Relâmpago: Assine Digital Completo por 1,99/mês

Como se destacar quando todo o processo seletivo usa IA

Para o RH e para as lideranças, a tarefa agora é diferenciar quem realmente move o ponteiro de quem apenas aprendeu a imitar a linguagem certa.

Por Fábio Cassettari, em colaboração especial com a Você S/A*
11 ago 2025, 08h00
Foto aproximada de mulher mexendo no celular, fibras óticas saem da tela.
 (Qi Yang/Getty Images)
Continua após publicidade

Triagem algorítmica, currículos “perfeitos” e entrevistas assistidas por bots já são rotina. Do lado de cá do Outplacement, vejo isso todos os dias: quem seleciona usa IA, quem se candidata usa IA e, muitas vezes, quem faz a primeira leitura do seu material também é uma IA. É o espelho contra espelho — e tudo parece igual. Como numa corrida em que quase todo mundo usa o mesmo tênis de alto desempenho, o equipamento já não decide. O que separa quem avança de quem fica no caminho é treino, estratégia e consistência.

A tecnologia nivelou a forma. Com as ferramentas generativas, ficou fácil produzir um CV bem diagramado, uma carta impecável e respostas polidas para perguntas clássicas. O efeito colateral é previsível: cai o contraste entre candidatos. Quando tudo soa “profissional de revista”, o que passa a valer é o que não se fabrica em um prompt — evidência do seu impacto, clareza de raciocínio e uma autenticidade que possa ser verificada. Para o RH e para as lideranças, a tarefa deixou de ser encontrar o texto mais bonito; agora é diferenciar quem realmente move o ponteiro de quem apenas aprendeu a imitar a linguagem certa.

O mapa da mina

É aqui que mudo a conversa com os profissionais que acompanho. Em vez de “Vamos melhorar o seu currículo?”, a pergunta é “O que, de verdade, só você entrega?”. A resposta raramente está em adjetivos. Está em histórias curtas com números, contexto e critérios de decisão. Quando organizamos a trajetória em três casos bem definidos — o problema que você enfrentou, o que fez, o que mudou, como mediu e em que contexto — a candidatura ganha densidade. Não é sobre listar tarefas, é sobre demonstrar como você pensa e o que acontece quando você entra em campo.

Funciona porque quem está do outro lado também se cansou do texto perfeito e genérico. Em uma seleção recente, recebemos mais de cem candidaturas com a mesma cadência, os mesmos termos e a mesma “voz”. O shortlist mudou quando pedimos duas coisas simples: evidências verificáveis (um deck com dados anonimizados, um print de antes e depois, um gráfico com métrica relativa) e uma sessão de trabalho de vinte minutos com um problema reduzido. O brilho do acabamento caiu e o raciocínio apareceu. E quando o pensamento aparece, a decisão fica mais clara.

Personalizar, nesse contexto, não é trocar o nome da empresa na carta. É estudar a dor específica daquela área — produto, operação, comercial — e traduzir um dos seus casos para essa dor, com um ganho plausível. Uma boa candidatura, mesmo sem dizer explicitamente, comunica: “O seu problema é X; eu já resolvi X em um cenário parecido, assim, para você, estimo Y”. Quando um candidato faz isso, a taxa de resposta sobe. Vemos isso na prática, semana após semana, com executivos em transição: o e-mail deixa de ser mais um e vira convite para conversa.

Continua após a publicidade

Seja autêntico e objetivo

Outro ponto é devolver humanidade ao processo sem brigar com a tecnologia. Eu gosto do exercício do pitch de sessenta segundos: grave em vídeo ou áudio como você enfrentaria os primeiros 30, 60 e 90 dias no cargo. O que entenderia primeiro? Que hipóteses testaria? Quais trade-offs esperaria? Sem teleprompter, sem frase feita. Quem contrata quer enxergar priorização e critério. Quando preparo clientes para entrevistas, o salto acontece quando eles param de performar respostas e começam a raciocinar em voz alta. É nesse momento que a pessoa sai do coro e vira protagonista.

A mesma lógica vale para a carta de apresentação. Eu a substituí, há algum tempo, pela carta de hipótese. Em vez de prometer resultados, proponha duas ou três alavancas que você exploraria no papel. “Reduzir retrabalho no squad A atacando o gargalo em qualidade com tal teste nesta etapa.” “Aumentar conversão mexendo no ponto X do funil com um piloto de duas semanas.” Hipótese não é bravata — é clareza de caminho. E clareza, hoje, é sinal forte de senioridade.

Também peço uma peça que muita gente evita: o erro que virou método. Algo que não funcionou, como você diagnosticou, o que mudaram depois e como esse aprendizado passou a orientar decisões. Esse bloco é poderoso porque revela maturidade e antifragilidade. E, de quebra, é difícil de falsificar com IA. Em um processo para Produto Digital, um candidato venceu não por ter a história mais redonda, mas por abrir o rascunho da versão 1, explicar por que a versão 2 nasceu e o que faria na versão 3. Rastro de pensamento pesa.

Continua após a publicidade

Há ainda um lado tático na abordagem. A automação levou muita gente a disparar currículos no volume. Eu prefiro a persistência inteligente. Para cada vaga, três toques em três canais: candidatura formal, contato com o gestor (ou um par da área) e contato com RH — cada um levando um valor diferente (um case, uma hipótese, uma evidência). Não é spam, é orquestração. Quando fazemos isso de forma respeitosa e objetiva, a diferença aparece no funil.

Via de mão dupla

Do lado das empresas, a evolução é complementar. Provas práticas que avaliam pensamento, não acabamento. Transparência sobre o uso aceitável de IA nas etapas. Scorecards que dão peso para contexto, critérios de decisão e métricas, acima de adjetivos. Referências estruturadas com perguntas situacionais e marcadores checáveis, em vez de opiniões soltas. E checkpoints humanos curtos e consistentes, mesmo com uma boa triagem algorítmica. Quando o desenho do processo muda, o talento real emerge com muito menos ruído.

Se tudo isso parece trabalho a mais, é porque é mesmo. Competição alta e padronização exigem preparo. Mas também é o caminho mais curto entre você e uma oportunidade melhor. Em um programa que conduzimos após uma reestruturação, uma líder de Operações saiu de zero entrevistas com um CV “perfeito” para quatro convites em dez dias ao reorganizar a narrativa em três casos de impacto, gravar um pitch de um minuto e enviar uma carta de hipótese para a dor central do negócio. A proposta chegou na terceira semana. Não foi sorte, foi método.

Continua após a publicidade

No fim, a IA continua no processo — e ainda bem. Ela reduz ruído, amplia acesso e acelera etapas. Mas a diferenciação, agora, mora na substância: autenticidade com evidência, clareza de pensamento e velocidade de aprender. É assim que você deixa de ser apenas mais um texto excelente e passa a ser a pessoa que resolve o problema certo, do jeito certo, no ritmo certo. A pergunta não é se a IA vai participar da sua próxima candidatura; é como você vai usá-la para mostrar o que só você entrega. E quando a substância aparece, a conversa muda de patamar. Segue o jogo.

*Fábio Cassettari é Sócio‑Diretor da Career Group e há mais de 15 anos impulsiona carreiras e potencializa lideranças em grandes organizações.

Compartilhe essa matéria via:
Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

ECONOMIZE ATÉ 65% OFF

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 6,00/mês*

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.