Líderes negros devem jogar a corda para outros subirem
É preciso usar sua presença no topo para ampliar os convites e garantir que outras pessoas de pele escura não precisem se camuflar para serem aceitas.

No último Natal, ganhei um presente que me emocionou profundamente. Uma escultura dada pela minha mãe. Dessas que a gente não apenas recebe, mas guarda como um lembrete constante de quem somos e por que estamos aqui.
Deixe-me tentar descrever para que você imagine:
A escultura mostra duas figuras humanas sobre uma torre de pedras empilhadas. Uma está no topo. Ajoelhada, com o corpo inclinado, estende uma corda. A outra está na base, escalando com esforço, agarrando-se à corda com todas as forças. É como se cada músculo da figura na parte de baixo dissesse: “Eu preciso subir”. E cada centímetro do corpo de quem está em cima respondesse: “Eu não vou soltar você”.
Minha mãe realmente me conhece e sabe que essa escultura é, talvez, a mais perfeita tradução visual daquilo que venho tentando fazer nos últimos anos.
Se você fosse meu aluno, eu te diria: chegar ao topo não pode ser o fim da sua jornada. Para quem veio de baixo, o topo só tem sentido se a gente estiver disposto a jogar a corda para quem está subindo também.
Este é o sexto e último artigo da série A Anatomia da Liderança Negra. E talvez o mais importante. Porque aqui a liderança deixa de ser apenas a respeito de alcançar um cargo – e passa a ser sobre transformar realidades.
Mas, calma, é o último artigo para fechar esta série, isso não quer dizer que no próximo mês não estarei aqui com você. Pelo contrário, prepare-se para o próximo, que inclusive já está escrito.
Voltando ao assunto: você está pronto para descobrir o que significa liderar com impacto?
Então vamos nessa. Porque a escultura está posta, a corda está em suas mãos – e alguém lá embaixo está contando com você.
O topo é o que você faz lá em cima
Depois de tanto esforço para ser aceito, reconhecido e respeitado, existe um risco silencioso que ronda os poucos profissionais negros que alcançam posições de destaque: esquecer o caminho por onde vieram.
Liderar, nesse contexto, é agir com consciência histórica. Não basta sentar-se à mesa. É preciso usar sua presença para transformar o cardápio, ampliar os convites e garantir que outras pessoas negras não precisem se camuflar para serem aceitas.
Liderança com propósito é liderança com memória
Se você fosse meu aluno, eu te diria: quando você lidera com propósito, você se torna mais do que um cargo. Você vira um movimento.
Mandela, que ficou 27 anos preso antes de liderar uma das maiores transformações políticas do século, dizia: “O que conta na vida não é o mero fato de termos vivido. É a diferença que fizemos na vida dos outros que determinará o significado da vida que levamos”.
É exatamente isso. O significado da sua liderança está diretamente ligado ao impacto que ela gera.
Confira, então, três formas de liderar com propósito e impacto.
- Coloque sua história a serviço de outras histórias
Não esconda sua trajetória. Conte como você chegou até aqui. Inspire. Aponte caminhos. Mostre que é possível. Quando você compartilha sua jornada com autenticidade, você não só humaniza o sucesso – você o multiplica.
Prática: torne-se mentor(a) de alguém que esteja em uma fase anterior da sua carreira. Aponte caminhos, compartilhe aprendizados, ofereça escuta.
- Transforme visibilidade em responsabilidade
Estar em evidência sendo uma pessoa negra é potente – mas também perigoso. Não se deixe reduzir a um símbolo. Ser o único não pode ser seu destino final.
Prática: use sua posição para pautar temas raciais nas reuniões, sugerir nomes de profissionais negros e pressionar pela criação de políticas de inclusão estruturadas.
- Redirecione o foco do mérito para o coletivo
Viola Davis escreveu: “Não é só abrir portas para si mesmo. É segurar a porta aberta”.
Liderar com propósito é se comprometer com a mudança estrutural. É entender que sua ascensão só tem valor real se ela fizer parte de uma escalada coletiva.
Prática: crie espaços permanentes de escuta e desenvolvimento para outros profissionais negros. Dentro da sua equipe, construa oportunidades para que novas lideranças negras floresçam.
Chegar não basta. Permanecer não é suficiente. É preciso fazer valer
Liderar com impacto é entender que não somos exceção. Somos abertura.
É por isso que, se você fosse meu aluno, eu te diria: não aceite o topo como um prêmio individual. Transforme-o em plataforma de transformação.
E, se um dia você olhar para trás e vir alguém subindo, estenda a corda.
Como naquela escultura que minha mãe me deu, talvez essa seja a imagem mais poderosa de uma liderança negra com propósito: alguém que chegou no topo, mas não se esqueceu de quem ainda está subindo.
Nos vemos em breve. Porque a escalada continua, e a liderança negra também.