As histórias destas 6 mulheres são inspiração para todos os dias
Conheça as trajetórias e as lições de seis profissionais que estão transformando os setores em que atuam
Não são poucos os estudos que mostram a força da presença feminina nas empresas. Uma pesquisa da consultoria McKinsey, por exemplo, aponta que companhias com mulheres no time executivo têm probabilidade 50% maior de alcançar melhor desempenho financeiro.
E atingir a equidade de gênero poderia gerar um impacto de 1,1 trilhão de dólares no PIB da América Latina até 2025. Mas há um longo caminho a percorrer até que as oportunidades sejam, de fato, iguais.
As mulheres ainda são minoria em cargos de liderança, ganham 20,5% menos do que homens e convivem com preconceitos e olhares distorcidos quando direcionam a carreira para áreas conhecidas por ser “mais masculinas”, como tecnologia e finanças.
VOCÊ S/A selecionou a história de seis mulheres que estão mudando esse cenário e têm trabalhado para transformar o mundo — e o mercado de trabalho.
Sangue empreendedor
“O que minha bisavó e tantas mulheres negras faziam — e fazem até hoje — é dar conta da vida por meio de uma atitude empreendedora”, diz Adriana Barbosa. E ela segue esse caminho.
Adriana, que desde 2017 integra a lista dos 51 negros mais influentes do planeta, pelo Most Influential People of African Descent (Mipad), órgão que reconhece pessoas que mudam o mundo, lidera a Pretahub, aceleradora voltada para o empreendedorismo negro. “Cresci vendo minha bisavó criando formas de gerar receita, vendendo coxinhas e marmitex ou abrindo a porta de casa para torná-la um restaurante de comida caseira”, lembra.
Foi mais ou menos assim que, lá em 2002, nasceu a Feira Preta, evento de empreendedorismo negro considerado o maior da América Latina e que hoje faz parte da Pretahub ao lado de outros projetos, como o Conversando a Gente se Aprende e o Festival Pretas Potências.
Ao todo, as iniciativas da aceleradora já impactaram mais de 350.000 pessoas e movimentaram cerca de 4 milhões de reais. Só a Feira Preta atraiu, em 2019, cerca de 35.000 pessoas e contou com 170 empreendedores de dez estados brasileiros, além de países africanos e da América Latina.
O empreendimento começou quando Adriana estava desempregada, no começo dos anos 2000. Na época, a solução foi vender as próprias roupas em feiras e mercados alternativos para gerar dinheiro enquanto procurava outro trabalho.
E foi após um arrastão em que perdeu toda a mercadoria que surgiu a ideia de criar um evento para dar mais visibilidade a projetos criativos e negócios tocados por negros, com pouquíssima representatividade. “Ao longo dos últimos anos, a feira teve muito sucesso, mas cheguei a quebrar em 2016. O caminho é assim, cheio de altos e baixos”, afirma Adriana.
Segundo ela, apesar de ter sido um momento difícil e de reconstrução pessoal e profissional, a quase falência foi importante para o negócio chegar ao patamar atual. “Estávamos baseados em um modelo antigo. A geração havia mudado e precisávamos acompanhar.”
Talento aos 22 anos
Menos de 13% dos pedidos de patente do mundo são feitos por mulheres, e a perspectiva é que só chegaremos à paridade de gênero em 2070, de acordo com o Instituto de Propriedade Intelectual do Reino Unido (IPO). Mas, se depender de Rafaella De Bona Gonçalves, de 22 anos, estudante de design de produto, essa porcentagem vai subir mais rápido.
Ela desenvolveu um absorvente íntimo feito de material biodegradável, batizado de Maria. O projeto surgiu durante o TCC do curso de especialização em design — soluções de impacto para o futuro —, que a jovem fez no Centro Europeu, em Curitiba (PR).
Entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS), Rafaella optou por “acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares”. Assim, começou a pesquisar a situação dos moradores de rua e deparou com questões que só dizem respeito às mulheres, como a menstruação.
Ao se aprofundar no tema, chegou ao termo pobreza menstrual, problema mundial que possui pouca abordagem no Brasil. Segundo Rafaella, por não conseguir comprar absorvente e não ter acesso a água limpa, a maioria utiliza retalhos de tecido, sacolas ou papel higiênico, o que pode causar problemas de saúde e contribui para a desigualdade de gênero.
