Estes são os erros por trás da implantação de metodologias ágeis
Julian Birkinshaw, professor da London Business School, defende que implementar metodologias ágeis sem nenhuma burocracia traz risco para as companhias
Matéria originalmente publicada na Revista VOCÊ S/A, edição 263, em 08 de abril de 2020.
Nos últimos anos, as metodologias ágeis se tornaram uma constante nas empresas, com squads, times multidisciplinares e post-its espalhados por vidros e paredes. Mas, para Julian Birkinshaw, professor de estratégia e empreendedorismo na London Business School e diretor do Instituto Deloitte, braço de educação da consultoria Deloitte, é preciso estar atento aos riscos da tendência.
O principal deles é perder o controle da organização, com projetos desconexos e equipes que, apesar de criativas, tomam decisões ruins para o negócio. Autor do livro Fast Forward: Make Your Company Fit for the Future (ainda sem tradução no Brasil), Julian disse em conversa com VOCÊ S/A que, embora importante na nova economia, a agilidade não pode desconsiderar conceitos como burocracia e meritocracia.
O que é a cultura de fast forward e por que ela é tão importante para as empresas?
Na era industrial vimos um aumento da burocracia; na era da informação, a ascendência da meritocracia; e agora, o surgimento da
adhocracia, que é a gestão ágil baseada em projetos não permanentes. Passamos por tempos instáveis e de rápidas transformações. Por isso, a cultura de fast forward, ou de avanço rápido, faz com que os profissionais se sintam empolgados, capacitados e adaptados ao que está acontecendo. Trata-se de levar para todos os funcionários o sentimento de responsabilidade por suas ações e de oportunidade de crescimento. E a importância disso está na vantagem evolutiva da companhia de conseguir mudar e tomar decisões rápidas de acordo com as demandas do momento.
A adhocracia é uma maneira melhor de gerenciar do que a burocracia ou a meritocracia?
Ela é, com certeza, uma alternativa interessante tanto para a burocracia quanto para a meritocracia. Mas é importante ressaltar que todos os modelos de gerenciamento têm seu tempo e lugar dentro das empresas.
Pode dar um exemplo?
Fiz um trabalho de consultoria com a empresa King Entertainment, criadora do jogo Candy Crush Saga. Expliquei a eles sobre o modelo da adhocracia e, ao final, eles me disseram: “Nós entendemos a metodologia, mas a última coisa de que precisamos agora é mais agilidade”. Isso aconteceu porque eles são uma empresa jovem, com pessoas muito criativas e independentes. Eles estavam em um estágio diferente da jornada dos negócios e precisavam passar para uma gestão mais burocrática. É comum observar companhias pequenas acostumadas aos métodos ágeis ficarem paralisadas, ao crescer, em uma combinação de meritocracia e burocracia. É preciso encontrar um equilíbrio.
Quais são os principais desafios da adhocracia e do agility?
Existe um desafio principal na hora de implementar esses sistemas: o comportamento reativo das pessoas. Por isso, é essencial criar nos funcionários uma mentalidade de trabalho em equipe, de autonomia e de responsabilidade. Além disso, percebo um desafio secundário: se você for muito bem-sucedido em implementar esse novo modelo de gestão dentro da operação, existe o risco de criar centenas de empreendedores dentro de sua empresa. Nós temos exemplos como Google e Uber, que há alguns anos permitiram muitos experimentos e acabaram perdendo um pouco o controle. Quando isso acontece, a organização pode virar um caos, com vários projetos desconexos. Isso é raro, porque a maioria das empresas não consegue colocar totalmente em prática a metodologia ágil, mas, se fizerem bem e sem tomar nenhum cuidado com isso, poderão acabar criando um monstro.
Como as equipes podem adotar a adhocracia?
Por definição, esse time precisa ser auto-organizado. Ou seja, fazer escolhas, realizar as reuniões que julga importantes e testar rapidamente suas ideias com os clientes. E a verdade é que esse conceito já existe há muitos anos. Antes, eram chamadas de equipes auto-gerenciadas. Hoje, chamamos de equipes ágeis. Mas o grande problema não está em criar um time assim, e sim na gerência.
