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O trecho mais polêmico da nova CLT prejudica parentes de vítimas da Vale

Entenda por que a família de um gerente morto na tragédia pode receber mais dinheiro do que a de um técnico, segundo a lei

Por Camila Pati
Atualizado em 19 dez 2019, 16h10 - Publicado em 28 jan 2019, 12h38

São Paulo – Uma das alterações mais controversas da Reforma Trabalhista deve atingir em cheio as indenizações por danos morais pagas aos familiares dos funcionários da Vale mortos e desaparecidos pelo rompimento da barragem do Córrego do Fundão, em Brumadinho (MG).

É que a nova CLT (artigo 223 G, parágrafo 1º) passou a estipular critério salarial para o pagamento de indenizações por dano moral limitando-as a até 50 vezes o valor do salário contratual do empregado.

A tragédia ocorrida na sexta-feira (25) está sendo tratada pelo Ministério Público do Trabalho como “o mais grave evento de violação às normas de segurança do trabalho na história da mineração no Brasil”  que resultou no pior acidente trabalhista já registrado.

Uma força-tarefa que inclui, além do MPT, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Ministério Público Federal (MPF), Advocacia Geral do Estado (AGE), Defensoria Pública do estado, polícias Civil e Militar de Minas, Defesa Civil e Corpo de Bombeiros foi montada para apurar responsabilidades criminal, civil e trabalhista da tragédia.

Nesta segunda-feira, 28, a juíza plantonista Renata Lopes Vale, da Vara do Trabalho de Betim, determinou o bloqueio de R$ 800 milhões da mineradora. O objetivo é assegurar as indenizações necessárias a todos os atingidos, empregados diretos ou terceirizados.

Dano material e dano moral

Aos familiares de empregados mortos em acidente de trabalho cabem dois tipos de indenização, segundo explica o advogado Gustavo Granadeiro Guimarães, sócio do Granadeiro Guimarães Advogados: indenização por danos materiais e indenização por danos morais.

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A indenização por dano material inclui a restituição de todas as despesas tidas em virtude do falecimento, tais como despesas com o funeral ou mesmo gastos médicos e uma quantia referente a uma porcentagem da remuneração que o trabalhador falecido receberia até a expectativa de vida média da população brasileira ou até atingir a idade para sua aposentadoria.

“Tudo aquilo que ele ganharia na vida de trabalho e vai deixar de ganhar é um dano material porque é um dano que a gente pode atribuir valor objetivo. Basta a gente multiplicar o valor do salário pela expectativa de vida do brasileiro”, explica Gustavo Granadeiro Guimarães.

A indenização por dano moral também pode ser pleiteada por aquelas pessoas que pertencem à esfera mais íntima das relações pessoais do trabalhador falecido, como os filhos, por exemplo. Ela repara um dano de cunho moral sofrido não pela vítima direta da ofensa, mas por pessoas próximas a ela.

Antes da Reforma Trabalhista, em vigor desde novembro de 2017, não havia nenhuma previsão de critério objetivo para calcular o valor da indenização trabalhista por dano moral. “A Reforma Trabalhista veio tentar justamente colocar um preço através de uma tabela”, diz Guimarães. Assim, está previsto na nova CLT a seguinte gradação:

Ofensa moral de natureza leve: indenização de 3 vezes o salário contratual do ofendido.
Ofensa moral de natureza média: indenização de 5 vezes o salário contratual do ofendido.
Ofensa moral de natureza grave: indenização de 20 vezes o salário contratual do ofendido.
Ofensa moral de natureza gravíssima: indenização de até 50 vezes o salário contratual do ofendido.

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Se o funcionário que faleceu ganhava 3 mil reais, por exemplo, vai receber até 150 mil reais. Mas se for a família de um gerente que ganhava 10 mil reais, aí já são 500 mil reais.  “Ou seja, o dano moral da pessoa está vinculado a quanto ela ganha. Uma pessoa que ganha menos sofre menos do que uma pessoa que ganha mais?”

Para Guimarães, trata-se do trecho da reforma de mais flagrante inconstitucionalidade. “É absurdo e não precisa ser operador do Direito para perceber. Existe uma expressão na nossa constituição que é o artigo 5º que fala todos são iguais perante a lei”, diz.

Esse tabelamento é motivo de uma ação direta de inconstitucionalidade movida pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, a ADI 5870, cujo julgamento está pendente no Supremo Tribunal Federal (STF).
Até que seja tomada a decisão, os familiares dos funcionários vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Fundão podem pleitear indenizações maiores na Justiça.

“As famílias já poderão pleitear a indenização no valor que entenderem necessário e já requererem que o juiz declare inconstitucional essa lei. Qualquer juiz pode declarar a inconstitucionalidade de uma lei”, diz. À Vale caberá a decisão de recorrer ou não para as instâncias superiores.

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