O mercado global em um carrinho de pipoca
Se alguém abrisse o capital de um carrinho de pipoca na bolsa, ele valeria R$ 140 mil. Entenda aqui a lógica, e a fé, que move o mundo da renda variável.
Você tem um carrinho de pipoca. Ele rende R$ 1,2 mil de lucro líquido por mês. Sim, um negócio mirradinho, mas promissor. As pessoas gostam tanto da sua pipoca, mas tanto, que você tem certeza: se tivesse mais carrinhos espalhados por aí, não faltariam clientes. Mas com essa renda não dá nem para cogitar um plano de expansão. E agora?
No mundo real, você tenta arrumar o dinheiro emprestado. Mas isto não é o mundo real. É um exercício lúdico para dar uma ideia melhor de como o mercado financeiro opera. Já que isto é um sonho, vamos fazer como Jorge Paulo Lemann e sonhar grande. Você pega e decide levantar capital ao estilo das megaempresas: lança ações no mercado. Ações de um carrinho de pipoca.
A palavra “ação” deriva de “participação”. Cada uma equivale a uma participação na empresa. A uma parte dela. Até por isso, o termo em inglês para “ações” é “partes” mesmo (shares). Lançar ações, então, é vender partes do seu negócio.
Você compra um talão de recibos na papelaria, e cada papelzinho será uma ação da sua empresa (já foi mais ou menos assim na vida real, tanto que ainda chamam ações de “papéis”). Próximo passo: estabelecer um valor para cada ação. É o que os economistas chamam de valuation – um jargão autoexplicativo.
Você confia que a sua futura rede de carrinhos de pipoca pode virar um negócio tão sólido quanto uma Ambev da vida. Então decide copiar a empresa do sr. Lemann.
A Ambev lucrou R$ 14,5 bilhões nos últimos 12 meses. E ela é uma companhia dividida em 15,7 bilhões de ações. O lucro anual dela, então, hoje equivale a R$ 0,92 por papel. E quanto vale hoje uma ação da Ambev? R$ 0,92? Claro que não.
Uma ação da Ambev é, para todos os efeitos, uma coisa (um “ativo”) que no momento produz R$ 0,92 por ano. Então qual seria o valor justo para uma ação da Ambev? Se for o lucro que ela vier a dar nos próximos dez anos, significa o seguinte: quem comprar a ação hoje vai levar dez anos para ter algum retorno (caso a empresa distribuísse 100% dos lucros, mas essa é outra história). Acha ok? Então R$ 9,20 seria o valor certo para a Ambev.
Mas quem determina o tal valor correto não é você nem eu. É o mercado. E no mercado cada ação da Ambev era negociada a R$ 15,44 no final de setembro. Ou seja: a média dos investidores avalia que vale a pena esperar 15 anos para que um investimento na Ambev se pague. Esse número de anos, 15, é o “preço sobre lucro” da cervejeira no momento. É o “P/L” dela. E está bem dentro do normal. O P/L médio das empresas do Ibovespa tem se equilibrado nessa faixa nos últimos anos.
Bom, seu carrinho dá R$ 1,2 mil de lucro por mês. R$ 14,5 mil no ano, certo? Para emular a Ambev, então, você dá uma arredondada nos números que vimos até aqui e lança 14,5 mil ações, de modo que cada uma delas dê direito a R$ 1 de lucro por ano, igual um papel da Ambev – um pouquinho mais até 😉
E quanto você vai cobrar por ação? Não é R$ 1, como vimos. R$ 15 seria uma boa? Calma. Você não é a Ambev. Então vamos para um meio-termo: R$ 10. Se eu comprar um dos seus papéis, terei direito, de cara, a R$ 1 por ano. Não parece um mau negócio: passo dez anos esperando o retorno do investimento, e dali em diante tudo o que entrar é lucro.
Então você define que cada uma de suas 14,5 mil ações vale R$ 10. Isso coloca o “valor de mercado” do carrinho em R$ 145 mil. Parece muito, mas está em linha com aquilo que o mercado financeiro considera razoável quando o assunto são grandes empresas.
Você também não sai vendendo tudo, porque aí não terá direito a lucro nenhum lá na frente. Então decide guardar metade das ações com você e vende só o resto. Pronto: você levantou R$ 72,5 mil em cima de um negócio que rende um salário mínimo por mês. Carrinhos de pipoca não abrem o capital, lógico. Mas as proporções que você viu nesta fábula são as mesmas do mundo de verdade.
Esse é o tamanho da fé que move os mercados globais. Ainda bem.