Como driblar o etarismo e crescer na carreira
O mercado de trabalho ainda olha torto para profissionais que já dobraram o cabo da meia-idade – mas quem une experiência, atitude e aprendizado constante pode virar o jogo. Saiba como manter sua relevância, combater o preconceito e continuar evoluindo.

pós décadas transitando entre ocupações de naturezas diversas – de vendedor a operador de balsa – e vários fracassos, Harland Sanders começou a vender sua receita de frango frito de porta em porta para restaurantes. Não foi sucesso imediato. Pelo contrário. Rejeitado mais de mil vezes, ele persistiu até encontrar quem acreditasse em seu produto. Foi só em 1952, quando ele já tinha 65 anos, que Coronel Sanders, como ficaria conhecido, fundou oficialmente o KFC, que se tornaria uma das maiores redes de fast food do mundo, presente inclusive no Brasil. Seu rosto ainda hoje é o símbolo da marca.
O empreendedor americano é a prova de que panela velha também faz comida boa. Mas nem toda empresa aposta em profissionais maduros para suas equipes. Algumas não abrem nem as portas.
Imagine a cena: você está em uma entrevista de emprego, com um currículo impecável, 30 anos de experiência e muita vontade de contribuir. Mas, do outro lado da mesa, o olhar do recrutador diz o que ele não ousa falar em voz alta: “será que essa pessoa está atualizada? Vai se adaptar ao time mais jovem?”. Essa é a realidade de muitos profissionais com mais de 50 anos no Brasil. O nome disso é etarismo, o preconceito baseado na idade. E ele é mais comum do que se imagina.
Segundo uma pesquisa do Infojobs, 82% dos profissionais acima de 50 anos afirmam já ter sofrido discriminação etária no trabalho. Já o estudo “Diversidade nas Empresas”, da PwC, mostra que apenas 8% das organizações possuem programas de inclusão para profissionais mais velhos.
E isso é um baita problema para o mercado de trabalho. Segundo o IBGE, até 2040 o Brasil terá mais pessoas acima dos 50 que abaixo dos 15 anos. Ou seja, mão de obra experiente não vai faltar, e isso em tempos nos quais muitas empresas têm torcido o nariz para a geração Z, com o argumento de que os mais jovens seriam mimados, descomprometidos e sem ambição de ascender na pirâmide hierárquica da companhia – o que pode ser perigoso diante de uma necessidade de sucessão bem feita.
A contradição é clara: enquanto o mercado clama por experiência, ele mesmo cria barreiras para quem mais tem a oferecer nesse quesito.
Mas nem tudo está perdido. A boa notícia é que você pode, sim, seguir crescendo, se reinventando e mantendo sua relevância profissional após os 50. E isso não significa abrir mão da sua história, mas sim usá-la como diferencial.
Antes de chegarmos a essas dicas, vale identificar os desafios que o mercado impõe cada vez mais aos profissionais maduros. É o que veremos a seguir.
Velado ou explícito, o preconceito está lá
“O etarismo é a forma mais disseminada de preconceito experimentada pela população do Reino Unido.” A afirmação é de Dominic Abrams, professor de Psicologia Social na Universidade de Kent. Em uma pesquisa conduzida pela universidade, 29% dos entrevistados relataram ter sofrido discriminação por idade, uma proporção significativamente maior do que a sofrida por gênero ou raça.
Apesar de ser crime previsto na legislação brasileira (pela Lei nº 9.029/95), o etarismo ainda é um dos preconceitos mais silenciosos e difíceis de denunciar. No universo corporativo, ele aparece de forma disfarçada em frases como “estamos buscando alguém com mais energia” ou “esse perfil talvez não se encaixe com a cultura (jovem) da empresa”. Em muitos casos, profissionais mais velhos sequer são chamados para entrevistas, mesmo com grande experiência.
Apenas 8% das organizações possuem programas de inclusão para profissionais mais velhos.
