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O que é o efeito Cantillon – que distribui a inflação de maneira desigual

Em um cenário de alta nos preços, quanto mais rápido o dinheiro recém-fabricado chegar em você, maior será o seu poder de compra.

Por Bruno Vaiano
13 jan 2023, 06h24
Ilustração de uma fonte gerando um caminho d'água que vai secando conforme o percurso e diversas pessoas tentando pegar água dele.
 (Gio Borges/VOCÊ S/A)
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Era uma vez um pequeno país imaginário, com cem habitantes. Um desses cidadãos, o João, inventa uma máquina mágica capaz de imprimir dinheiro. São falsificações perfeitas, notas indistinguíveis das reais. Ele vai fazendo as verdinhas e comprando TV nova, geladeira nova, fogão novo para a família toda.

O dono da loja de eletrodomésticos local nunca viu algo assim. Para um país tão pequeno, uma alta dessas na demanda é algo brutal. Então, ele sobe os preços. E sai para gastar os lucros no supermercado. A dona do supermercado, que nunca vê ninguém torrar dois mil em uma compra, fica animada: “A coisa tá boa, hora de um reajuste nos preços”.

De início, não parece um mau negócio: com uma demanda maior por produtos e serviços, todo mundo sobe os preços e todo mundo sai ganhando. O problema é que geladeira não dá em árvore, nem filé mignon. O estoque de bois e eletrodomésticos não é infinito. Demora para os bezerros crescerem e o próximo caminhão da Brastemp chegar.

Se João imprimir demais, logo haverá mais dinheiro em circulação do que coisas para comprar com esse dinheiro. Começa, na prática, um leilão: os comerciantes põem o preço lá em cima – e quem puder pagar mais caro leva. Bem-vindo à inflação.

E ela tem uma característica cruel. Na etapa da reação em cadeia em que interrompemos nossa história, o vendedor de picolé já está pagando mais caro no supermercado – mas o dinheiro extra em circulação ainda não chegou ao seu bolso. Se o dono da loja de eletrodomésticos e a proprietária do supermercado não usarem seu dinheiro extra para comprar sorvete na rua, ele vai lucrar menos. O processo todo é uma fileira de dominós, e os dominós mais distantes se dão mal.

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A moral da história é: em um cenário de inflação descontrolada, quanto mais rápido o dinheiro recém-fabricado chegar em você, maior será o seu poder de compra, porque você terá mais oportunidades de adquirir o que precisa antes de os preços subirem como um todo. Esse é o efeito Cantillon, descoberto pelo francês Richard Cantillon no século 18 (no exemplo original dele, o João tinha uma mina de ouro).

Na vida real, a impressora de dinheiro ou a mina de ouro são o Banco Central. A grana que o Banco Central “fabrica” do nada entra na economia na forma de crédito bancário, e só depois chega ao cidadão comum, já com o valor defasado. Ou seja: a inflação agrava desigualdades. Enquanto o dono da loja de eletrodomésticos se sente mais próspero, o vendedor de sorvete fica mais pobre.

R$ 2.870 era a renda média domiciliar per capita no ano de 1995, em dinheiro de hoje. Em 2021, ela era de R$ 1.367. Parte dessa disparidade se deve ao efeito Cantillon.

Na prática, a inflação acaba funcionando como um imposto extra para quem está mais distante da fonte de dinheiro novo. É o que acontece em todo país que convive com taxas de inflação relativamente altas por décadas, como o nosso. Em 1995, a renda média domiciliar per capita no Brasil era de R$ 497. Corrigido pela inflação, isso daria R$ 2.870. Mas a renda média hoje é metade disso: R$ 1.367. Essa perda de 50% no poder de compra é o imposto que a inflação das últimas décadas cobrou dos mais pobres.

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