Por quê?
Todo grupo gosta da ideia de estar no comando, de ter liberdade, autonomia e oportunidade de fazer diferente. A questão é que, ao mesmo tempo em que você tem pessoas querendo ser autônomas, você possui muitos gerentes que gostam de estar no controle, definindo metas e prazos. E um time ágil adequado define o próprio ritmo e não pode ter como alvo atingir metas. Ou seja, a liderança é um desafio.
E o que fazer para lidar com esse desafio?
Investir em treinamentos e melhorar as escolhas de quem vai assumir uma posição de liderança dentro da companhia. E essa é a parte complicada. Em minhas apresentações, eu conto um pouco sobre o trabalho de consultoria que fiz com o banco holandês ING. A etapa mais difícil no processo de transição para a metodologia ágil foi encontrar profissionais para as novas funções gerenciais dentro do conceito ágil, porque os chefes antigos haviam saído e a direção precisou promover um monte de jovens sem experiência de liderança.
É por esse tipo de situação que a transição para o modelo ágil é sempre tão complicada?
A verdade é que ninguém gosta de mudanças e existem muitas fontes de resistência. Em geral, as companhias são muito boas em repetir o que era feito antes, e, para que continuem como sempre foram, os líderes impõem cada vez mais regras. Quando olho para empresas que experimentam metodologias de trabalho diferentes, vejo-as dando dois passos para a frente e um passo para trás. Ou seja, elas tentam coisas novas, experimentam novos modelos, novas formas de trabalhar e, quando algo dá errado, abandonam tudo o que foi feito até então e voltam para o método tradicional. E isso acontece o tempo todo, é algo que se repete.
Muitas empresas têm dificuldade de se modernizar. Foi o que aconteceu com Kodak, Nokia e Blockbuster. Como evitar isso?
A verdade é que a responsabilidade pelo sucesso está no topo da empresa. Não basta os executivos estarem cientes das mudanças que estão acontecendo no mundo dos negócios, eles precisam ter conhecimento da organização e dos obstáculos que estão impedindo as equipes de realizar as transformações necessárias. Eu acredito que as companhias estejam melhorando nesse aspecto. O crescimento de aceleradoras e incubadoras dentro das grandes empresas é um exemplo de como elas estão aproveitando parcerias com startups para se beneficiar de sua velocidade para se mover mais rápido no mercado.
Mas é possível abraçar o novo sem negligenciar os negócios tradicionais?
É necessário garantir a qualidade e o controle de negócios tradicionais à medida que nos adaptamos às novas tecnologias. E a melhor maneira de fazer isso é criando uma separação clara entre o antigo e o novo. As pessoas que dirigem os negócios antigos precisam continuar acreditando que são importantes e investindo para manter sua eficiência e qualidade. Se voltarmos um pouco à pergunta anterior, sobre companhias que não conseguiram se adaptar, a Kodak, por exemplo, errou em dois momentos: primeiro ao não ser capaz de criar uma oferta comercial no mundo digital; depois ao tirar o olho da bola, esquecendo-se do negócio tradicional e desistindo da fotografia impressa muito cedo.
Muito tem se falado sobre os millennials e a geração Z. Você acredita que eles estão de fato mais abertos às mudanças ou isso não é uma questão geracional?
Se você me perguntar como acadêmico, eu diria que não há evidências de que as gerações Y ou Z sejam realmente diferentes da X ou dos baby boomers. Mas isso não significa que não existam distinções entre eles. O que nós estamos vendo é que os profissionais mais novos são mais abertos, comunicam-se de forma transparente e são mais próximos da liderança. E isso, com certeza, influencia de alguma forma no gerenciamento da organização. Só que um ambiente ágil pode mudar de empresa para empresa, de cultura para cultura. Quer dizer, não dá para dizer que os mais velhos não conseguem se adaptar a um novo modelo de negócios. Acho um tanto simplista rotular uma geração inteira dessa forma.