Além disso, há empresas que, mesmo contratando, relegam esses profissionais a funções de menor visibilidade ou não os envolvem em projetos estratégicos, como se fossem menos atualizados ou adaptáveis. Esse preconceito acaba corroendo a autoestima do profissional e criando um ciclo de exclusão.
A concorrência com os nativos digitais
Com a transformação digital em ritmo acelerado, muitos profissionais maduros se deparam com tecnologias, plataformas e linguagens corporativas que evoluem constantemente. Se não houver uma atualização constante ao longo da carreira, eles terão dificuldade em lidar com sistemas, ferramentas de gestão, redes sociais ou mesmo com metodologias como design thinking.
Essa defasagem pode ser percebida – ou até exagerada – por colegas e gestores, gerando uma imagem de “resistência à mudança”. Isso reforça o estigma de que profissionais mais velhos têm dificuldades com inovação – o que às vezes é verdade, mas não pode ser no seu caso. Nunca será uma profecia autorrealizável se não for enfrentada com estratégia.
Choque cultural com as novas gerações
Nada de tapar o sol com a peneira: a convivência com colegas mais jovens pode, sim, gerar ruídos. Gírias corporativas, formas de se comunicar, prioridades distintas e até estilos de feedback mais diretos podem causar estranhamento.
“Profissionais mais velhos muitas vezes se sentem invisíveis em ambientes dominados por uma cultura jovem e digital-first. Isso não é apenas injusto – é um desperdício de conhecimento institucional”, afirma Lindsey Pollak, consultora de carreira e autora do livro The Remix: How to Lead and Succeed in the Multigenerational Workplace (“O Remix: Como Liderar e Ter Sucesso em um Ambiente de Trabalho Multigeracional”, sem edição brasileira).
Enquanto os jovens valorizam velocidade e informalidade, os mais experientes tendem a ser mais estruturados e pacientes nos processos. Sem um esforço mútuo de empatia e escuta ativa, esses estilos distintos podem virar conflitos, prejudicando a integração dos times.
Dificuldade de recolocação
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que a taxa de desemprego entre pessoas com mais de 50 anos é menor do que entre jovens. Parece bom, mas, quando perdem o emprego, os profissionais maduros demoram mais para se recolocar – em média, quase o dobro do tempo.
Essa dificuldade acontece por diversos motivos: empresas que preferem “moldar” talentos mais jovens, salários considerados mais altos e a falsa percepção de que profissionais maduros “não têm mais a mesma ambição”. O resultado é um grupo de profissionais altamente experientes, porém subutilizados ou fora do mercado.
Aposentadoria silenciosa
Por incrível que pareça, muitas empresas deixam de valorizar a bagagem dos profissionais maduros. O que antes era sinônimo de sabedoria e liderança, hoje pode ser visto como “conhecimento ultrapassado”. Essa inversão cultural tem levado muitos talentos a ser ignorados em promoções ou programas de desenvolvimento.
Em alguns casos, esses profissionais acabam sendo “aposentados” simbolicamente dentro da própria empresa, ocupando funções sem grandes desafios ou perspectivas.
Falta de programas estruturados para longevidade
A maior parte das empresas não está preparada para a gestão da diversidade etária. Faltam políticas claras, treinamentos sobre etarismo e programas que promovam o envelhecimento ativo no trabalho. Ao contrário do que acontece com questões como equidade de gênero ou inclusão racial (que já têm mais visibilidade), o etarismo ainda não entrou com força nos comitês de diversidade de muitas organizações.
Sem esse olhar institucional, o profissional maduro precisa, muitas vezes, se adaptar sozinho – e isso pode ser solitário e desafiador.
Ok, você já viu que a situação não é fácil. Mas há muitas portas para o profissional que quer se manter desejado pelas empresas e relevante na sua organização. Vamos a elas.
