Especialista em linguagem corporal ensina técnicas em livro
O Que Todo Corpo Fala é um guia onde Joe Navarro cita pesquisas e experiências para explicar como o corpo denuncia aquilo que as palavras não dizem.
Lábios comprimidos é sinal de desconforto e contrariedade? Sim. Bater os pés incessantemente indica nervosismo? Não necessariamente. É o que diz um dos maiores especialistas sobre linguagem corporal.
Joe Navarro, ex-agente do FBI, com 25 anos de carreira no maior departamento de investigação do mundo e especializado em interpretar formas de expressão inconscientes – para saber se alguém está mentindo, por exemplo.
Publicado em pelo menos 30 países, com mais de 1 milhão de exemplares vendidos, O Que Todo Corpo Fala saiu no Brasil pela Editora Sextante. Trata-se de um guia que ensina a ler pessoas.
Joe cita pesquisas acadêmicas e experiências próprias para explicar como o corpo denuncia aquilo que as palavras não dizem.
Neste trecho, ele mostra quais comportamentos indicam que o seu interlocutor está desconfortável com algo que você disse – um conhecimento útil em qualquer situação.
TRECHO DO LIVRO
Capítulo 1 – Nosso legado límbico
Para usar um termo da antiga série Jornada nas Estrelas, a “primeira diretriz” do cérebro límbico [a parte mais primitiva do órgão] é garantir nossa sobrevivência como espécie. Ele faz isso por ser programado para garantir nossa segurança evitando perigos ou desconfortos e buscando segurança ou conforto sempre que possível.
E também nos permite recordar experiências passadas e aproveitá-las. Até agora, vimos que o sistema límbico é muito eficiente em nos ajudar a lidar com ameaças. Agora vamos analisar como o cérebro e o corpo trabalham juntos para nos dar conforto e autoconfiança quanto à nossa segurança pessoal.
Ao experimentar uma sensação de conforto, bem-estar, o cérebro límbico “vaza” essa informação na forma de linguagem corporal coerente com nossos sentimentos positivos. Observe alguém descansando em uma rede em um dia agradável.
O corpo reflete o intenso conforto experimentado pelo cérebro. Por outro lado, quando nos sentimos angustiados, o cérebro límbico expressa um comportamento não verbal que reflete esse estado negativo. Basta observar como as pessoas ficam quando seu voo é cancelado ou está atrasado.
Os corpos dizem tudo. Portanto, queremos aprender a examinar mais de perto os comportamentos de conforto e desconforto que vemos todos os dias e usá-los para avaliar sentimentos, pensamentos e intenções.
Em geral, quando o cérebro límbico está em estado de conforto, esse bem-estar mental e fisiológico se reflete em demonstrações não verbais de satisfação e elevada autoconfiança.
Mas, quando o cérebro límbico experimenta desconforto, a linguagem corporal correspondente é caracterizada por comportamentos emblemáticos de estresse ou baixa autoconfiança.
Conhecer esses “marcadores comportamentais” irá ajudá-lo a determinar o que uma pessoa deve estar pensando, como agir ou o que esperar ao lidar com outras pessoas em qualquer contexto.
A importância dos comportamentos pacificadores
Ao estudar esses comportamentos, você descobrirá que, sempre que há uma resposta límbica – especialmente a uma experiência negativa ou ameaçadora –, ela será seguida por algo que chamo de comportamentos pacificadores (Navarro, 2007, 141-163).
Essas ações, muitas vezes chamadas de adaptadores na literatura, servem para nos acalmar depois que passamos por algo desagradável ou extremamente ruim (Knapp & Hall, 2002, 41-42).
Ao tentar restabelecer as “condições normais”, o cérebro pede que o corpo manifeste comportamentos reconfortantes (pacificadores). Como eles são sinais externos, é possível observá-los e decodificá-los em tempo real e no contexto da situação. (…)
Procuro comportamentos pacificadores nas pessoas para saber quando elas não estão à vontade ou quando estão reagindo negativamente a algo que eu fiz ou disse.
