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Fundador da The School of Life explica o conceito “bom o suficiente”

Para David Baker, um dos fundadores da The School of Life no Brasil, entender que não somos perfeitos é importante na busca pelo autodesenvolvimento

Por Bárbara Nór
Atualizado em 5 jul 2020, 15h00 - Publicado em 5 jul 2020, 15h00

Matéria originalmente publicada na Revista VOCÊ S/A, edição 264, em 07 de maio de 2020. 

Pode parecer um contrassenso, mas um dos fundadores da filial brasileira da The School of Life (TSOL), que ficou conhecida por sua ampla grade de cursos voltados para o autoconhecimento, acredita que estamos exagerando na busca pelo desenvolvimento pessoal. Quem pensa assim é David Baker, coach, professor e jornalista fundador da revista de tecnologia Wired.

Para ele, precisamos equilibrar o aperfeiçoamento profissional com períodos de relaxamento e temos de parar de supervalorizar a carreira. E a crise do novo coronavírus pode ser o momento para repensarmos nossa postura. “Na Roma antiga, o trabalho era algo que as pessoas só faziam quando era realmente necessário. Talvez precisemos ser um pouco mais romanos agora no isolamento”, diz David, em entrevista para VOCÊ S/A. Leia nossa conversa com ele.

O que você acha de nossa busca pelo autodesenvolvimento? Estamos exagerando?

Sim. Nossa sociedade nos dá a impressão de que precisamos continuamente nos esforçar para ser melhores e melhores em quase tudo. O Alain de Botton, um dos fundadores da The School of Life, faz uma observação muito boa: estamos sempre nos comparando com os outros, mas o problema é que normalmente nos comparamos com pessoas que, em nossa opinião, são melhores do que nós. Elas têm um emprego melhor, uma casa melhor, uma vida cultural mais descolada, leem livros melhores. Ficamos continuamente ansiosos, porque sempre sentimos que não estamos de fato sendo bem-sucedidos.

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O que podemos fazer para lidar com isso?

A primeira coisa é exercitar o olhar para ver o que já temos para ser felizes. Pelo menos uma vez ao dia poderíamos pensar naquilo que temos mais do que outras pessoas, para nos compararmos com quem está pior do que nós.

Vivemos um momento difícil por causa da pandemia da Covid-19, que colocou o mundo todo em quarentena. Como estamos reagindo?

Na verdade, estou um pouco preocupado, acho que os próximos meses vão ser bem difíceis para todo mundo. Não estamos prontos nem emocionalmente nem fisicamente. Existem os perigos na economia, sobre os quais não podemos fazer muito a respeito. O problema de ficar em casa é o confinamento solitário — uma situação terrível para os seres humanos. Vamos precisar de inteligência emocional para ajudar a nós mesmos e uns aos outros a superar isso.

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Durante o período de isolamento, houve muitas postagens nas redes sociais incentivando a fazer cursos, participar de lives e consumir todo tipo de conteúdo. O que acha disso?

Mais do que usar esse tempo para melhorar habilidades, poderíamos utilizar o período para aumentar nossos interesses. O perigo é que podemos ficar um pouco frenéticos ou em pânico sobre termos de continuar melhorando e melhorando. Uma pessoa que pode nos ajudar a pensar sobre isso é um psicanalista inglês do século 20 chamado Donald Winnicott. Ele tinha essa expressão maravilhosa, “boa o suficiente”, que desenvolveu ao trabalhar com mães que morriam de medo de não ser mães perfeitas. Elas lutavam para se tornar melhores e ficavam muito ansiosas, o que acabava piorando a relação com os bebês. Donald mostrou a elas que poderiam ser mães boas o suficiente, e acho que essa é uma ótima ideia.

Como funciona esse conceito de “bom o suficiente”?

Não importa se somos imperfeitos. Isso nos liberta de muita coisa. Faz com que essa busca pelo desenvolvimento se transforme de uma corrida para uma espécie de curiosidade — algo mais relaxado e positivo. É uma boa ideia querer melhorar nossas habilidades e interesses, ler mais livros e ver mais filmes. Mas é muito importante entender que nunca vamos conseguir ler todos os livros, nem ver todos os filmes ou falar todas as línguas. Nunca vamos fazer tudo isso perfeitamente, então temos de aceitar que o que fazemos é bom o suficiente. Essa é uma permissão para relaxar.

Algumas pessoas relatam se sentir culpadas quando acham que poderiam se dedicar mais. Como encarar essa sensação?

A culpa é um sentimento muito interessante. Ela toma conta de nós, mas temos de entender de onde ela vem. Há a culpa útil e a inútil. Se uma pessoa tem um conjunto de valores nos quais acredita fortemente e, em algum momento, faz algo que vai contra esses valores, ela se sente culpada. Por exemplo, eu acho importante prestar atenção em como meus amigos estão neste período de isolamento, porque a conexão é um valor importante para mim. Se eu negligenciar meus amigos, me sentirei culpado, porque terei ido contra um valor. Nesse sentido, a culpa pode ser muito útil, porque nos lembra quando estamos indo contra o que acreditamos.

Quando a culpa é menos útil?

Há muitos valores que vêm de fora e nós simplesmente aceitamos sem refletir. Um deles vem do capitalismo e é o que chamamos de work ethic (“ética de trabalho”). É uma ideia muito forte que afirma que, se você não está trabalhando, está perdendo tempo. Posso questionar se acredito nisso ou se, na verdade, gosto de trabalhar bem durante um tempo limitado — e, na outra parte do tempo, gosto de aproveitar o lazer. Nesse caso, meu valor interno é diferente do valor cultural.

Sócrates disse algo como “precisamos perguntar a nós mesmos se estamos vivendo a vida que queremos ou a vida que outros querem que vivamos”. Essa pergunta é uma ferramenta bastante interessante para quase tudo o que fazemos. A cultura e a sociedade nos mandam muitas mensagens sobre como deveríamos viver.

Mas há a preocupação de que, se relaxarmos demais, poderemos ficar para trás na carreira.

Concordo. As pessoas sentem isso e dizem “vou ficar para trás”, “vou perder oportunidades”. Mas existem fatores importantes para as progressões de carreira: as habilidades particulares do cargo e como a pessoa se comporta no trabalho. Quando eu era gestor [na revista Wired, no Reino Unido], era muito claro para mim que a habilidade que alguém trazia ao se candidatar para uma vaga importava menos do que como ela se comportava como colega de trabalho.

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Os que gostam de trabalhar com os outros têm um conjunto mais universal de habilidades, como comunicação, empatia e escuta. São coisas que até podemos ensinar, mas que, na verdade, aprendemos em nossos momentos de lazer. Quando passamos mais tempo com os amigos, passamos a escutar os outros melhor. Quando sobrevivemos isolados no apartamento, podemos nos tornar melhores no autoconhecimento. O mundo fora do trabalho nos dá habilidades muito importantes para o trabalho.

E como fazer para não acabar transformando nossos momentos de lazer em mais trabalho?

Se gosto de caminhar, mas sinto que preciso ser produtivo, talvez eu leve o celular para escutar um podcast. Mas, na verdade, isso meio que estraga a caminhada, que não vai ser tão relaxante assim. Então por que não deixar o celular em casa quando for caminhar e ver o que acontece? Muitas vezes fazemos algo para descansar, mas depois descobrimos que não desligamos de verdade, porque estivemos fazendo outras coisas ao mesmo tempo. Precisamos encontrar individualmente qual é nossa proporção ideal entre trabalho e relaxamento. Só podemos fazer isso experimentando.


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