Você é preocupado? Isso pode ser ótimo para sua carreira
O sentimento de preocupação sempre teve um peso negativo, mas, se bem gerenciado, pode ajudar no crescimento e nos processos de decisão profissionais
A febre é uma elevação da temperatura do corpo em valores acima dos considerados normais e funciona como um sinal de alerta: o sistema imunológico avisa que está combatendo alguma infecção. É um alarme natural. Do ponto de vista psicológico, quem faz esse papel de alertar que algo vai mal é a preocupação, um dos sinais da ansiedade.
Mesmo que seja vista como uma sensação negativa, ela é responsável por indicar que há ameaças externas que podem nos prejudicar. “Essas emoções cumpriram a função de proteger nossos ancestrais ao longo da evolução. Os que eram mais atentos e que prestavam atenção em sua volta conseguiram fugir de animais selvagens e se perpetuar por meio da seleção natural”, afirma Beatriz Brandão, psicóloga da Simplex Empresarial, empresa de gestão de consultórios, de São Paulo.
Embora hoje não existam animais selvagens à solta em busca de uma presa humana, a preocupação continua a ter uma função positiva — tese defendida pelos professores Kate Sweeny e Michael D. Dooley, da Universidade da Califórnia, num artigo publicado na revista científica Social & Personal Psychological Compass.
Para escrever o texto, a dupla estudou como esse sentimento afeta as pessoas em diferentes situações e perceberam que o sentimento pode ter um viés motivador e funcionar como uma espécie de “colchão emocional”, preparando os indivíduos para enfrentar situações difíceis. Um dos exemplos citados pelos pesquisadores é o de um grupo de graduandos da faculdade de direito que estavam aguardando o resultado dos exames. Aqueles que estavam mais tensos conseguiram analisar o boletim de maneira mais assertiva, independentemente das notas conquistadas. “A preocupação é, muitas vezes, desagradável. Mas, por ter experimentado essa sensação angustiante no momento da espera, qualquer coisa parece melhor quando acontece — mesmo que seja uma má notícia. Até a decepção se torna um alívio”, diz Kate.
Solução de impasses
Em níveis normais, a preocupação é o primeiro passo para que possamos resolver o que nos aflige. A palavra vem do latim praeoccupo e significa, simplesmente, “antecipar-se” — algo interessante, porque pressupõe que tracemos planos e tomemos cuidados diante dos imprevistos. “Essa é a parte produtiva do sentimento, que apresenta um viés de ação e nos move para solucionar pendências. O problema está na preocupação improdutiva, que paralisa e é apenas ruminação”, afirma Mariangela Gentil Savoia, psicóloga no Ambulatório de Ansiedade (Amban), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Aplicar esse viés de resolver problemas à carreira é uma boa atitude, pois ajuda os profissionais a ficar longe do comodismo e a se mexerem para encontrar soluções. “Preocupar-se em se manter atualizado e em agir de acordo com o código de conduta da empresa faz com que você se destaque e sobreviva no mercado”, diz Beatriz. Além disso, esse comportamento pode ser positivo para navegar bem no mundo cheio de transformações em que vivemos. “Os preocupados costumam ser mais pessimistas, mas levam em conta os riscos. Eles podem ser um bom contraponto no mercado”, diz Guilherme Barati, psicólogo clínico de São Paulo.
O empreendedor Pablo Linhares, de 38 anos, tem esse perfil. À frente da PLL, companhia de assistência técnica para empresas de telefonia com 700 funcionários e escritórios em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, ele costuma analisar os cenários possíveis para cada uma das decisões que toma. “Traço planos pensando em todas as possibilidades. Por isso, não costumo ruminar e sofrer. Quando algo dá errado, já estou pronto para reagir rápido”, afirma Pablo. Essa habilidade se mostrou especialmente relevante durante um dos momentos mais difíceis da empresa: o extravio da carga de um cliente. Como a logística era responsabilidade da PLL, Pablo precisou arcar com os custos e negociar uma solução. “Quando um problema acontece, a preocupação tem de surgir para que a gente consiga traçar rotas e consiga minimizá-lo”, diz o empreendedor.
Emoções sob controle
Para entender por que a preocupação tem aspectos negativos e positivos, é preciso compreender como uma adversidade pode ser interpretada por nosso cérebro. Considere que ele é dividido em três partes: o cérebro reptiliano, o mais primitivo e ligado a nossos instintos animais, como atacar ou fugir; o sistema límbico, responsável pelas emoções e sensações; e o novo córtex, que comanda nossas atividades racionais, de planejamento e resolução de problemas. O desequilíbrio ocorre quando a ansiedade sai do córtex e o sistema límbico começa a falar mais alto. “Quando estou com baixo desempenho no trabalho, posso deixar de ser racional, ficar com medo e criar teorias da conspiração”, diz Aristides Brito, neurocientista e coach da Marca Pessoal Treinamentos, de Santos (SP). “Muitas de nossas ansiedades não são reais, pois diminuímos nossa capacidade de solução ao transferir inseguranças e emoções com as quais não sabemos lidar.”