Em uma entrevista, consigo detectar isso em uma resposta a uma pergunta ou em um comentário específico. Comportamentos que sinalizam desconforto (como inclinar-se para a frente, franzir a testa, cruzar ou tensionar os braços) são geralmente seguidos por movimentos das mãos para buscar conforto.
Procuro esses comportamentos para confirmar o que está acontecendo na mente da pessoa com quem estou lidando.
“Procuro comportamentos pacificadores nas pessoas para saber quando elas não estão à vontade ou quando estão reagindo negativamente a algo que eu fiz ou disse.”
Por exemplo, se toda vez que pergunto a uma pessoa “Você conhece fulano?”, ela responde “Não” e então imediatamente toca o pescoço ou a boca, sei que ela busca conforto diante dessa pergunta específica. Não sei se ela está mentindo, porque é bastante difícil detectar dissimulações, mas sei que ficou incomodada com a pergunta, pois precisou de um comportamento pacificador depois de ouvi-la. Isso me levará a me aprofundar nessa área de investigação (ver Quadro 10).
É importante que um investigador perceba os comportamentos pacificadores, pois às vezes eles ajudam a revelar uma mentira ou uma informação oculta.
Acho que indicadores de respostas pacificadoras são muito mais importantes e confiáveis do que tentar estabelecer a veracidade de uma informação.
Eles ajudam a identificar quais assuntos específicos incomodam ou afligem uma pessoa. Frequentemente, conhecê-los pode resultar na revelação de informações que levam a novas ideias.
QUADRO 10: CAPTURADA PELO PESCOÇO
Tocar e/ou acariciar o pescoço é um dos comportamentos pacificadores mais significativos e frequentes que existem como resposta ao estresse. Para buscar conforto, as mulheres costumam cobrir ou tocar a fenda supraesternal com a mão.
A fenda supraesternal é a área oca entre o pomo de adão e o esterno, que às vezes é chamada covinha do pescoço. Quando uma mulher toca essa parte ou a cobre com a mão, geralmente é porque está se sentindo angustiada, ameaçada, desconfortável, insegura ou assustada.
É uma pista comportamental que pode ser usada para detectar, entre outras coisas, o desconforto de uma pessoa que está mentindo ou ocultando informações importantes.
Certa vez, trabalhei em uma investigação em que achávamos que um fugitivo armado e perigoso estava escondido na casa da mãe. Outro agente e eu fomos à casa da mulher e, quando batemos à porta, ela concordou em nos deixar entrar.
Mostramos nosso distintivo e começamos a fazer uma série de perguntas. Quando questionei “Seu filho está em casa?”, ela colocou a mão sobre a fenda supraesternal e disse: “Não, ele não está”. Observei esse comportamento e continuamos com o interrogatório.
Depois de alguns minutos, perguntei: “Existe a possibilidade de seu filho ter entrado furtivamente na casa enquanto você trabalhava?” Mais uma vez, ela colocou a mão na covinha do pescoço e respondeu: “Não, eu saberia se ele estivesse aqui”.
Agora eu estava confiante de que seu filho estava em casa, porque ela só levava a mão ao pescoço quando eu mencionava essa possibilidade.
Para ter certeza de que minha suposição estava correta, continuamos conversando com a mulher até que, enquanto nos preparávamos para sair, fiz uma última tentativa: “Só para finalizar meus registros, você tem certeza de que ele não está em casa, não é?” Pela terceira vez, ela levou a mão ao pescoço. Agora eu tinha certeza de que a mulher estava mentindo.
Pedi permissão para revistar a casa e, de fato, o rapaz estava escondido em um closet, debaixo de alguns cobertores. Ela teve a sorte de não ser acusada de obstrução da justiça. Seu desconforto ao mentir para a polícia sobre o filho fugitivo fez com que seu sistema límbico gerasse um comportamento pacificador que a denunciou.