“Foi um choque para mim. Nunca havia pensado nessa questão. Decidi, então, que reinventaria o absorvente e tiraria do anonimato essas mulheres”, diz. Inspirada em uma empresa da Índia, ela desenvolveu um absorvente interno feito de fibra de banana que se adequa às condições das moradoras de rua.
No final de 2019, recebeu um investimento do Instituto Leme para patentear o produto. O projeto lhe rendeu dois prêmios: o alemão iF Design Talent Award e o brasileiro Mude o Mundo Como uma Menina, realizado pela Força Meninas, que, desde 2016, atua na capacitação de liderança feminina.
Mais espaço na TI
“Tive de quebrar barreiras para construir uma carreira em tecnologia. Muitas vezes, precisei adaptar a gestão e reafirmar meus conhecimentos e habilidades, por ser um setor mais masculino”, diz Carina Hernandes, consultora de proteção de dados e segurança da informação na Logicalis.
É aquele velho clichê de área de menino e área de menina, que acaba refletindo diretamente na escolha da profissão. A última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE mostra que só 20% dos profissionais que atuam no mercado de TI são mulheres.
Quando falamos em segurança da informação, isso é ainda mais evidente: 78% das jovens nunca pensaram na possibilidade de seguir carreira nessa área, segundo dados da Kaspersky Lab, empresa russa produtora de softwares de segurança para a internet.
Para Carina, ainda há muito desconhecimento sobre a área. “Quando converso com meninas no Cloud Girls, comunidade da qual participo que reúne mulheres para falar sobre tecnologia, percebo que TI e cibersegurança não são vistas como oportunidades para uma carreira sólida.
Frases como ‘nem sabia que existia essa opção’ ou ‘não tinha com quem conversar para tirar dúvidas’ são recorrentes”, diz. Para auxiliar nesse cenário, além dos encontros, Carina faz parte da WomCy — Women in Cybersecurity, organização associativa da América Latina formada por profissionais de segurança cibernética que visa aumentar a presença de mulheres no setor.
“A chance de passar minha experiência, preparando as meninas para lidar melhor com situações adversas, e de apresentar a elas outras opções para a carreira tem sido minha motivação neste trabalho”, afirma.
Para este ano, a ONG tem como meta consolidar os programas no segmento corporativo, com a realização de palestras, mentorias e colaboração para a publicação de vagas, e no educacional, por meio de conferências em escolas e universidades, atingindo mais de 1.000 pessoas.
Vontade de mudar o mundo
Nenhum obstáculo foi capaz de parar Mariana Vasconcelos, sócia fundadora e CEO da Agrosmart, plataforma de agricultura digital criada em 2014 em Campinas, no interior de São Paulo, reconhecida pelo Fórum Econômico Mundial como uma das 50 empresas mais inovadoras do mundo em 2019.
Formada em administração, Mariana começou a trabalhar aos 16 anos na padaria da família e sempre pensou que poderia ter um negócio global, que gerasse impacto. “A ingenuidade é ótima nesse sentido, pois você não dimensiona a dificuldade. Eu fui tentando e a cada dia chegava mais longe”, diz.
Antes de fundar a Agrosmart, ela esteve à frente de outros negócios de tecnologia e precisou ultrapassar desafios. “Já sofri muito com o preconceito, principalmente no começo. Lembro de uma rodada de negócios em que eu era a única mulher, e os investidores não paravam na minha mesa. Eles simplesmente pulavam. Mas não deixei isso me abalar.”
Para ela, as mulheres tendem a ter mais receio de ousar e, na maior parte do tempo, acabam buscando a aprovação dos outros. Mas é preciso lembrar que, mesmo quando não atingem o que esperavam, chegam longe. “Temos de seguir, mesmo com medo.”
O divisor de águas da carreira de Mariana aconteceu um ano após a criação da Agrosmart, quando ela ganhou uma bolsa de estudos na Singularity University, que funciona em um centro da Nasa no Vale do Silício.
A instituição de ensino reconheceu a solução inovadora da Agrosmart, que conecta um aplicativo de celular a sensores instalados na terra para que os agricultores saibam qual é a quantidade de água necessária para a atividade agrícola. E o reconhecimento não parou aí.
