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Por que as mulheres não chegam ao board?

Para resolver o problema da falta de equidade de gênero nas posições de alta liderança, é preciso mudar a mentalidade organizacional

Por Anna Carolina Oliveira
Atualizado em 23 dez 2019, 14h55 - Publicado em 29 nov 2017, 16h00

De acordo com um estudo da consultoria Deloitte, feito com mais de 7 000 companhias espalhadas pelo mundo, apenas 15% dos assentos dos conselhos de administração são ocupados por mulheres. A pesquisa Women in the Boardroom – A Global Perspective, apurada em 2015, ainda mostra uma situação pior no Brasil: uma representatividade de apenas 7,7%.

Mas por que, em uma época em que se discute tanto a importância da diversidade para os resultados dos negócios, isso ainda acontece? A explicação é que ainda existem crenças baseadas em heranças sociais e culturais de que as mulheres não são fortes o bastante para liderar. A saída para lutar contra esse mito é criar uma nova mentalidade.

Foi o que fez a farmacêutica Pfizer por meio de um trabalho de mudança de cultura organizacional que trabalhou, desde 2008, a questão e gênero por meio de workshops sobre preconceito inconsciente, pesquisas internas, palestras com especialistas no tema e questionamento de paradigmas.

Após quase dez anos, a empresa começa a colher os frutos: o número de mulheres em cargos de gerência e de diretoria passou de 23% em 2008 para 50% em 2016. No caso específico da posição de direção, as executivas representam 46% do quadro. “O esforço não foi do RH, da comunicação ou de alguma área isolada, foi de toda a organização”, diz Sheila Souza, diretora de recursos humanos.

Não ignore seu inconsciente

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Um dos motivos para o lento avanço feminino na hierarquia corporativa é a cultura sexista e conservadora da sociedade, responsável pelos estereótipos de gênero que são reafirmados diariamente nas diversas mídias, nos contextos familiares e, é claro, nos ambientes de trabalho. “É um fenômeno chamado de ‘teto de vidro’, uma barreira invisível, porém rígida, que limita o alcance de determinadas posições para determinados grupos”, diz Silvana Andrade, professora de gestão de pessoas do Ibmec, do Rio de Janeiro.

A questão do “teto de vidro” é complexa, pois se trata de um obstáculo nem sempre identificado, mas que está lá e cuja transposição é difícil. Prova disso é um estudo recente da Bain & Company, em parceria com o Linkedin.

A pesquisa, que levou em consideração as respostas de mais de 8 000 profissionais nos Estados Unidos, concluiu que o viés inconsciente e as normas culturais são responsáveis por criar um ambiente no qual mulheres que estão no meio da carreira demonstram uma propensão 41% maior de acreditar que não têm oportunidades iguais às de seus colegas do gênero masculino e uma tendência 20% maior a se sentirem desmotivadas na carreira. Pior que isso é o fato de que, nem sempre, a própria pessoa que passa pela dificuldade se dá conta disso.

Modelos reais

Ao longo dos anos de pesquisa, Silvana notou que não são todas as executivas que percebem – e reconhecem – os obstáculos relacionados à questão de gênero. “É uma forma de autodefesa, porque elas não querem expor tudo aquilo pelo que passaram”, afirma. No entanto, muitas vezes é justamente esse compartilhar de experiências vai fazer a diferença.

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Na multinacional de alumínio Novelis, por exemplo, a introdução de um programa de mentoring foi essencial para o desenvolvimento do potencial de liderança nas profissionais. “O sucesso da transformação cultural passa também pelo envolvimento masculino”, afirma Glaucia Teixeira, presidente de recursos humanos da Novelis da América do Sul, hoje com uma diretoria 40% feminina. O cuidado de incluir homens como mentores foi parte da estratégia da empresa de tornar o debate sobre equidade um assunto de todos. Isso é importante na medida em que, por serem maioria no topo do organograma, os homens têm um papel decisivo na condução da mudança.

No caso dos conselhos administrativos, a situação é ainda mais complicada, afinal as indicações partem, normalmente, dos homens. “Essas similaridades entre o conselheiro e os novos candidatos acabam influenciando na hora das indicações, apesar de estarmos cansados de saber que opiniões contrárias e pensamentos diversos enriquecem as discussões de negócio”, diz Heloisa Bedicks, superintendente-geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Teoria e prática

O conselho dos especialistas e das empresas que já alcançaram resultados interessantes não é falar exaustivamente sobre o assunto até os funcionários cansarem – isso, aliás, provavelmente causaria o efeito contrário ao desejado. “O caminho é a junção da teoria com a prática”, afirma Silvana Andrade, do Ibmec.

Pregar sobre a importância da equidade de gênero sem implantar medidas com efeitos mais imediatos é esperar por resultados de longuíssimo prazo – que podem até não aparecer. Por outro lado, mudar a cultura organizacional impondo programas goela abaixo ou motivado por uma “moda corporativa” de diversidade não vai surtir efeitos consistentes e perenes. O discurso depende da prática e o resultado concreto depende de ambos.

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