Tipos de comportamento pacificador
Há muitos comportamentos pacificadores. Quando estamos estressados, podemos fazer uma massagem suave para aliviar o pescoço, acariciar o rosto ou mexer no cabelo.
Isso é feito automaticamente. Nosso cérebro envia a mensagem “Por favor, me acalme agora”, e nossas mãos respondem na hora, fazendo algo que nos ajudará a nos sentir à vontade de novo.
Às vezes, buscamos conforto passando a língua nos lábios ou na parte interna das bochechas, ou expirando lentamente com as bochechas infladas.
Se uma pessoa estressada é fumante, ela vai fumar mais; se a pessoa mascar chiclete, ela irá mascá-lo mais rápido. Todos esses comportamentos pacificadores servem ao mesmo propósito: estimular terminações nervosas, liberando endorfinas relaxantes no cérebro, de modo que ele possa se acalmar (Panksepp, 1998, 272). (…)
• Comportamentos pacificadores relativos ao pescoço
Tocar e/ou acariciar o pescoço é um dos comportamentos pacificadores mais significativos e frequentes. Uma pessoa pode esfregar ou massagear a nuca com os dedos; outra pode passar a mão nas laterais do pescoço ou logo abaixo do queixo, acima do pomo de adão, puxando a área carnuda do pescoço. Essa área é rica em terminações nervosas que, quando estimuladas, reduzem a pressão arterial, diminuem a frequência cardíaca e acalmam o indivíduo.
• Comportamentos pacificadores relativos ao rosto
Tocar ou esfregar o rosto é uma resposta pacificadora frequente que alivia o estresse. Movimentos como coçar a testa; tocar nos lábios, esfregar um no outro ou lambê-los; puxar ou massagear o lóbulo da orelha com o polegar e o indicador; passar a mão no rosto ou na barba; e mexer no cabelo podem ajudar a acalmar um indivíduo em uma situação estressante. (…) O suprimento abundante de terminações nervosas no rosto faz com que essa área seja ideal para ser usada pelo cérebro límbico para buscar conforto.
• Comportamentos pacificadores relativos a sons
Assobiar pode ser um comportamento pacificador. Algumas pessoas assobiam para se acalmar quando caminham em uma área estranha da cidade ou por uma rua escura e deserta. Outras até falam consigo mesmas para buscar alívio durante períodos de estresse. Tenho um amigo (e com certeza todos temos um assim) que fala centenas de frases por minuto quando está nervoso ou chateado. Alguns comportamentos pacificadores combinam os fatores tátil e auditivo, como dar batidinhas com um lápis na mesa ou tamborilar os dedos.
• Bocejos em excesso
Às vezes, vemos indivíduos sob estresse bocejando excessivamente. Bocejar não é apenas uma forma de “respirar fundo”; durante o estresse, quando a boca fica seca, um bocejo pode pressionar as glândulas salivares. Retesar as várias estruturas dentro e ao redor da boca faz com que as glândulas liberem umidade para a boca seca durante períodos de ansiedade. Nesses casos, é o estresse, e não a falta de sono, que causa o bocejo.
• Limpeza das pernas
A limpeza das pernas é um comportamento pacificador que muitas vezes passa despercebido porque com frequência ocorre sob um balcão ou uma mesa. Essa atividade calmante funciona da seguinte maneira: uma pessoa coloca uma mão (ou as duas) com a palma sobre a perna (ou pernas) e então a desliza pela coxa em direção ao joelho.
Algumas pessoas fazem esse movimento uma única vez, mas muitas repetem o gesto ou apenas ficam massageando a perna. Isso também pode ser feito para secar as palmas das mãos, caso elas tenham suado por causa da ansiedade, mas principalmente para se livrar da tensão.
Vale a pena procurar esse comportamento não verbal, porque é um bom indicativo de que alguém está sob estresse.
Uma maneira de tentar detectá-lo é observar pessoas que colocam um ou os dois braços embaixo da mesa. Se a pessoa estiver fazendo uma limpeza das pernas, normalmente você verá o ombro se movendo.