Para evitar essa situação, é importante externalizar os sentimentos que causam angústia. Isso ajuda a enxergar outros pontos de vista de um problema — sem que as emoções turvem nossa visão. E é exatamente assim que a nutricionista Dâmaris de Luca, de 39 anos, costuma agir. A profissional, que trabalha há 22 anos na LC Restaurantes, empresa de refeições coletivas em São Paulo, conta que o hábito de buscar outras visões sobre determinado assunto foi fundamental num dos momentos em que mais se sentiu pressionada na carreira. Em 2013, ela foi convidada a sair de sua área de atuação para comandar a diretoria de novos negócios, divisão recém-criada na companhia. “Sentia uma preocupação muito grande com o futuro, pois estava saindo da função em que eu estava há anos, teria de criar uma equipe do zero e gerir pessoas mais velhas e experientes do que eu”, diz Dâmaris. Sabendo que não daria conta sozinha, a profissional criou uma liderança mais colaborativa e organizou a rotina para ter momentos de relaxamento. “Procuro sempre resolver os problemas em grupo, envolvendo pessoas da minha área e de outros departamentos. Assim, consigo me distanciar, analisar e encontrar soluções sem sofrer e sem perder noites de sono.”
No meio do caminho
Por essa função estar intimamente relacionada à ansiedade, quando estamos preocupados liberamos uma série de hormônios no sangue, principalmente adrenalina e glucocorticoides, que aceleram os batimentos cardíacos e a respiração, secam a boca e nos deixam suando frio. Esse estresse no longo prazo pode levar a quadros crônicos de ansiedade ou a outras doenças e distúrbios alimentares. “Um indicativo de que a preocupação está além do nível considerado saudável e se tornando sem sentido é quando ela começa a atrapalhar ou impedir que você faça as atividades simples do dia a dia, como dormir bem”, afirma Mariangela.
Algumas pessoas são propensas a sofrer mais com a ansiedade diante de algum dilema. Entre elas estão as que apresentam baixa inteligência emocional, aquelas que sucumbem facilmente em situações mais exigentes ou as que têm um perfil controlador, não toleram a incerteza e querem tomar as rédeas de tudo. “O ideal é assumir uma postura de aceitação e adotar ações que minimizem a angústia. Por exemplo, não levar os problemas para a hora de dormir ou para o trabalho, procurar estar presente em todas as atividades e evitar a ruminação”, diz Mariangela. E, assim como a maioria dos sentimentos, o que vai determinar se a preocupação assumirá um lado bom ou ruim é o equilíbrio. No mundo ideal, não é a despreocupação o caminho que devemos almejar, mas a preocupação na medida certa.
ENTREVISTA
O LADO B
Kate Sweeny, psicóloga na Universidade da Califórnia e uma das autoras do artigo The surprising Upsides of Worry, defende que pessoas preocupadas podem ter desempenhos acima da média na escola ou no trabalho. A explicação é que, por buscarem mais informações e respostas nos eventos estressantes, elas conseguem estar preparadas para todos os cenários possíveis. Leia a entrevista que a pesquisadora deu a VOCÊ S/A.
No artigo, você afirma que suprimir a ideia fixa pode trazer mais angústia. Por que isso acontece?
Quando se trata de pensamentos, que são parte importante da preocupação, tentar não pensar em algo requer um processo
de monitoramento do fluxo mental para garantir que o assunto temido não apareça. Infelizmente, isso mantém o pensamento indesejável na mente e nos desgasta. O outro problema é que, às vezes, as pessoas se inquietam com a preocupação. Elas dizem a si mesmas que a preocupação delas é tola, inútil ou irritante. Certas ou não, elas dificultam ainda mais a perda de sossego, piorando uma situação que já era ruim.
Alguns estudos apontam que a preocupação está relacionada ao medo, que é, muitas vezes, irracional. Então, como ela pode ter o viés de traçar planos e alternativas?
A apreensão nem sempre é irracional — às vezes temos todos os motivos para nos preocupar. Mais importante ainda, esse sentimento serve para uma função relevante: nos pressionar a fazer algo sobre o que nos aflige, seja nos prevenindo, seja nos preparando. Claro, às vezes as pessoas se preocupam mais do que deviriam ou se preocupam tanto que isso interfere na vida.
Qual é o limite?
É difícil definir o nível “correto”, mas nós poderíamos descrevê-lo da seguinte maneira: preocupe-se o suficiente para servir de alavanca e não tanto até oprimir. Quando o sentimento é paralisante e esmagador, está fazendo mais mal do que bem. Nesse contexto, pode ser útil reconhecer que ele perdeu suas funções benéficas e se tornou uma forma de angústia. A terapia pode ser útil nesses casos extremos.
A angústia pode ser positiva mesmo quando estiver inserida num contexto em que a pessoa não pode fazer nada para mudar o rumo dos acontecimentos?
Sim. Os melhores exemplos de benefícios da preocupação são quando ela pode literalmente salvar sua vida motivando-o a fazer coisas boas para sua saúde ou evitando comportamentos nocivos. Não está no nosso controle, mas ao mesmo tempo esses comportamentos podem aumentar ou não nossa predisposição. E, mesmo quando o destino de alguém está completamente selado, a preocupação ainda pode nos motivar a nos preparar para os piores cenários.
É possível criar estratégias mentais para ter esse sentimento de maneira mais saudável?
Quando você tem uma ideia fixa, percorre uma lista de verificação mental. “Existe algo que eu possa fazer para evitar um mau resultado?” “Caso contrário, existe alguma coisa que eu possa fazer para me preparar para o pior?” Se a resposta para ambas as perguntas for negativa, sua preocupação provavelmente não está trazendo benefícios e é hora de encontrar uma boa distração.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, 33% da população mundial sofre de transtorno de ansiedade. Nesse cenário, falar dos efeitos positivos da preocupação não seria contraprodutivo?
O sentimento em si não é uma doença ou desordem, mas uma característica de vários transtornos. Por exemplo, pessoas que sofrem de transtorno de ansiedade generalizada (TAG) geralmente relatam preocupação intensa. No entanto, quase todos experimentamos preocupação em algum momento da vida e isso é normal.