Como fazer cortes difíceis no orçamento
Com demissões e reduções salariais abruptas, brasileiros são obrigados a tomar decisões duras para lidar com a nova realidade financeira
Matéria originalmente publicada na Revista VOCÊ S/A, edição 265, em 19 de junho de 2020.
Thais Gonçalves Galli, de 32 anos, trabalha como coordenadora de eventos em um hotel da capital paulista. Com o segmento completamente parado por causa do coronavírus, ela recebeu em abril a notícia de que teria o contrato suspenso por dois meses. O salário caiu pela metade. Seu noivo, Marcelo Nogueira Batista, de 37 anos, que trabalha como supervisor de banquetes em outro hotel, teve o mesmo destino. De uma hora para outra, o casal — que tem um financiamento imobiliário — se viu obrigado a baixar drasticamente o padrão de vida.
O revés vivido pelos dois profissionais ilustra a realidade de milhões de brasileiros. Nos últimos três meses, segundo o IBGE, 4,9 milhões de postos de trabalho formais e informais foram fechados no país. Além disso, só em abril, mais de 2,5 milhões de pessoas tiveram seus contratos suspensos ou salários diminuídos. A situação é crítica. De acordo com levantamento do Instituto Locomotiva, especializado em pesquisas, 51% dos entrevistados já tiveram queda efetiva na renda desde que a doença se instalou no país, em meados de março. O estudo mostra também que 53% ainda esperam ter os rendimentos familiares prejudicados e que apenas 6% devem manter o mesmo patamar financeiro de antes da crise de covid-19.
Como ninguém consegue prever com exatidão quanto tempo a paralisia econômica vai durar, especialistas dizem que as decisões financeiras devem ser duras e enérgicas. “No desespero, é comum não querer enfrentar o problema para evitar angústia. Só que, neste momento, é muito importante levantar todos os gastos e dívidas imaginando o pior cenário”, diz Flávia Ávila, especialista em economia comportamental e fundadora da consultoria InBehavior Lab.
Ainda que a renda seja suficiente para pagar todas as contas, é primordial fazer um diagnóstico minucioso das finanças. O primeiro passo para isso é enumerar em uma planilha — ou no papel, se preferir — despesas fixas, variáveis e compromissos futuros. Com o mapeamento em mãos, comece a analisar o que pode ser excluído de sua vida sem prejuízo, priorizando as escolhas domésticas, mais fáceis.
Questione-se: será que preciso ligar a máquina de lavar roupas cinco vezes por semana? Meu banho pode ficar mais curto? As luzes estão sendo apagadas como deveriam nesta quarentena?. “O supermercado é outro ponto de atenção. Pesquise por itens mais baratos e que tragam o mesmo benefício da marca líder. Faça todas as substituições possíveis”, diz Marco Harbich, planejador financeiro da Planejar — Associação Brasileira de Planejadores Financeiros.
Depois passe para aquilo que não é essencial. Negocie descontos e carências, sobretudo em serviços interrompidos na quarentena, como academia e transporte escolar, e barganhe soluções em planos de internet, TV e celular. Foi o que fizeram os noivos Thais e Marcelo. Assim que soube que teria o contrato suspenso, ela entrou em contato com a TV por assinatura em busca de algum alívio. “Expliquei que tive uma redução de salário e precisava negociar. Consegui reduzir a mensalidade de 205 para 170 reais, sem sofrer alterações no pacote.” Outra iniciativa foi conversar com a operadora de telefonia celular em busca de um plano mais econômico. “A empresa fez uma contraproposta para aumentar a velocidade da internet mantendo o valor. Aceitamos, porque precisávamos de uma conexão melhor.” O casal também dispensou a faxineira e eliminou a compra de itens supérfluos, como vinhos.
Complicado mesmo, segundo a coordenadora de eventos, foi decidir o que fazer com o financiamento imobiliário, a dívida mais alta que possuem. Após negociação, o banco acabou suspendendo o pagamento das parcelas por quatro meses, que será retomado só em agosto. Com as medidas, os dois reduziram os gastos mensais em 3.000 reais.
Arthur Igreja, especialista em finanças e professor convidado na Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, ressalta que, antes de cortar, vale buscar negociações para minimizar os impactos na qualidade de vida. As instituições, diz ele, estão abertas a isso. “Mudanças drásticas de padrão podem levar à depressão. Não saia cortando tudo desesperadamente logo de cara sem fazer uma avaliação de sua condição. Demonstre interesse em honrar a dívida e dialogue. O fornecedor tem interesse em receber.”
