Uso do ChatGPT no trabalho: você sente orgulho dos resultados?
Um estudo sobre crianças e a valorização das ideias ajuda a refletir sobre nosso papel diante da inteligência artificial no escritório.

Imagine a seguinte situação: você está há meses trabalhando em um relatório importante sobre um novo projeto. O material demandou horas e mais horas de dedicação, mas o resultado valeu a pena. Está detalhado, robusto, com insights estratégicos e conclusões que ajudam a orientar decisões relevantes para a empresa.
Só que tem um detalhe: você não fez tudo só. Na verdade, essas páginas não estariam prontas se não fosse pela ajuda de alguém – ou, melhor dizendo, de algo. Um agente de inteligência artificial.
Nesse cenário em que cada uma das etapas contou com um “toque” tecnológico, ainda dá para sentir orgulho do resultado final? Ou a sensação é de frustração ou de mérito diluído, uma vez que a criação não partiu exclusivamente do esforço humano?
Veja bem, a pergunta não é uma provocação para descredibilizar o avanço da tecnologia ou diminuir o valor da ação humana. Trata-se de um dilema que, aos poucos, começa a aparecer nesse novo ambiente em que o ChatGPT e outros recursos similares se tornaram mais do que colegas de trabalho: eles viraram parte do cotidiano corporativo, são essenciais para executar tarefas complexas e acelerar processos criativos.
E é aí que vem a minha pergunta: se orgulho é um sentimento de satisfação diante de um resultado que reconhecemos como fruto das nossas capacidades, como nos sentimos quando esse resultado foi construído em parceria com uma máquina? Mais ainda: se a IA realizou boa parte do trabalho, temos direito de nos orgulhar de nossos feitos?
Minha resposta curta e direta é “sim”, mas vou explicar melhor com um caso de quando o ChatGPT nem existia em nossas vidas.
O estudo com crianças
Lá em 2013, foi publicado um artigo no jornal acadêmico Cognition sobre o que crianças entre 4 e 6 anos valorizavam em criações artísticas. Um dos experimentos foi o seguinte: elas tinham de fazer dois desenhos com a ajuda de uma pessoa adulta. Em uma das vezes, a criança deveria sugerir como usar os recortes de papel para criar uma figura; na outra, ela tinha de executar a ideia dada pelo adulto.
Feito isso, elas tinham de escolher qual desenho levar para casa: o que elas tinham pensado e orientado na elaboração ou o que tinham executado a partir do comando de alguém.
À primeira vista, pode parecer que isso não tem nada a ver com a minha pergunta inicial, mas preste atenção no resultado. De acordo com o estudo, crianças, principalmente as de 6 anos, valorizam mais quem deu a ideia do que quem a executou.
Isso porque, em geral, elas escolhiam os desenhos que refletiam sua própria ideia, em vez de aqueles nos quais tinham investido mais tempo e esforço colando as figuras no papel. E isso me lembra muito a situação na qual estamos agora com nossos agentes de IA.
Na verdade, o artigo acadêmico me faz pensar em qual posição nós ocupamos nesse estudo: o da criança que pensa, imagina, elabora e sugere uma ideia ou da criança que faz algo que outra pessoa pensou e sugeriu? É aí que mora a resposta para o dilema do orgulho.
Mais do que uma simples fonte de satisfação, esse sentimento é fundamental para nos conectar com nossa vida profissional, encontrar motivação para seguir aprendendo e inovando, construir um propósito sólido na carreira. Quando ele não está presente, podemos cair no desengajamento, perder energia e até adoecer emocionalmente.
Entender essa dinâmica não significa que devemos “quebrar as máquinas”, banir o uso de IA ou qualquer coisa parecida. A questão, como disse, é saber a posição que ocupamos no processo de trabalho – e isso vale para qualquer função.
Da pessoa artista à engenheira, do Marketing ao Financeiro, todo campo de atuação carece de profissionais capazes de imaginar, conectar pontos e dar significado ao que fazem. Não delegue a criação de sentido, a visão crítica e a responsabilidade pelas escolhas à inteligência artificial. Preserve sua capacidade de pensar, sonhar e decidir com consciência e, no fim do dia, orgulhar-se de ter a autoria do que dá vida ao seu trabalho.