Por dentro do cérebro procrastinador: por que deixamos tudo para a última hora?

A neurocientista Ana Carolina Souza explica o que a ciência sabe sobre esse comportamento e dicas para evitá-lo

Por Ana Carolina Souza, em colaboração especial com a Você S/A*
3 jun 2025, 17h00
Foto de cérebro em um fundo preto.
 (Henrik Sorensen/Getty Images)
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Você sabe o que significa o termo “procrastinação”? Muitas pessoas não conhecem o significado da palavra, mas com certeza já vivenciaram o fenômeno em seu dia a dia. A procrastinação é o termo técnico utilizado para descrever o famoso “depois eu faço”. É o que acontece quando temos uma tarefa árdua (normalmente pouco prazerosa e interessante) para executar, mas ao invés de resolver logo a questão, vamos empurrando até que não seja mais possível adiar. 

Vou dar um exemplo corriqueiro, mas que ajuda a ilustrar bem o ciclo da procrastinação. Você está no começo da semana e tem um relatório imenso para finalizar até o início da semana seguinte. Ou seja, você tem, teoricamente, 7 dias inteiros para fazer o trabalho com calma e foco. Mas, como ainda falta muito, vai preenchendo os dias e horas com outras atividades, menos importantes, mas certamente mais agradáveis. Finalmente, você senta para trabalhar no relatório; mas antes, é fundamental pegar uma xícara de café e, se possível, sair para comprar um biscoitinho ou chocolate. Depois disso, você acaba fazendo uma ligação, trocando uma ideia com um colega de trabalho, checando as redes sociais e, quando decide voltar para o relatório, já está quase na hora de ir embora. Já que não dá mais tempo de fazer nada produtivo, é melhor deixar para o dia seguinte.

E o ciclo recomeça, até a véspera da entrega, quando não é mais possível adiar e só resta passar a madrugada trabalhando na tarefa.

Na prática, a procrastinação traz diversos malefícios para a vida pessoal e profissional. Além da sobrecarga de ter que dar conta do trabalho todo em um curto espaço de tempo, a pressão do prazo gera ansiedade e estresse.

Já sabemos que em altas doses, esses efeitos podem inclusive trazer sérios problemas à saúde. Trabalhar sob pressão também dificulta nossa capacidade cognitiva e atencional, fazendo com que a chance de erros seja maior. Resumindo, deixar tudo para a última hora não é uma boa estratégia!

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Embora todos nós já tenhamos vivido alguma experiência semelhante à descrita anteriormente, estudos indicam que algumas pessoas tendem a procrastinar mais do que outras. A influência da genética nisso ainda não está completamente clara, mas fatores genéticos e ambientais influenciam na construção de traços de personalidade que favorecem o comportamento procrastinador. Indivíduos mais impulsivos, com menor capacidade de autocontrole e gerenciamento de suas emoções tendem a ser mais procrastinadores. 

O funcionamento cerebral envolvido na procrastinação

Uma pesquisa trouxe uma contribuição importante para o entendimento das bases biológicas da procrastinação. Mais de 260 pessoas foram submetidas a exames de ressonância magnética, no qual diferentes regiões do cérebro e suas conexões foram avaliadas. Os resultados mostraram que a amígdala, região do cérebro com participação fundamental no processamento de emoções, talvez tenha culpa nesse comportamento. Segundo o estudo, participantes considerados procrastinadores tinham as amígdalas maiores e mais desenvolvidas.

Além disso, também foi observada, nesses mesmos indivíduos, uma menor conexão entre a amígdala e a parte dorsal do córtex cingulado anterior (dACC), que é uma região cerebral importante para a análise e seleção dos comportamentos que serão executados.

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Tanto a amígdala quanto o dACC são regiões associadas à nossa capacidade de autocontrole. Ou seja, conexões mais fracas entre essas regiões podem diminuir nossa habilidade de filtrar emoções e estímulos distratores, o que resulta em uma dificuldade de regular o próprio comportamento.

A pergunta que surge é essa: é possível ajudar alguém a ser menos procrastinador? Embora ainda sejam necessários mais estudos para aprofundar a questão, o que os pesquisadores acreditam é que seja possível treinar o cérebro para adotar novos comportamentos. Já sabemos que o cérebro possui a capacidade de se modificar, criando novas conexões a partir das experiências. Essa neuroplasticidade permite que comportamentos e hábitos indesejados possam ser modificados, com tempo e dedicação.

A neurociência nos ajuda a compreender as bases do nosso comportamento. A partir dela, podemos criar estratégias mais eficientes para melhorar aspectos importantes que influenciam em nossa rotina. 

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Duas dicas para driblar a procrastinação:

  • Invista no autoconhecimento

Identifique os fatores que te levam a procrastinar e, se possível, procure eliminá-los. Por exemplo, se você acaba deixando para última hora as tarefas que você não gosta, procure criar mecanismos que te ajudem a priorizar essa atividade. Uma estratégia possível seria realizar a atividade menos prazerosa antes ou depois de outras atividades mais agradáveis ou estabelecer um horário específico do dia para realizá-las, ao invés de deixar para fazer “quando sobrar tempo”.

  • Crie maneiras objetivas de monitorar o progresso
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Tarefas muito grandes costumam ser mais intimidadoras. Procure quebrar uma atividade complexa, ou cuja entrega só é necessária após um prazo muito longo, em pequenas entregas menores. Crie metas e estabeleça uma rotina de trabalho que permita ir “construindo” o trabalho pouco a pouco. Assim você não precisa ficar 12 horas trabalhando na mesma coisa, porque divide o esforço ao longo do tempo. Além disso, atingir objetivos menores traz uma sensação de progresso maior. Essa estratégia ajuda o cérebro a aproximar os ganhos da tarefa e funciona como uma recompensa que motiva a continuar o processo.

*Ana Carolina Souza é doutora em Neurociência Comportamental pela UFRJ, especialista nas áreas de Emoção e Regulação da Emoção e sócia da Nêmesis.

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