Agora, se você possui empréstimos e financiamentos, há dois caminhos: negociar uma pausa provisória no pagamento das parcelas — grandes bancos, como Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú e Santander passaram a oferecer essa opção a quem está com as contas em dia — ou barateá-las. Verifique se o contrato tem como indexador a taxa básica de juros, Selic, hoje no menor patamar: 3% ao ano. “Se a dívida foi contratada quando a Selic estava em 10%, por exemplo, você consegue um bom argumento para renegociar os juros. Mas isso o banco nunca irá fazer; é o cliente que precisa correr atrás”, afirma Arthur Igreja.
Devo, não nego, pago quando puder
Se após tomar essas iniciativas ainda assim a receita familiar for insuficiente, contas essenciais, como água, luz, gás, internet e até mesmo o aluguel, podem ser deixadas em segundo plano. O corte de serviços e despejos estão proibidos durante a pandemia. Além disso, a Associação Nacional dos Bureaus de Crédito (ANBC), representante de Serasa, SPC Brasil e outros birôs de crédito, prorrogou de 10 para 45 dias o prazo para o devedor ter o nome negativado. Mas lembre-se de que as dívidas não serão extintas. Por isso, qualquer sobra deve ir para saná-las, priorizando as maiores.
Agora, se não há perspectiva de entrada de receita em breve, a opção é tomar dinheiro emprestado. Nesse caso, por mais difícil que seja, tente primeiro com familiares e amigos — apresentando, claro, um plano de pagamento com sugestão de taxa de juros. “Recomendo a busca por alguém próximo, porque se uma pessoa sem renda pedir uma linha de crédito mais barata precisará informar ao banco que está sem renda e, consequentemente, não terá o valor aprovado. E a tendência desse cliente será contratar o que já está disponível, como cheque especial e cartão de crédito [que registram taxas de juros anuais de 132% e 259%, respectivamente].”
A empreendedora Juliana Luiz, de 44 anos, proprietária da JLS, microempresa que organiza eventos culturais de dança e música na cidade de Cubatão (SP), sabe bem disso. Depois que a pandemia paralisou as atividades culturais, o faturamento de seu negócio caiu a zero. Para enfrentar o dilema, ela precisou recorrer aos parentes. Como mora com a mãe e dois irmãos, conversou com eles sobre o que poderia ser feito. Sua reserva financeira deve durar até agosto e não será suficiente para arcar com todos os custos. Hoje, ela paga internet, supermercado e a diarista. Paralelamente, arca com contas particulares, como plano de saúde, seguro do carro e cartão de crédito. “Até as coisas normalizarem, não vou ajudar nas despesas da casa. Como minha mãe é pensionista, decidiu arcar com minha parte por enquanto”, diz Juliana. “Só vou continuar honrando minhas contas pessoais porque tive esse respaldo. Mas sei que nem todos têm a mesma oportunidade.”
Se não houver outra saída, Luciana Ikedo, assessora de investimentos, orienta buscar modalidades de crédito mais baratas. Se você perdeu o emprego, mas outro membro da família não, conversem para entender quem pode tomar o empréstimo mais vantajoso, como o consignado ou aqueles que solicitam garantias reais, como antecipação de décimo terceiro, restituição de imposto de renda ou bens como imóvel e carro.
Se você possui alguma gordura financeira para queimar, não saia pagando todas as dívidas com esse dinheiro. “Existe a tendência de querer usar a reserva para liquidar todos os compromissos de uma vez. Mas essa não é uma boa escolha. Estamos dirigindo em uma estrada com neblina. Não está claro se daqui a dois ou três meses será preciso usar esse recurso”, alerta Luciana. A orientação é manter o valor que será usado no mês na conta-corrente e dividir a quantia restante entre aplicações com liquidez, como Tesouro Selic, título da dívida do governo indexado à taxa básica de juros, e Fundo DI, que tem a maior parte dos ativos atrelada aos títulos federais. “Mantenha o investimento e faça o resgate à medida que for necessário. E anote o valor que deve a si mesmo para repor a reserva de emergência quando possível.”
Mente blindada
Nesse processo, é preciso cuidar do psicológico. A neuropsicóloga Adriana Foz, autora do livro Frustração: Como Treinar Suas Competências Emocionais para Enfrentar os Desafios da Vida Pessoal e Profissional (Benvirá, 37 reais), explica que oscilações emocionais prejudicam — e muito — a tomada de decisão. Para enfrentar dificuldades e acalmar a mente diante da inviabilidade de pagar as contas e fazer novas compras, procure se reorganizar com aquilo que já tem. “Dar soluções diferentes para as mesmas situações é um exercício bacana para a mente e para a saúde mental. É uma forma de treinar o cérebro para deixá-lo mais fortalecido.” Outra dica para evitar que o desespero reine é forçar pensamentos positivos, relembrando as conquistas que teve e os desafios que superou. Pode parecer bobagem, mas esse tipo de atitude mental gera confiança, equilíbrio e a certeza de que, apesar de os tempos serem complexos, sobreviveremos a eles.