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Clara Cecchini

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Especialista em aprendizagem organizacional e inovação, e fundadora do Centro Brasileiro de Design de Aprendizagem.

O que realmente te move no trabalho? E fora dele?

Dar sentido à vida, de forma ativa, consciente e intencional é uma das maiores urgências hoje – seja no seu tempo com a família e amigos, seja no dia a dia no escritório

Por Clara Cecchini
30 jun 2025, 15h00
Mulher trabalhando com computador no colo no meio da floresta
 (IPGGutenbergUKLtd/Getty Images)
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Em pouco mais de um mês (entre abril e maio de 2025), passamos, como humanidade, por algumas mortes emblemáticas. Perdas coletivas que, em maior ou menor dimensão, nos emocionaram e povoaram as redes sociais e a grande imprensa com histórias sobre realizações, propósito e visão de mundo.

É muito provável que você tenha tido ao menos algum momento de reflexão provocado pelo que foi dito sobre o Papa Francisco, Pepe Mujica e Sebastião Salgado. E, mesmo que esse momento não tenha sido de grande admiração ou identificação, certamente foi um contato com trajetórias de vida potentes, que mobilizaram imaginários coletivos.

Em meio ao delírio informacional sobre os bebês reborn, o depoimento da influencer e outros absurdos, o meu algoritmo me presenteou com uma curadoria de frases dessas três personalidades. E, dessa composição inusitada de estímulos, me ocorreu que é passada a hora de retomarmos conversas francas e diretas sobre algo que adquirimos vergonha de mencionar: o sentido da vida.

Vivemos mergulhados em cenários utópicos e distópicos que se alternam na velocidade da timeline. Uma avalanche de previsões, promessas e colapsos anunciados. Dar sentido à vida, aqui e agora, tornou-se também uma forma de permanecer ancorado no real, de não se perder na vertigem informacional que tenta, o tempo todo, nos deslocar de nós mesmos.

“Dediquei-me a mudar o mundo e não mudei absolutamente nada, mas diverti-me. E fiz muitos amigos e muitos aliados nesta loucura de mudar o mundo para melhor. E dei sentido à minha vida. Vou morrer feliz, não porque estou a morrer, mas porque deixei um legado que me ultrapassa em muito. Nada mais.” Essa foi uma das frases mais reproduzidas de Mujica. À primeira vista, parece que é sobre legado e morte. Mas nela escuto um belo recado sobre mudar o mundo, divertir-se, ter amigos e ser feliz. E, claro, dar sentido à vida.

Este ponto – dar sentido à vida, de forma ativa, consciente, intencional – talvez seja uma das maiores urgências hoje. E não estou falando apenas da grande crise de ansiedade e saúde mental reconhecidamente instalada no planeta. Estou falando, principalmente, do que acontece com a gente todos os dias, na experiência vivida, em especial no trabalho.

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Uma charge do genial Lars Kenseth, da New Yorker Magazine, me provocou esse insight: diante de uma lousa em que se pode ler a lição “Quando eu crescer…”, um garoto apresenta seu trabalho dizendo “… quero aumentar a margem de lucro das empresas por meio de medidas de corte de custos e estratégias de otimização de receita”. Um contraste claro com aquilo que realmente sonhamos quando somos crianças. Os comentários no Instagram da revista mostram o nível de identificação das pessoas, que complementam com outros “sonhos” sem sentido, deixando evidente o absurdo.

A ironia da charge revela algo sério: o quanto deixamos de lado a dimensão do sentido ao pensar as nossas organizações. Conversando com diversas áreas de recursos humanos de empresas de diferentes portes e segmentos – muitas delas conduzindo programas de transformação bem estruturados, com diagnósticos consistentes e ações assertivas –, o que percebo é um padrão: por trás de toda demanda técnica, há perguntas não formuladas. Para onde vamos juntos? E por quê? Como construir essa história junto com as pessoas?

Quando o tema é mudança organizacional, é comum que se fale de estratégia, produtividade e habilidades. Mas pouco tempo é dedicado à construção do sentido das transformações pelas pessoas, convidando-as a se conectar genuinamente ao processo. 

Por exemplo: mudanças de modelo operacional, que demandam mudanças de estrutura, redistribuição de tarefas e papéis, são reconhecidamente conflituosas. Dedicar tempo para construção de sentido com as pessoas, dando tempo para que elas conectem aspirações pessoais ao futuro que se vislumbra para o coletivo, é essencial para o engajamento.  

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No fundo, o que falta é uma disposição anterior à técnica: a de formular a pergunta certa. Jung dizia: “Qual é o mito que estou vivendo?”, e não porque existisse uma resposta precisa, mas porque sabia que a pergunta já era um início de transformação. É essa disposição que tem faltado no mundo do trabalho. Perdemos o costume de perguntar. E, com isso, perdemos a capacidade de encontrar o que realmente move as pessoas.

Em nome da eficiência, deixamos de considerar o sentido das coisas. E, quando ele não está presente no planejamento de uma transformação, é exatamente aí que ela fraqueja. O engajamento não vem, a comunicação não cola, as metas não se sustentam. 

Apoiar as pessoas na criação de sentido para aquilo que vivem – e para o que constroem no trabalho – é tão importante quanto treinar novas competências ou definir bons indicadores. Por ser tão pouco valorizado, hoje, podemos dizer que é até mais importante. 

Como escreveu Viktor Frankl: “Não se trata de injetar sentido nas coisas, mas sim de extrair o sentido delas, de captar o sentido de cada uma nas situações com que nos defrontamos”. No livro Sede de Sentido, o criador da logoterapia mostra como essa busca é o motor da existência. O sentido não é luxo nem abstração. É o que nos move. E pode ser encontrado mesmo em situações-limite, muito mais violentas do que as que enfrentamos hoje.

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Se isso vale para quem atravessa o impensável, imagine o que poderia provocar em um cotidiano corporativo que se autoriza a fazer perguntas mais reais.

Mas talvez não seja possível fazer essas perguntas com as ferramentas de sempre. Para recolocar o sentido no centro, precisamos ampliar o repertório. Sair da linguagem da performance e buscar apoio em outros territórios – como as artes, a filosofia, a psicologia.

“Você não fotografa com a sua máquina. Você fotografa com toda a sua cultura”, dizia Sebastião Salgado. A frase poderia muito bem ter saído de Frankl, que escreve: “O sentido é, pois, uma silhueta que se recorta contra o fundo da realidade. É uma possibilidade que se destaca luminosamente, e é também uma necessidade”. 

Ver com profundidade, agir com intenção – essa é a responsabilidade que nos cabe em cada situação concreta. E essa possibilidade de sentido é sempre, como a própria situação, única e irrepetível.

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É isso que nos diferencia. E talvez seja também o que nos preserva. Se eu fosse irresponsável suficiente para querer emplacar frases de efeito, eu diria: “Você não será substituído pela IA, mas por alguém que consiga dar sentido à transformação”.

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