Quer ser feliz no trabalho? Liberte-se das prisões das baixas expectativas
Tali Sharot e Cass R. Sunstein defendem que a diferença entre o tédio e o fascínio pode estar no modo como você olha para o que está à sua volta.

Apenas 21% dos trabalhadores no mundo se sentiam felizes e conectados com o trabalho em 2024. É o que mostrou o relatório “Estado do Local de Trabalho Global” da Gallup, feito com mais de 220 mil pessoas de mais de 160 países.
Para reverter este sentimento no dia a dia, Tali Sharot, neurocientista e professora do MIT, e Cass R. Sunstein, advogado e professor de Harvard, tem um conselho para seus leitores: a diferença entre o tédio e o fascínio pode estar no modo como você olha para o que está à sua volta.
Ao menos é isso que defende o livro Olhe de novo: Perceba o que sempre esteve ao seu redor, traduzido e publicado pela editora Intrínseca no Brasil. A ideia da obra é trazer ferramentas para trazer de volta à vida a sensibilidade em relação às coisas boas e ruins – o que os especialistas chamam de “desabituação”. Por meio de dados científicos e reflexões psicológicas, eles buscam fazer com que o leitor volte a sentir as emoções de modo mais pleno – no trabalho e na vida. Um trecho da obra, você confere a seguir.


Página 163, Capítulo 10 – Liberte-se das prisões das baixas expectativas
Precisamos aprender a ficar surpresos. Não a nos adaptar.
Em meados da década de 1950, uma criança chamada Jorge Bucay foi ao circo em Buenos Aires, sua cidade natal. O show foi espetacular: havia trapezistas, palhaços, malabaristas, mágicos. O menino testemunhou feitos ousados de coragem e uma beleza de tirar o fôlego.
E ainda havia os animais! Em prol da preocupação com o bem-estar dos animais, é raro os encontrarmos nos circos hoje em dia, mas, na década de 1950, eles estavam em toda parte. Macacos, papagaios e, lógico, elefantes. Os animais eram treinados para tocar instrumentos, andar de bicicleta e dançar. Os elefantes gigantescos muitas vezes eram os preferidos das crianças.
Jorge também adorou os elefantes. Contudo, terminado o espetáculo, ao sair do circo, o menino se deparou com uma cena misteriosa: o enorme elefante tinha um dos pés acorrentado a uma pequena estaca fincada no chão. Jorge achou isso desconcertante.
A estaca era só um pedacinho minúsculo de madeira, e o elefante era tão grande e forte. Com certeza o animal conseguiria se soltar com facilidade e fugir. Então por que não fazia isso?
Nenhum dos adultos parecia ter a resposta para esse questionamento. A pergunta ficou na cabeça de Jorge por mais cinquenta anos, até que ele enfim conheceu um homem versado que sabia a resposta. Quando o elefante era apenas um bebê, explicou o homem, ele foi amarrado a uma estaca minúscula que ficava até certo ponto enterrada no chão. O elefantinho tentava se soltar em desespero, mas, por ser pequeno, não conseguia. Ele tentou escapar muitas vezes, mas, depois de um tempo, simplesmente aceitou seu destino.
O elefantinho cresceu, e sua força de fato tomou enormes proporções: o animal era capaz de arrancar árvores de grande porte pelas raízes e levantar pedras pesadas. Ele poderia escapar com facilidade da pequena estaca no chão, mas sequer tentava.
Talvez não ocorresse ao elefante que agora ele conseguiria escapar ou que uma vida diferente era possível. A restrição não estava mais nos músculos do animal, e sim na mente dele.
O elefantinho cresceu, e sua força de fato tomou enormes proporções: o animal era capaz de arrancar árvores de grande porte pelas raízes e levantar pedras pesadas. Ele poderia escapar com facilidade da pequena estaca no chão, mas sequer tentava.
O elefante se habituara às limitações dos próprios movimentos quando era bem novo e, assim, deixou de se rebelar contra elas. Talvez ele não considerasse mais que as limitações não passavam disto: limitações. Talvez o elefante tivesse acabado por perceber suas possibilidades limitadas de movimento do mesmo jeito que os seres humanos fazem com a própria incapacidade de voar como as aves: não é o ideal, mas… é a vida. Assim, ele ficava menos raivoso, menos amedrontado e menos triste. Entretanto, mesmo assim, estava preso.
