ao longo de quatro mandatos presidenciais e diversas equipes econômicas.

Mas… durou pouco. Em 2013, quando o Banco Central já tinha passado para as mãos de Alexandre Tombini, veio uma falha que custou caro. O BC ignorou um momento de alta na inflação e tascou uma baixa nos juros na hora errada. O IPCA acabou retroalimentado pela queda na Selic. Não de forma imediata, já que o efeito é sempre retardado. Mas dois anos depois: fechamos 2015 com a inflação de volta aos dois dígitos, em 10,67%.

Para reduzi-la, tiveram de subir os juros a toque de caixa, a 14,25% – patamar em que eles ficaram até setembro de 2016. E essa alta acabou travando o país. Não por coincidência, 2015 e 2016 foram dois anos de economia abaixo de zero. Dois anos que configuraram, agora sim, a maior recessão da nossa história: queda de 7,2% no PIB.

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Já passou muita água por baixo da ponte desde então. Mas essa história serve para lembrar quão delicado é o volante da economia. Ela deixa claro que qualquer manobra imprecisa, como a de 2013, pode nos jogar ribanceira abaixo.

Vale lembrar que não só de juros vive o manejo da inflação. O controle dos gastos do governo também importa. Juros altos drenam dinheiro da economia, e combatem assim as altas nos preços. Mas se vierem acompanhados por irresponsabilidade fiscal (distribuição abusiva de dinheiro público, como acontece agora), pouco adiantam contra a inflação.

Nisso, o Banco Central acaba obrigado a manter a Selic em trajetória ascendente. As altas nos juros pelo mundo também não ajudam – forçam a Selic para cima, de modo a proteger o câmbio. E terminamos no pior dos cenários: com juros em dois dígitos e inflação idem. Noves fora as ameaças delirantes de golpe, que abalam a disposição dos investidores aqui e lá fora. Sem a confiança do mercado, afinal, não há crescimento econômico nem se os juros caírem a zero.

Ou seja: além de dirigir um carro que já tem os freios avariados por natureza, o BC agora pilota na chuva, à noite. E sem farol.  

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