Mentoria para estagiários: vale a pena investir nesse formato?
Especialista da Companhia de Estágios analisa os prós e contras da prática que começa a ganhar espaço nas empresas brasileiras

No universo dos programas de estágio, uma prática que ganha força entre empresas preocupadas com a formação de talentos é a mentoria. Inspirada em modelos aplicados tradicionalmente à liderança, a mentoria para estagiários busca oferecer um espaço seguro de escuta, desenvolvimento e reflexão, desde que bem adaptada às necessidades desse público que acaba de iniciar a jornada profissional. Mas será que todo estágio exige esse tipo de apoio? E como, afinal, a mentoria se encaixa nesse contexto?
De acordo com a gerente de projetos da Companhia de Estágios, Jéssica Gondim, a mentoria para estagiários é uma ação complementar, com potencial para impulsionar o desenvolvimento e até ampliar a taxa de efetivação destes talentos, desde que não seja confundida com supervisão direta nem com trilhas de capacitação padronizadas. “O ideal é que o mentor não seja o gestor direto. Ele precisa estar fora da rotina de cobranças e resultados, justamente para favorecer um ambiente mais leve, propício a trocas e autoconhecimento”, explica.
Dados da pesquisa Perfil dos Estagiários e Candidatos a Estágio no Brasil 2024, da Companhia de Estágios, indicam que 48% dos jovens priorizam benefícios voltados ao desenvolvimento, como treinamentos e mentorias, ao escolher uma vaga. “Ao contrário das trilhas genéricas, a mentoria individual requer empatia, escuta ativa e conexão entre mentor e mentorado. Quando bem aplicada, ela pode ser um diferencial decisivo para o estagiário e uma estratégia inteligente para a empresa”, comenta Gondim.
Em um cenário de múltiplas demandas e orçamentos enxutos, cada companhia precisa avaliar: o que o estagiário realmente precisa para crescer e o que faz sentido no seu contexto?
Quando a mentoria pode ser uma boa ideia
1. Foco no autoconhecimento e nas decisões de carreira
Diferente da supervisão direta, a mentoria permite conversas mais profundas e menos formais. Pode ajudar estagiários indecisos a refletirem sobre sua trajetória e propósito, atuando como uma “guia de carreira”. Mas não é um bate-papo informal. Para garantir retorno, é essencial definir objetivos desde o início: será um apoio para o autoconhecimento? Um incentivo à decisão de carreira? Um caminho para fortalecer a cultura da empresa? A definição prévia do propósito evita frustrações.
A estrutura também importa: número de encontros, frequência, registro de trocas e regras de sigilo são pontos importantes para garantir equidade entre os mentorados e a eficácia do processo.
2. Visão ampliada sobre o negócio e a cultura da empresa
Estagiários costumam ficar imersos em suas áreas de atuação. A mentoria contribui para ampliar essa perspectiva, ajudando-os a compreender melhor o funcionamento da organização como um todo, promovendo uma visão estratégica do negócio e reforçando a cultura interna. Ela serve para criar uma ponte entre o estagiário e o mundo corporativo sem a rigidez das cobranças diárias. Por ser conduzida, em geral, por alguém de outra área, permite diálogos mais abertos sobre dúvidas de carreira, desafios emocionais e interesses profissionais de forma segura e construtiva.
3. Pode aumentar a taxa de efetivação e retenção
Diferentemente de uma trilha de desenvolvimento, a mentoria proporciona uma experiência personalizada a respeito da carreira, estabelecendo uma relação que se ampara em valores de segurança, aprendizado e senso de pertencimento. Por este motivo, os programas de mentoria contribuem para a retenção de talentos e podem preparar melhor os jovens para oportunidades de efetivação. Estas trocas podem ajudar estagiários indecisos sobre qual área seguir, reforçar a visão estratégica e estimular o interesse por novas oportunidades dentro da empresa.
Quando não é o melhor caminho
1. Possibilidade de sobrecarregar o estagiário
Se a empresa já oferece uma trilha robusta de desenvolvimento, com treinamentos e projetos finais, a mentoria pode ser apenas mais um peso. Vale lembrar que estagiários também têm faculdade e entregas diárias. Sobrecarregá-los com múltiplas iniciativas pode ser contraproducente.
2. Risco de gerar falsas expectativas
Empresas que não têm vagas abertas ou estrutura para absorver todos os talentos podem gerar frustração se venderem a mentoria como porta de entrada garantida para a efetivação. Mentoria para estagiários deve ser muito diferente das mentorias para líderes, que já possuem bagagem e experiência prévia. Estagiários, em geral, precisam de mais direcionamento. Por isso, o modelo aplicado a essa etapa da carreira deve ser adaptado, com suporte de agentes de integração e uma curadoria cuidadosa de perfis, garantindo o famoso “match” entre mentor e mentorado.
3. Falta de estrutura pode prejudicar resultados
Mentores precisam de bagagem, tempo de casa e domínio técnico. Além disso, os objetivos da mentoria precisam estar claramente definidos, bem como os critérios para avaliar se foram alcançados. É muito importante que os mentores de estagiários recebam orientações claras sobre o que se espera deles: como conduzir os encontros, manter confidencialidade e registrar as informações. Sem esse preparo, o programa pode gerar ruídos, ou até desmotivar o estagiário.