Mulheres acorrentadas
Nos Estados Unidos, até 1974, era permitido por lei federal negar um cartão de crédito a mulheres. Até 1968, o mesmo acontecia em relação à moradia. Até 1964, o mesmo se dava quanto a vagas de emprego. Em vários estados do país era permitido por lei excluir mulheres dos júris.
Elas não tinham os mesmos direitos que os homens; para muitas, era difícil obter educação superior e vínculos empregatícios interessantes, e, quando conseguiam, recebiam salários menores. Elas também faziam a maior parte das tarefas domésticas e cuidavam das crianças (como ainda fazem). Contudo, a partir de dados mostrou-se que, nas décadas de 1950 e 1960, as mulheres não eram menos felizes do que os homens. Quando lhes perguntavam se elas eram felizes e o nível de felicidade que sentiam, numa escala de “muito feliz” a “não muito feliz”, suas avaliações eram iguais às dos homens. Alguns estudos sugerem que as mulheres eram até mais felizes do que eles.
Também pareciam ter tanta autoestima quanto eles. Como isso era possível?
Durante milhares de anos, as mulheres não tiveram os mesmos direitos que os homens e eram submetidas a muita discriminação. Não podiam votar; não podiam ser proprietárias de terras; em muitos casos, não podiam nem sequer escolher com quem iam se casar. Elas estavam acorrentadas. Embora algumas mulheres tenham lutado contra essas correntes e obtido progressos importantes, a grande maioria aceitava a vida como era.
A habituação desempenhava seu papel e, assim como o elefante, a maioria das mulheres não se rebelava. Nossa suspeita é que a mente de muitas delas estava em parte anuviada em relação a essas correntes, sem terem consciência de que era possível ter uma vida diferente. Já outras simplesmente as aceitavam. As expectativas baixas significavam que as mulheres não ficavam surpresas quando lhes negavam educação, empregos e a propriedade de terras.
No entanto, em algum momento, o grupo de mulheres que tentava se livrar das correntes cresceu e se fortaleceu. Com a ajuda do movimento pelos direitos das mulheres, conquistas importantes foram obtidas nas décadas de 1970, 1980, 1990 e daí em diante. Em várias nações, leis antidiscriminação foram aprovadas, e muito mais mulheres passaram a obter educação superior e participar do mercado de emprego. Conforme as correntes foram afrouxadas, no entanto, uma coisa inesperada aconteceu: as mulheres não ficaram mais felizes.
Na verdade, o nível de felicidade delas caiu de tal forma que, em muitas análises, os homens apareciam mais felizes. Esse padrão foi observado não apenas nos Estados Unidos como também nos seguintes países: Bélgica, Dinamarca, França, Grã-Bretanha, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Espanha, entre outros.4
Não significa que desigualdade e discriminação sejam coisas positivas. De jeito nenhum. Contudo, isso levanta algumas questões complicadas.
Se você observar o bem-estar autorrelatado das mulheres em diferentes países, vai descobrir que, à medida que as condições societárias das mulheres melhoram, elas, muitas vezes, relatam uma satisfação menor com a vida. Parece haver um padrão que revela que o nível de felicidade das mulheres é maior em países onde a desigualdade é também maior. Vamos investigar por quê.
Hoje em dia, em várias nações ocidentais, o discurso é de que as mulheres têm direitos equivalentes aos dos homens — para ser astronauta, banqueira de investimentos, juíza e até mesmo primeira-ministra ou presidenta. Todas têm, por lei, o direito de receber o mesmo salário que os homens, por isso, comparam suas realizações às de suas contrapartes masculinas.
Mas quer saber de uma coisa? Na realidade, as oportunidades não estão nem perto de ser iguais. De fato, as mulheres têm direitos garantidos por lei em vários países hoje em dia — direitos iguais, inclusive —, mas, na maioria das vezes, a discriminação persiste e assume múltiplas facetas.
O discurso é que deveria haver uma divisão igualitária das tarefas domésticas entre os parceiros, mas mulheres por todo o mundo continuam sendo as responsáveis por cozinhar, lavar roupas, fazer compras, cuidar das crianças, fazer faxina, preencher formulários, ajudar com o dever de casa. E isso acontece até mesmo nos casos em que ocupam cargos mais altos do que o de seus parceiros homens.
Parece haver um padrão que revela que o nível de felicidade das mulheres é maior em países onde a desigualdade é também maior.
Mesmo quando são as únicas na família com um ganha-pão, as mulheres continuam se dedicando às tarefas domésticas na mesma proporção que seus respectivos maridos desempregados. Essas mulheres não só ganham o pão como também o fatiam e com ele preparam os sanduíches para a merenda dos filhos.
