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Como abandonar maus hábitos e adotar práticas produtivas

43% das nossas ações não são escolhas conscientes. Sem querer, seu cérebro cria costumes que podem prejudicar sua carreira. Em seu novo livro, a psicóloga Wendy Wood ensina como domar esse mecanismo.

Por Guilherme Eler
Atualizado em 3 ago 2021, 17h46 - Publicado em 5 jul 2021, 13h33

“Deseja mudar algo em você mesmo? Basta ter força de vontade. Nada é impossível. Just do it.” Você já deve ter ouvido um conselho do tipo por aí. Apesar de bem-intencionado, esse raciocínio não conta a história inteira. É que ele parte de um pressuposto errado: o de que nós, humanos, temos o controle total de nossas ações.

Pode não parecer, mas, em boa parte do tempo, sua mente opera no automático. Estudos apontam que 43% das nossas ações não são escolhas conscientes. Afinal, você não precisa fazer uma reunião consigo mesmo sempre que interage com alguém. O mesmo vale na hora de decidir o momento de comer ou quando levantar para tomar água, por exemplo. Para a psicóloga Wendy Wood, da Universidade do Sul da Califórnia, fazemos tudo isso automaticamente, por hábito.

Em seu livro Bons Hábitos, Maus Hábitos, Wood ensina como domar esse mecanismo inconsciente de modo que ele trabalhe a nosso favor – o que torna a obra um bom complemento para quem gostou do best-seller O Poder do Hábito, de Charles Duhigg. No capítulo a seguir, ela explica como o ato de se autorrecompensar pode ajudar nessa tarefa.

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(Arte/VOCÊ S/A)

 

CAPÍTULO 8 – RECOMPENSA

U

ma diferença imutável entre você e um computador é que sua paciência vai se esgotar bem antes que a de um semicondutor de silício. A minha também. Um software nunca se cansa de fazer a mesma coisa quantas vezes você solicitar. Para um computador, o infinito é limitado apenas por sua fonte de alimentação. Para uma máquina, a repetição é essencialmente a mesma coisa que não fazer nada.

Mas não é como funciona com o ser humano. Você se cansa de fazer as mesmas coisas. É curioso. Anseia por diversidade e estímulo. Precisa de algo mais do que a inevitabilidade na sua rotina.

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Esse “algo mais” é o último dos três aspectos que precisamos considerar para formar um hábito. O contexto facilitará o caminho e a repetição dará partida no motor, mas se você não receber um mínimo de recompensa pelo esforço inicial nesse caminho, não vai adquirir o hábito que começa a operar por conta própria.

As recompensas não são um mistério. Estamos familiarizados com esse acordo desde o primeiro dia: fazemos uma coisa que de outra forma não faríamos por conta própria, a fim de obter algo em troca. Se algo parece bom o suficiente, o esforço inicial vale a pena. Mas, como em outros aspectos da formação de hábitos, o que parece óbvio e direto tem uma complexidade real inerente.

Para ter um papel na formação de hábitos, as recompensas precisam ser maiores e melhores do que você sentiria normalmente. Talvez seja necessário um pouco de planejamento e criatividade. Pode exigir ainda alguma deliberação de sua parte. Mesmo que não pareça romântico, se você deseja iniciar um novo hábito de intimidade com seu parceiro, deve planejar uma demonstração surpreendente e genuína de afeto, que é mais do que o beijinho na bochecha quando você chega do trabalho à noite.

A utilidade dessa recompensa inesperada é exatamente… o inesperado. O tamanho da recompensa comunica implicitamente que as expectativas do seu parceiro eram muito baixas. É um convite para recalibrar o afeto e o apoio que ele pode esperar de você ao contar as histórias do dia durante o jantar, rir de suas piadas ou qualquer resposta que esteja tentando criar como um hábito em seu relacionamento. Esse sentimento é o melhor ponto de partida para a formação de novos hábitos.

Eis como funciona: essa maior demonstração de carinho é inesperada, então a expectativa do seu parceiro quanto à maneira que você normalmente age estava equivocada em certo sentido (o que pode ser chamado de erro de previsão de recompensa). Recompensas inesperadas estimulam a liberação de dopamina no cérebro.

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A dopamina é um neurotransmissor, ou sinal químico, que facilita a passagem de informações de um neurônio para outro. Quando é liberada de um neurônio para uma sinapse (o intervalo entre os neurônios), a dopamina é captada pelos sensores de um neurônio receptor. A transmissão ocorre através de canais previsíveis, ou caminhos, em nosso cérebro.

A formação de hábitos envolve vários caminhos da dopamina, principalmente o caminho sensório-motor, no qual a dopamina liberada pelos neurônios do mesencéfalo é captada pelos receptores no putâmen, que está ligado às áreas motoras e sensoriais (o córtex sensório-motor, o globo pálido). Quanto maior a recompensa inesperada, mais dopamina é liberada (além de outras substâncias químicas) e mais as sinapses se tornam eficientes nesse caminho, no envio e recebimento de um sinal.

O cérebro de seu parceiro registra a gratificante demonstração de afeto liberando dopamina. Em seguida, estabelece as bases neurais da formação do hábito quando os neurônios, as sinapses e os caminhos funcionam juntos e reagem ao que acabou de acontecer.

Para ter um papel na formação de hábitos, as recompensas precisam ser maiores e melhores do que você sentiria normalmente.

