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Não se nasce pai, torna-se: A importância da licença-paternidade

As empresas ainda concedem (muito) menos tempo aos homens que para as mulheres quando nascem seus bebês. Uma realidade ruim para elas e para eles. Entenda.

Por Luana Franzão
Atualizado em 13 ago 2024, 10h20 - Publicado em 9 ago 2024, 09h00
A imagem mostra um adulto, visto de costas, carregando duas crianças pequenas, uma em cada braço, enquanto caminha em um campo de flores vermelhas. Ao fundo, outra criança está correndo em direção a algumas árvores. O céu está nublado, e as árvores estão inclinadas, possivelmente devido ao vento.
Tempo junto com os filhos no nascimento é uma oportunidade de conhecê-los (Juliane Liebermann/Unsplash)
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A

imagem daquele pai que sai cedinho para trabalhar e chega depois que as crianças já dormiram está cada dia mais demodê. A sociedade não quer mais saber do pai que só aparece para dar bronca, quando as da mãe não são suficientes para mudar o comportamento dos filhos. É o que gostaríamos de acreditar, pelo menos.

Ainda são muitos no Brasil que não têm a figura paterna presente. Segundo o Portal da Transparência do Registro Civil, 100.246 nascidos no país neste ano foram registrados sem o nome do pai na certidão de nascimento – cerca de 6,8% do total. Aqui, falando somente daqueles que não aparecem no documento, sem contar os que são pais no papel, mas não na vida cotidiana.

Todos os anos, no segundo domingo de agosto, muitos não encontram motivos para comemorar um dia dedicado à paternidade. Mas há quem queira plantar a sementinha na mudança neste cenário.

É o caso de Ricky Wu, gerente de Marketing Digital da Bayer Brasil. Pai de duas filhas, ele tirou alguns dias oferecidos pela empresa para acompanhar os primeiros momentos das vidas das meninas. Para ele, fez toda a diferença.

Quando seu filho nasceu, há sete anos atrás, a companhia possibilitava uma licença-paternidade de 20 dias a partir do nascimento da criança. 

Ainda que algumas funções nos primeiros meses recaiam invariavelmente sobre a mãe (o aleitamento materno, por exemplo), tarefa é o que não falta para compartilhar nesse período.

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A favorita de Ricky era a hora do banho. No início, a esposa tinha aflição de virar muito o bebê e colocá-lo na água. Acabou virando a função do pai durante e depois do fim da licença.

De três para quatro juntos

Há um ano, quando a segunda filha nasceu, o casal descobriu que teria dois meses à disposição para aprender a cuidar da caçula. Tirar todos os 60 dias off oferecidos pela Bayer não era o plano inicial do executivo – tendo em vista a primeira experiência, ele acreditava que 30 seriam suficientes.

Como cargos de gestão naturalmente servem de exemplo para as equipes, ele reavaliou a decisão e optou por tirar a licença-paternidade completa, de dois meses, como uma forma de exemplo para os subordinados.

“Não houve oposição. Eles [os colegas] acham legal a licença-paternidade. Meu próprio gestor me indicou tirar os dois meses e me assegurou que ia ser melhor”, relatou.

Foi então que conseguiu curtir a paternidade. Ele cuidava da filha promovida a irmã mais velha, enquanto a mãe exercia as atividades em que ela era insubstituível com a nova bebê. Os banhos, das duas, continuaram na conta de Wu.

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O casal percebeu que, apesar de muito útil, aqueles 20 dias de licença da primeira vez não foram suficientes para estabilizar a nova rotina. “As primeiras semanas são para apagar o incêndio. Depois é que conseguimos aproveitar.”

Wu acha que seu casamento também foi beneficiado pela licença. Poder estar próximo aos cuidados diminui situações de estresse – e aumentou a parceria. Após o parto, as mães passam por um período delicado física e emocionalmente, chamado puerpério. Ele dura, normalmente, entre 45 e 60 dias, e termina quando a mulher volta a menstruar depois da gestação. O apoio paterno é ainda mais crucial nesse momento.

Anos depois, a esposa confessou ao marido que, quando ele voltou a trabalhar 20 dias após o nascimento da primeira filha, ela sentia que ainda precisava de ajuda.

Ele afirma que estar presente nos primeiros meses de vida da segunda filha fez com que se sentisse muito mais próximo dela. E a temporada também reverberou na relação com a mais velha: ao estar em casa, perto das duas, ele pôde conhecê-las melhor. A conexão, ele espera, deve ecoar por uma vida inteira.

CFO: Chief Fathering Officer

Engana-se quem pensa que licença parental é férias. Tanto para o pai quanto para a mãe, esses dias são intensos – noites mal-dormidas, demandas incessantes e gritaria indistinguível. Ninguém é fluente em choro de neném. Talvez fosse mais fácil ler em árabe: mamá, cólica ou fralda suja?