Em contrapartida, na década de 1950, nos Estados Unidos (e em outros países), embora as mulheres também desempenhassem a maioria das tarefas domésticas, muitas não tinham grandes aspirações ou expectativas, pelo menos em relação ao que não estava disponível para elas. Essas mulheres se habituaram às normas sociais vigentes. Em comparação, as mulheres nas sociedades ocidentais modernas esperam igualdade.
No entanto, testemunham essa promessa ser descumprida todos os dias. Essa lacuna entre o que se espera (salários e oportunidades iguais, respeito) e o que se recebe (um salário mais baixo, oportunidades limitadas, desrespeito) gera infelicidade. Os neurocientistas chamam essa lacuna entre as expectativas e os resultados de “erro negativo de previsão”.
Como veremos em breve, embora levem à infelicidade no curto prazo, esses erros de previsão são fundamentais para o progresso.
Surpresa!
Você pode não estar ciente disso, mas, neste exato momento, seu cérebro está tentando prever o que virá a seguir. Está buscando adivinhar qual será a próxima palavra nesta… (sim) frase; como será a sensação de tocar o papel deste livro ao virar a página; qual será o sabor do café enquanto você leva a caneca quente aos lábios. Se fizer boas previsões, a temperatura do líquido não será uma surpresa para você, assim como a próxima palavra que ler também não será.
Você também faz previsões de longo prazo. “Vou conseguir o emprego de gerente-assistente no banco”, “Georgina vai me deixar”, “Vai estar um frio absurdo na pista de esqui”. O motivo para que quase todos os neurônios no seu cérebro estejam envolvidos em algum tipo de previsão é óbvio: ao prever o que virá a seguir, é possível se preparar melhor. Ao se preparar melhor, você vai conseguir evitar congelar na pista de esqui ou perder sua casa para Georgina. Contudo, às vezes você erra. Surpresa! Você não consegue o emprego no banco. Surpresa! Georgina fica com você para sempre.
Esses enganos (ou erros de previsão) são importantes — são “sinais que ensinam”, e, com eles, você pode aprender sobre o mundo ao redor e corrigir suas expectativas. Alguns erros são maravilhosos (“Georgina ficou!”), e outros nem tanto (“Não consegui o emprego!”). Seu cérebro precisa transmitir um sinal preciso que indique se a surpresa é boa ou ruim.
Isso porque, se for boa, você deve continuar a fazer o que estava fazendo (ser legal com Georgina e dizer que a ama), mas, se for ruim, você precisa mudar alguma coisa (editar seu currículo, adquirir mais experiência). Então, enquanto alguns neurônios no seu cérebro simplesmente sinalizam “Surpresa!”, outros codificam os dois tipos de surpresa: boas e ruins. Talvez, entre esses, os mais “famosos” sejam os neurônios dopaminérgicos.
Os neurônios dopaminérgicos sintetizam um neurotransmissor chamado “dopamina”. Um neurotransmissor é um produto químico liberado de um neurônio para outro como forma de transmitir uma mensagem. Os neurônios dopaminérgicos disparam o tempo todo. Mesmo quando não está acontecendo muita coisa, eles estão disparando. Entretanto, quando a surpresa é boa (“Ela me ama!”), eles disparam ainda mais, sinalizando para o restante do cérebro que o que acabou de acontecer é melhor do que o esperado. Quando a surpresa é ruim (“Nenhuma oferta de emprego!”), eles sossegam.
O motivo para que quase todos os neurônios no seu cérebro estejam envolvidos em algum tipo de previsão é óbvio: ao prever o que virá a seguir, é possível se preparar melhor.
Esse sossego incomum transmite uma mensagem para o restante do cérebro: o que acabou de acontecer é pior do que o esperado. O primeiro sinal é chamado de “erro positivo de previsão” e o segundo, de “erro negativo de previsão”. Os erros de previsão estão muito associados ao humor. Quando sinais de um erro positivo de previsão são desencadeados, a sensação que você sente é ótima; já quando ocorre um erro negativo de previsão, a sensação que você sente é péssima.
De modo geral, as mulheres da década de 1950 podem ter tido menos erros negativos de previsão do que as da década de 1980, porque as da década de 1950 tinham poucas expectativas e menor probabilidade de ficarem surpresas em um sentido negativo. A mesma lógica pode ser aplicada numa variedade de cenários.