“Lembre-se: quanto maior o estresse ou o desconforto, maior a probabilidade de ocorrerem comportamentos pacificadores.”
Pela minha experiência, concluí que a limpeza das pernas é muito importante, pois ocorre rapidamente em reação a um evento negativo.
Observei esse comportamento por anos em casos em que os suspeitos foram apresentados a provas condenatórias, como fotos da cena de um crime com a qual eles já estavam familiarizados (reconhecimento de culpa).
Esse comportamento pacificador/de limpeza realiza duas coisas ao mesmo tempo: seca o suor das palmas das mãos e proporciona alívio por meio do toque.
Você também pode detectá-lo quando um casal sentado é incomodado ou interrompido por uma pessoa indesejável, ou quando alguém se esforça para lembrar um nome. (…)
• O ventilador
Esse comportamento envolve uma pessoa (geralmente um homem) colocando os dedos entre o colarinho da camisa e o pescoço e afastando o tecido da pele.
Essa ação de ventilação costuma ser uma reação ao estresse e é um bom indicador de que a pessoa está incomodada com algo em que está pensando ou que está acontecendo em seu ambiente.
Uma pessoa com uma blusa mais decotada ou de cabelo grande consegue realizar essa atividade não verbal de maneira mais sutil, ventilando apenas a frente da blusa ou jogando o cabelo para trás a fim de ventilar o pescoço.
• O abraço em si mesmo
Ao enfrentar situações estressantes, algumas pessoas cruzam os braços e esfregam as mãos nos ombros, como se sentissem um calafrio. Quando uma pessoa emprega esse comportamento pacificador, ela está manifestando uma reminiscência da maneira como uma mãe abraça uma criança pequena.
É uma ação protetora e relaxante que adotamos para nos acalmar quando queremos nos sentir seguros. No entanto, se a pessoa estiver com os braços cruzados, inclinando-se para a frente e olhando de modo desafiador, isso não é um comportamento pacificador!
USANDO PACIFICADORES PARA ANALISAR AS PESSOAS DE MANEIRA MAIS EFICAZ
Para conhecer melhor uma pessoa por meio de comportamentos pacificadores não verbais, existem algumas diretrizes que você precisa seguir:
- Reconhecer os comportamentos pacificadores no momento em que eles ocorrerem; apresentei todos os principais. À medida que você faz um esforço conjunto para detectar esses sinais corporais, fica muito mais fácil detectá-los nas outras pessoas.
- Estabelecer o comportamento pacificador padrão de um indivíduo. Dessa forma, você consegue observar qualquer alteração de frequência ou intensidade nos comportamentos pacificadores dessa pessoa e então reagir de acordo.
- Ao ver uma pessoa fazer um gesto pacificador, pare e se pergunte: “O que a levou a fazer isso?” É fato que o indivíduo está se sentindo desconfortável com alguma coisa. Seu trabalho, como coletor de inteligência não verbal, é descobrir que coisa é essa.
- Entender que os comportamentos pacificadores quase sempre são usados para acalmar uma pessoa depois que um evento estressante ocorre. Assim, como princípio geral, você pode supor que, se um indivíduo exibe um comportamento pacificador, é porque algum evento ou estímulo estressante o precedeu.
- A capacidade de vincular um comportamento pacificador ao estressor específico que o causou pode ajudá-lo a entender melhor a pessoa com quem você está interagindo.
- Em certos casos, você pode até dizer ou fazer algo para ver se isso causa estresse em um indivíduo (o que provoca maior incidência de comportamentos pacificadores) para entender melhor seus pensamentos e intenções.
- Observe qual parte do corpo a pessoa usa para executar um comportamento pacificador. Isso é significativo, porque quanto maior o estresse, mais ela vai estimular o rosto ou o pescoço.
- Lembre-se: quanto maior o estresse ou o desconforto, maior a probabilidade de ocorrerem comportamentos pacificadores.