Em 2018, Mariana foi selecionada pela MIT Technology Review como um dos 35 jovens mais inovadores da América Latina. “O que me ajudou muito foi contar com uma rede de suporte — de agro, de tecnologia e de mulheres. Quando encontra pessoas que querem mudar o mundo e compartilham o mesmo propósito, você tem mais forças para avançar.”
Espaço para todas
Ana Paula Tomelin, CEO da Investweb, plataforma de crowdfunding que conecta investidores a negócios, vem trabalhando para aumentar a presença feminina à frente de empresas e abrir portas para outras mulheres no mundo da tecnologia e da economia. Para isso, realiza palestras e eventos ao longo do ano, seja por meio de sua empresa, seja pela participação em eventos pelo Brasil.
Em 2019, cerca de 2.000 mulheres participaram das iniciativas, que abordaram temas como mercado de investimentos, educação financeira e economia. Uma delas foi no Google. O evento contou com a participação de 1.000 mulheres e ofereceu suporte e inspiração empreendedora. “Meu maior objetivo é fazer com que as mulheres acreditem que, se quiserem, podem ser o próprio negócio e atuar em qualquer área. Há espaço para elas”, diz.
Ana Paula, aliás, acredita muito no potencial das profissionais. “Trabalhar com segurança é algo natural para nós, em consequência de toda a educação. E essa é uma das habilidades para atuar com investimentos. Isso sem falar no cuidado com as pessoas, característica bem feminina, que vem ganhando cada vez mais espaço nas companhias.”
Além de eventos realizados durante o ano todo, em 2020 ela passou a integrar o Grupo Mulheres do Brasil, liderado por Luiza Trajano. O projeto tem 12 comitês que tratam de temas como combate à violência contra a mulher, igualdade social da mulher negra, inserção de refugiados e empreendedorismo com foco em pequenas empresas.
Para o crescimento pessoal, a executiva reforça que o engajamento e o foco foram fundamentais. “É essencial estar dedicada àquilo em que acredita. Como um processo de autorresponsabilidade mesmo. Se você quer, precisa estar completamente inserida em todos os processos da empresa, do começo ao fim.”
Longe dos estereótipos
Aquele clichê de que homens têm mais habilidade do que mulheres em economia e números não faz o menor sentido para
, diretora de finanças do BNY Mellon, empresa americana de serviços bancários. Aliás, as corporações que buscam melhor retorno financeiro devem começar a considerar ter uma mulher à frente da área de finanças.
Depois de analisar 6.000 empresas do índice Russell 3000 nos últimos 17 anos, o S&P Global Market Intelligence mostra que, nos primeiros 24 meses depois da nomeação de diretoras financeiras, as companhias tiveram, em média, um aumento de 6% nos lucros, enquanto o preço das ações subiu 8% em comparação com o desempenho de predecessores do sexo masculino.
Essas mulheres geraram 1,8 trilhão de dólares em lucro acumulado extra.
Mas, para chegar à alta liderança, Patrícia precisou driblar o machismo e, como costuma explicar, “vestir uma armadura” para se destacar em um ambiente dominado por homens. “Entrei no mercado aos 21 anos, em 1992, uma época em que as mulheres tinham de se adaptar ao meio para conquistar espaço, como falar mais firme, ter uma postura mais agressiva e até se vestir de forma mais ‘masculina’ para se destacar”, diz.
Segundo ela, uma de suas estratégias para avançar na carreira foi usar a sensibilidade para saber a hora certa de colocar um assunto e a melhor forma de se posicionar. “Aprendi isso em casa com meu pai, que sempre foi de muitas regras, por ser militar.”
Outro pilar, que a acompanha até hoje, é o preparo. “Antes de qualquer atividade, seja uma reunião, seja uma palestra ou evento, eu estudo e faço anotações. Isso me dá mais confiança.”
Atualmente, a executiva divide seu tempo entre as atividades inerentes ao cargo e a atuação em ações que visem aumentar a participação feminina no mundo dos negócios. Por mais de quatro anos, liderou o grupo WIN, programa do BNY Mellon que busca a igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho.
Hoje, elas ocupam 41% do total de funcionários do banco e 45% dos cargos de gerência. “Sempre me interessei em empoderar outras mulheres, tanto formal quanto informalmente. Isso me alimenta e energiza.”