Quando as pessoas baixam as expectativas, mesmo condições terríveis (como corrupção, problemas de saúde ou estar amarrado a uma estaca) não afetam tanto sua felicidade quanto afetariam em circunstâncias normais. A expectativa baixa implica a ausência de erros negativos de previsão, o que significa que, no dia a dia, condições ruins podem passar despercebidas.
Expectativas baixas
As preferências das pessoas se adaptam ao que está disponível a elas. Os teóricos sociais Jon Elster e Amartya Sen chamam isso de “problema de ‘preferências adaptativas’”: se você não consegue ter uma coisa, pode acabar deixando de desejá-la. Evidências empíricas apoiam a alegação de que as pessoas se adaptam à privação.
Em países nos quais os indivíduos são menos livres, a liberdade aparece como um fator menos importante para o bem-estar da população, porque as pessoas não presumem poder usufruir dela.
Nesse cenário, os cidadãos têm menos autonomia, mas, devido à habituação, conseguem manter um nível razoável de bem-estar.
No continente africano, o mais pobre entre os seis, o fator renda tem menos impacto no nível de felicidade da população, em parte porque as expectativas dos cidadãos africanos em relação a isso são mais baixas.12 No Afeganistão, onde os índices de criminalidade e corrupção estão entre os mais altos do mundo, esses fatores afetam menos o bem-estar das pessoas.
A título de informação, as pessoas de lá não são alegres. A pobreza, a insegurança e a instabilidade política têm cobrado seu preço. O Afeganistão está no fim da lista dos países mais felizes do mundo. Todavia, se você saísse de seu país e se mudasse para lá amanhã de manhã, nossa suspeita é que você ficaria muito menos feliz do que o cidadão comum afegão. Os afegãos se habituaram, até certo ponto, às próprias circunstâncias, por isso, têm expectativas baixas, assim como o elefante do circo se adaptou às limitações dele. Em contrapartida, é provável que você tenha se acostumado a ter água corrente, comida sufi ciente e noção de segurança. A falta de qualquer um desses itens, portanto, geraria um erro negativo de previsão que provavelmente abalaria você até a alma.
Talvez você esteja pensando: Certo, ótimo, vamos todos simplesmente baixar nossas expectativas e viver felizes para sempre. Contudo, não é tão simples. Expectativas baixas podem levar a um grande problema: você pode parar de lutar contra condições adversas (ou, talvez, nem sequer iniciar essa luta). Nas palavras de Elster: “As preferências adaptativas têm, ao mesmo tempo, efeito dessensibilizante e paralisante: aliviam a dor ao mesmo tempo que reduzem a vontade de agir.”
Você pode permanecer num relacionamento ou num emprego que seja abaixo da sua expectativa e nem sequer tentar alterá-lo para melhor; pode aceitar que não tem força em vez de ir à academia fortalecer seus músculos; ou se habituar à constante dor nas costas em vez de ir ao médico.
A partir de dados, mostrou-se que a demanda por um cuidado melhor com a saúde muitas vezes é mais baixo nas sociedades que mais precisam dessa melhoria em comparação às que já contam com um excelente sistema de saúde. Isso acontece porque as pessoas em nações que apresentam sistemas de saúde não tão maravilhosos se habituam; elas esperam menos e, então, podem ficar satisfeitas com o que têm, ou pelo menos não ficam terrivelmente insatisfeitas com um sistema que, em contrapartida, poderia frustrar e chocar pessoas de outras nações.
Então, mesmo que expectativas não correspondidas gerem infelicidade, estar infeliz pode ser necessário para que a mudança ocorra. Desse modo, quando a mudança acontece, a felicidade pode ser reconquistada. Consideremos a desigualdade de gênero como exemplo. No início, a obtenção de melhores oportunidades e expectativas mais altas diminuiu a felicidade das mulheres, mas, depois
que as melhorias alcançaram determinado patamar, elas foram associadas a ganhos na felicidade. A relação entre a liberdade e o bem-estar das mulheres forma uma curva em U. Os ganhos iniciais no campo dos direitos femininos pareceram gerar uma redução na autoestima e na felicidade das mulheres porque as expectativas não correspondiam à realidade. Apesar disso, conforme as condições sociais delas continuaram a melhorar e a realidade começou a acompanhar as expectativas, o nível de bem-estar aumentou.
Não existe nenhum lugar na Terra onde as mulheres tenham oportunidades iguais às dos homens. Não temos como saber se, nessa sociedade ideal, elas seriam tão felizes com a própria vida quanto eles são. É provável que não viveremos para ver uma sociedade assim (leva um tempo para reverter milhares de anos de opressão), mas gostamos de pensar que, se e quando isso acontecer, a lacuna da felicidade entre os gêneros vai desaparecer.
