A filosofia inclusiva de Epicuro

Embora seja verdade que Epicuro argumentou que o prazer é o bem humano mais elevado, há muito mais no epicurismo do que isso. Confira.

Por Thomas Moran, The Conversation
11 abr 2025, 14h00
imagem da biblioteca de nova york de uma ilustração gregra
 (The New York Public Library/Unsplash)
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Se você examinar atentamente a seção de filosofia de uma livraria, provavelmente encontrará vários livros sobre estoicismo – uma filosofia antiga que está passando por um renascimento. Mas onde estão os epicuristas?

Ambas as escolas filosóficas eram populares no mundo antigo. No entanto, enquanto obras estoicas como Meditações, de Marco Aurélio, e as Cartas de um Estoico, de Sêneca, ainda enchem as prateleiras – ao lado de versões contemporâneas como The Daily Stoic (“ O Diário Estoico”, de Ryan Holiday e Stephen Hanselman, de 2016) -, o epicurismo continua sendo, em grande parte, uma curiosidade histórica.

Hoje, o pensador grego Epicuro (341–270 a.C.) é mais lembrado pelo termo “epicurista”, que descreve alguém dedicado ao prazer sensual, particularmente de boa comida e bebida.

E, embora seja verdade que Epicuro argumentou que o prazer é o bem humano mais elevado, há muito mais no epicurismo do que simplesmente saborear uma taça de Shiraz com alta gastronomia.

Filósofos no Jardim

Epicuro nasceu na ilha de Samos, filho de pais atenienses. Estudou filosofia em Atenas antes de viajar para a ilha de Lesbos para estabelecer uma academia filosófica.

Epicuro nasceu na ilha de Samos, assim como o famoso polímata Pitágoras.

Ao retornar a Atenas em 306 a.C., ele comprou um pedaço de terra e iniciou uma comunidade filosófica conhecida como o Jardim de Epicuro.

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O Jardim era radicalmente diferente de outras iniciativas da época. Enquanto a Academia de Platão treinava, geralmente, os filhos da elite ateniense, e Aristóteles ensinava nobres como Alexandre, o Grande, o Jardim de Epicuro era muito mais inclusivo. Mulheres e escravos eram bem-vindos para participar dos debates.

A comunidade levava uma vida frugal e praticava igualdade total entre homens e mulheres, o que era incomum na época. Nessa atmosfera, nobres e cortesãs, senadores e escravos, todos se engajavam em debates filosóficos.

Os maiores prazeres não são aqueles que produzem a maior intensidade ou duram mais tempo, mas aqueles que são menos misturados com preocupação e os mais propensos a garantir paz de espírito

Embora muitos dos primeiros epicuristas tenham desaparecido dos anais da história, sabemos de algumas mulheres, como Leontina e Nikidion (“Little Victory”), que foram as primeiras defensoras do pensamento epicurista.

Longe da cidade principal de Atenas, o Jardim de Epicuro se tornou um espaço para seus seguidores buscarem alívio.

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A filosofia como estilo de vida

Não é apenas a inclusividade do Jardim que lhe dá apelo contemporâneo, mas sua noção totalmente única do que constitui uma vida filosófica.

De acordo com Epicuro, um filósofo não era alguém que ensinava ou escrevia tratados filosóficos. Era, sim, alguém que praticava o que o filósofo francês Pierre Hadot descreve em sua obra sobre o epicurismo, como “um certo estilo de vida”.

O epicurismo era uma prática diária, em vez de uma disciplina acadêmica. Qualquer um que se esforçasse para viver uma vida filosófica fazia parte da comunidade epicurista e era considerado um filósofo.

O conceito de filosofia promovido por Epicuro era mais igualitário e abrangente do que a definição restrita que frequentemente vemos usada ainda hoje.

A busca do prazer

Mas o que significava ser um epicurista praticante? Epicuro concebeu a filosofia como uma prática terapêutica. “Devemos nos preocupar com a cura de nossas próprias vidas”, escreveu ele.

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Este processo de cura envolve o desenvolvimento de uma atitude interna de relaxamento e tranquilidade conhecida como anesis na Grécia Antiga. Para fazer isso, os epicuristas buscavam desviar suas mentes das preocupações da vida e focar na simples alegria da existência.

Segundo Epicuro, a infelicidade surge porque temos medo de coisas que não deveríamos temer e desejamos coisas que não são necessárias e estão além do nosso controle.

Mais notavelmente, ele rejeitou a ideia de uma vida após a morte, argumentando que a alma não continua a existir após a morte. Ele também argumentou que era errado temer a morte pois ela não dá trabalho quando chega [e] é apenas a antecipação de uma dor vazia.

Em vez de temer a punição no além, ele disse que deveríamos nos concentrar nas possibilidades de prazer no aqui e agora. Mas isso não significa perseguir todo prazer que aparece em nosso caminho; a tarefa do epicurista é entender quais prazeres valem a pena buscar.

Os maiores prazeres não são aqueles que produzem a maior intensidade ou duram mais tempo, mas aqueles que são menos misturados com preocupação e os mais propensos a garantir paz de espírito. Nessa linha, Epicuro buscou cultivar sentimentos de gratidão e apreciação até mesmo pelas experiências cotidianas mais simples.

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Embora seus críticos o classificassem e a seus seguidores como hedonistas desenfreados, ele escreveu em uma carta em que afirma que um único pedaço de queijo pode ser tão prazeroso quanto um banquete inteiro.

Para os epicuristas, é precisamente a brevidade da vida que nos dá uma capacidade tão requintada para o prazer. Como escreveu Filodemo (Philodemus), um epicurista :

Receba cada momento adicional de uma maneira apropriada ao seu valor; como se estivesse tendo um incrível golpe de sorte.

Uma filosofia para ‘forasteiros’

O apelo perene de Epicuro reside em como sua filosofia deu força e inspiração aos forasteiros. No final do século XIX, estetas como o crítico Walter Pater e o dramaturgo Oscar Wilde elogiaram o epicurismo como um modo de vida.

Na carta de Wilde, De Profundis (Das profundezas) — escrita em 1897 enquanto estava preso em Reading Gaol sob a acusação de indecência — ele afirmou que o romance de Pater, Marius, o Epicureu (1885), havia lhe dado consolo intelectual e espiritual durante seu julgamento.

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Pater também enfrentou discriminação em Oxford por ter relacionamentos homossexuais. Seu romance é uma celebração evocativa das possibilidades de uma vida vivida na busca da beleza sensual e espiritual.

Num dos seus primeiros textos, O Renascimento (1873), Pater parafraseia Victor Hugo, escrevendo

todos nós estamos sob uma sentença de morte, mas com uma espécie de indulto indefinido […] temos um intervalo, e então nosso lugar não nos conhece mais. […] Nossa única chance está em expandir esse intervalo, em obter o maior número possível de pulsações dentro do tempo determinado.

Esse sentimento profundamente epicurista, de uma vida vivida no intervalo, continua atraente para aqueles que buscam transformar suas vidas em uma obra de arte.

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