A dopamina é como um sinal que instrui as áreas neurais envolvidas na seleção de ações a favorecer o momento em que contamos sobre os acontecimentos diários ou rimos de piadas, enquanto as áreas sensoriais identificam os mesmos aspectos do contexto (ou seja, você na mesa de jantar). O sinal dos neurônios de dopamina imprime na memória os detalhes da experiência gratificante. Agora o cérebro do seu parceiro está um pouco diferente. Está pronto para receber, reconhecer e processar mais afeição de sua parte no futuro. Você poderia dizer que ajudou o cérebro do seu parceiro a ter mais esperança, a ser mais otimista, a estar mais preparado para o amor.

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Seu parceiro está aprendendo que compartilhar sentimentos durante o jantar e rir de suas piadas geram um afeto que não seria possível de outra forma. Independentemente de ele ser do tipo comunicativo ou de você ser engraçado, é provável que essa recompensa incentive esse comportamento outras vezes.

Com repetição suficiente, sua genuína demonstração de afeto vai criar associações entre a hora do jantar e revelações íntimas, e entre suas piadas e risadas apreciativas. Essa é uma importante maneira de fortalecer o relacionamento interpessoal.

A formação mútua de hábitos se desenvolve quando as duas partes são fundamentais no contexto uma da outra. Pode parecer desumanizante falar sobre isso nesses termos, mas não precisa ser assim. Seu segundo eu interage com o segundo eu do seu parceiro em todos os momentos, assim como sua vontade e suas intenções estão envolvidas e entremeadas com as dele. Você tem o poder de permitir que todas essas partes se manifestem e se apoiem.

Recompensas inesperadas funcionam em todos os aspectos da vida, até mesmo no supermercado. Comprar leite com um desconto especial por ser um cliente habitual não vai mudar seus hábitos de compra. Mas fazer uma compra com um desconto especial inesperado ativa a dopamina, e a repetição da oferta pode começar a criar o hábito de comprar aquela marca. A formação de hábitos também influencia a liberação de dopamina em outras áreas do cérebro. À medida que seu hábito de compra se desenvolve, outras áreas de tomada de decisão podem se tornar menos ativas (…). Depois das repetições, você pega o leite automaticamente, sem consultar o preço. Você não está mais tomando uma decisão.

A dopamina também nos ajuda a aprender com nossos erros. Quando agimos de uma forma que não resulta nas recompensas que esperávamos, os neurônios da dopamina reduzem a atividade, sinalizando para evitar essa ação no futuro. Nosso cérebro reage se chegarmos tarde em casa e sentirmos falta do beijo do cônjuge ou se os descontos forem suspensos e tivermos que pagar o valor integral do produto.

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Este é o lado sombrio das recompensas interpessoais: reprimir o afeto e reagir de uma forma que magoe seu parceiro é um sinal de relacionamento emocionalmente abusivo. Quando os parceiros não são genuinamente afetuosos ou usam o afeto como estratégia de manipulação, o abuso acontece. Assim como os vícios, esses relacionamentos abusivos podem ser distorções infelizes, às vezes trágicas, de nossas respostas normais ao afeto e à recompensa.

Às vezes a dopamina é chamada de substância química do bem-estar por estar envolvida em nossa experiência de recompensas. Mas as informações específicas transmitidas pela liberação de dopamina dependem do tempo, dos neurônios e dos receptores relevantes.

A dopamina também nos ajuda a aprender com nossos erros. Quando agimos de uma forma que não resulta nas recompensas que esperávamos, os neurônios da dopamina reduzem a atividade, sinalizando para evitar essa ação no futuro.

Os efeitos da dopamina ocorrem numa escala de tempo de segundos, com os primeiros estágios do processamento sinalizando uma saliência, ou algo em que devemos prestar atenção. A novidade e a saliência das sensações físicas ativam os neurônios da dopamina dessa maneira, assim como aquele inesperado aroma de pães de canela no quiosque do aeroporto chama nossa atenção. Com o processamento contínuo, a dopamina sinaliza as recompensas que formam hábitos e nos energiza e nos revigora a buscar ações que tenham consequências positivas e realizem nossos objetivos.

Tudo isso significa algo importante para nossos propósitos: a dopamina define uma escala de tempo para o aprendizado de um hábito. Ela o estimula imediatamente com uma recompensa em nosso cérebro, respondendo à importância e ao valor do que acabamos de receber. Embora a ciência ainda esteja descobrindo sobre o tempo neuronal, a dopamina parece promover o aprendizado de hábitos por menos de um minuto.

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Recompensas imprevistas no futuro, como um bônus salarial daqui a duas semanas ou um troféu de atletismo que você vai receber no fim de uma temporada, não alteram as conexões neurais da mesma maneira. As recompensas precisam ser vivenciadas logo após fazermos algo para criar as associações de hábitos (resposta ao contexto) na memória.

Em vista desse curto intervalo, as recompensas mais eficazes para a formação de hábitos em geral são intrínsecas a um comportamento ou a uma parte da própria ação. Pode ser a sensação de prazer que você sente ao ler uma história envolvente para seus filhos e vê a alegria deles ou a gratificação de se sentir generoso ao fazer uma boa ação, como se apresentar como voluntário para trabalhar na cozinha de um sopão comunitário. Mas você não é um rato de laboratório. O fato de ser voluntário não implica ter como recompensa uma enorme barra de chocolate e esperar que o hábito comece a se estabelecer. Deixe o sentimento intrínseco à atividade ser sua recompensa. Aproveite sua humanidade inerente.

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(Arte/VOCÊ S/A)

 

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