Liberte-se das prisões
A questão óbvia é que os movimentos pensados para quebrar as correntes jamais poderiam existir se a habituação fosse universal e absoluta. Se fosse assim, as condições estariam estabelecidas para sempre. Um dos personagens de George Orwell fez essa afirmação de maneira apavorante no livro 1984: “Se você quer formar uma imagem do futuro, imagine uma bota prensando um rosto humano — para sempre.”
Para que surjam movimentos sociais, deve haver alguém que não se habitua por completo — que se sente desconfortável com alguma prática ou situação e está disposto a falar ou fazer alguma coisa em relação a isso.
Aqui está um relato muito resumido do que costuma acontecer: a sociedade consiste numa variedade de pessoas que são muito diversas em suas atitudes. Algumas estão habituadas por completo ao que existe, incluindo a injustiça; elas percebem as práticas vigentes como um ruído de fundo ou como uma parte normal e natural da vida.
Já outras estão habituadas o sufi ciente; elas até ouvem uma voz em protesto no fundo da mente, mas essa voz é um pouco baixa. Algumas pessoas só se habituam até certo grau; em algum nível, elas se sentem indignadas ou horrorizadas, mas têm definido em sua consciência o fato de que a mudança é difícil ou improvável, então elas silenciam a voz que protesta.
Qual é o sentido — elas podem pensar — de bater a cabeça na parede? Essas pessoas acabam recorrendo à falsificação de preferências; por causa das normas existentes, elas não revelam o que preferem e pensam de fato. Até podem se sentir inclinadas a fazer isso, mas só se as normas começarem a mudar.
Portanto, as pessoas também têm limites diferentes de motivação para agir. Há as que quase não se habituaram e são totalmente propensas a agir, mesmo que sozinhas. Podemos dizer que os indivíduos com esse nível de motivação pertencem ao grupo zero. Outras pessoas, as que se habituaram só um pouco, são propensas a agir, mas não a liderar a ação; elas precisam seguir um líder. Essas pertencem ao grupo um. Já outras são propensas a agir, mas não vão na frente nem em segundo lugar; elas precisam de precursores.
Pertencem ao grupo dois. O grupo dois é seguido pelo três, que é seguido pelo quatro, depois pelo cinco, e assim por diante até o infinito (entendido como o grupo de pessoas que se habituaram por completo e não pensam em se rebelar em nenhuma circunstância).
Nesse contexto, só pode haver mudança quando os tipos certos de interação social acontecem. Se os indivíduos do grupo um testemunharem as ações do grupo zero, é provável que comecem a fazer algo; com o movimento dos grupos um e zero, os indivíduos do grupo dois vão se juntar a eles; diante dos grupos dois e um em ação, o grupo três também vai começar a fazer algo. Em algum momento, testemunharemos um tipo de cascata social, que terá gerado um movimento de grande escala.
Entretanto, ainda resta um mistério: como podemos explicar o grupo zero, isto é, as pessoas que não se habituam? Não temos uma resposta completa para essa indagação, mas acreditamos que tem algo a ver com a provável exposição, em certa escala, a algo que as levou à desabituação — alguma situação que fez as práticas vigentes pararem de parecer naturais e inevitáveis, provocando um tipo de sacolejo ou surpresa. Isso pode se dar a partir da exposição a uma prática diferente em outro momento ou local; ou até a partir de um exercício de imaginação, suscitado por um encontro ou experiência. Chamamos essas pessoas de “empreendedoras da desabituação” e teremos muito mais a dizer sobre elas no próximo capítulo.
Também acreditamos que outro fator responsável por gerar empreendedores da desabituação é a tomada de consciência a respeito da habituação. Isto é, depois de conhecer as maneiras pelas quais as pessoas se habituam, você pode se tornar capaz de detectar e prestar atenção nos aspectos desfavoráveis da sua vida aos quais se acostumou. Você fica suscetível a perceber as características menos afortunadas na sua vida doméstica e na profissional — e na sociedade — que você deixou passar.
Com certeza, em muitas situações é melhor aceitar que algumas coisas não são perfeitas ou até mesmo não são boas. A esperança, no entanto, é que a tomada de consciência das maneiras como nosso cérebro nos venda em relação ao que é constante e esperado ajude a distinguir as “ prisões” que você deveria aceitar daquelas que deveria tentar quebrar.
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