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Cabe aos colegas entender que o companheiro está voltando da guerra, e não de um resort, ao fim da temporada em casa.

O hábito de passar dias em casa no nascimento dos filhos ajuda a naturalizar a paternidade na vida corporativa.

Ricky Wu, gerente de marketing da Bayer, afirma que estar presente nos primeiros meses de vida da filha fez com que se sentisse mais próximo dela.

Tem quem pense até hoje que contratar mulheres que são mães é B.O. Além da licença-maternidade, muitos acham que a carga de todos os cuidados recai sobre ela, o que seria um ônus à rotina profissional. Uma cultura empresarial que valoriza a paternidade ajuda a mostrar que um filho é responsabilidade compartilhada.

“Na Bayer, as pessoas já sabem que somos pais. É normal dizer que preciso levar minha filha ao médico, buscá-la na escola”, diz Wu.

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Para entender a importância

Quem afirma que a licença-paternidade é importante não é o pessoal do RH, é a ciência.

A revista Harvard Business Review divulgou a pesquisa de Darby Saxbe, professor de psicologia na University of South California (USC), sobre como a convivência de pais com os filhos durante os primeiros dias de vida pode, literalmente, mudar o cérebro paternal.

Ter filhos é uma das maiores janelas de neuroplasticidade possíveis na vida adulta. Ou seja, é um dos únicos momentos da vida adulta em que mudanças significativas podem acontecer nos fiozinhos da sua cabeça.

A obra de Saxbe leva a entender que a paternidade não é puramente instintiva. Ao ver seu filho pela primeira vez, não serão ativados espíritos primais, e você não vai entender de cara o que deve fazer.

Consegue adivinhar quando esses instintos paternais aparecem? Isso mesmo, com a convivência.

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Saxbe e a colega Sofia Cárdenas debruçaram-se sobre o assunto e enfatizam: não se nasce pai, torna-se. Tempo de qualidade é a chave do desenvolvimento do “cérebro paterno”. 

É hora de marcar um one-on-one com seu bebê. Os estudos da dupla mostraram que mais horas particulares com os filhos levam a um maior desenvolvimento dos pais – eles se tornam mais ágeis e rápidos nos cuidados com as crianças, e percebem situações de desconforto com mais facilidade.

Uma pesquisa de Saxbe comparou tomografias do cérebro de dois grupos de pais de primeira viagem: uma parte nos Estados Unidos e uma na Espanha, país onde a licença-paternidade é mais comum e mais extensa. Houve mudanças nos cérebros de ambos os grupos, mas imagens dos pais espanhóis mostraram diferenças significativas em regiões associadas à atenção prolongada, o que os prepara melhor para as demandas cognitivas da paternidade.

É um programa de treinamento para os neurônios: com os exercícios dos primeiros meses, está mais preparado para uma vida inteira lidando com as demandas cognitivas de ter filhos. E quanto mais longo e intenso o treinamento, mais afiado o atleta.

Estudos mostram que mais horas particulares com os filhos levam a um maior desenvolvimento dos pais – eles se tornam mais ágeis e rápidos nos cuidados com as crianças.

Falta definição legal

A licença-paternidade é um direito garantido pela Constituição. A lei prevê que o pai fica cinco dias longe do trabalho para cuidar do novo filho – e só. O inciso XIX do artigo 7º da Constituição Federal prevê cinco dias de licença, sem dizer se são corridos ou úteis, ou quando deve começar. Em geral, admite-se que o afastamento começa no primeiro dia útil depois do nascimento ou adoção do filho, e contam-se cinco dias corridos. 

Companhias que participam do programa empresa-cidadã devem ceder 20 dias aos pais.

A lei deveria ser melhor elaborada em algum momento, mas isso nunca aconteceu.

A lei não discorre sobre se a licença é concedida ou não quando filhos adotivos chegam aos novos lares. Em geral, interpreta-se que sim, uma vez que a Constituição equipara pais biológicos e adotivos. Se é direito de um, é do outro também.

Mas há mudanças

Há empresas que cedem mais do que dois meses de adaptação. Siemens, JP Morgan e Shell são exemplos de empresas que oferecem licenças-paternidade ainda maiores.

Na Bayer, o casal recebe um curso para pais antes da chegada do filho – biológico ou adotivo.

A licença-paternidade é direito garantido pela Constituição. Mas a lei prevê que o pai pode ficar apenas cinco dias longe do trabalho para cuidar do novo filho.

Na companhia, as licenças parentais também estão disponíveis para famílias LGBTQI+. O cuidador primário, apontado pelo próprio casal, tem direito a 180 dias de licença, enquanto o cuidador secundário tem direito a 60 dias. 

Por aqui, falamos pouco sobre a licença-maternidade, que tem suas nuances e questões específicas. Você pode ler mais sobre a importância do equilíbrio entre a vida parental e profissional nesta matéria, que foi capa da revista Você RH.

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