Atualize-se sem medo (e com foco)
O maior clichê contra profissionais maduros é que “não acompanham as mudanças”. Combata isso com a melhor arma: conhecimento. Cursos livres, MBAs, workshops e eventos são portas de entrada para novas ideias e tecnologias. Não precisa fazer uma pós-graduação a cada dois anos, mas é fundamental mostrar que você está em movimento.
Hoje existem inúmeras opções de aprendizado online e gratuito (FGV, Sebrae, entre outros). A dica aqui é escolher temas que estejam alinhados ao seu campo de atuação e aos desafios atuais do mercado, como ESG, transformação digital e liderança humanizada.
“Não sou bom com tecnologia” é uma frase que deve sair do seu vocabulário. Saber usar ferramentas digitais básicas – como plataformas de videoconferência, planilhas e redes sociais – é hoje o mínimo do mínimo. Saber navegar no mundo digital pode ser o divisor de águas entre conseguir ou não uma vaga.
Mais do que isso, mostre curiosidade pelas soluções tecnológicas. Não precisa virar especialista em IA, mas entender como essas ferramentas impactam seu setor pode render uma bela conversa em uma entrevista de emprego.
Rede de contatos: o papel de mentor pode ajudar
Não subestime o poder do networking. Manter contatos ativos, participar de eventos, interagir em redes como o LinkedIn e contribuir com debates do seu setor aumenta sua visibilidade e pode abrir portas.
Aliás, aproveite sua bagagem para ser mentor ou conselheiro de jovens profissionais. Isso fortalece sua presença e mostra sua abertura ao novo. Troca geracional é um dos grandes trunfos do profissional 50+. Um estudo da Harvard Business Review mostra que equipes multigeracionais têm maior capacidade de inovação, desde que haja inclusão real.
Afinal, os líderes mais antenados saberão que a galera da geração Z, para ficar num só exemplo, tem muito a aprender… com você. Sim, você que já enfrentou crises, já lidou com mudanças econômicas no país, já conduziu equipes em momentos de pressão. Essa bagagem vale ouro – mas só se você souber apresentá-la como valor.
Na hora de falar sobre sua trajetória, destaque resultados, conquistas e aprendizados. Mostre como você ajuda o time a crescer, como resolve problemas com agilidade e maturidade emocional. Empatia, jogo de cintura e visão de longo prazo são habilidades que só o tempo ensina.
82% dos profissionais acima de 50 anos afirmam já ter sofrido discriminação etária no trabalho
Esteja preparado para o preconceito
Infelizmente, mesmo com todos os seus atributos, você pode se deparar com situações de etarismo. O primeiro passo é reconhecer que isso não é culpa sua. O segundo é saber como agir.
Em processos seletivos, evite se colocar de forma defensiva. Foque no que você entrega, no valor que traz e na sua abertura para aprender. Se a empresa não reconhecer isso, talvez ela não seja o melhor lugar mesmo para você – aliás, para ninguém.
Já no ambiente de trabalho, se houver atitudes discriminatórias, é importante documentar os fatos e levar o ocorrido para um papo com a liderança ou com o RH. E lembre-se: preconceito etário também é discriminação e pode ser denunciado ao Ministério do Trabalho.
Reinvente sua carreira – se for o caso
Empreender, atuar como consultor ou mentor, entrar em nova área… Muita gente encontra sua segunda (ou terceira) vocação depois dos 50. Não tenha medo de mudar. Avalie suas paixões, seus talentos e o que faz sentido para você agora.
Nessa fase da vida, você já sabe o que não quer. Use isso a seu favor. Uma mudança de rota pode trazer não apenas retorno financeiro, mas também mais realização.
Cuide da sua energia
Não se trata apenas de ter um bom currículo. Sua energia pessoal, sua atitude e sua presença são elementos-chave. Isso inclui cuidar da saúde, manter-se ativo mentalmente, ter hobbies, cultivar uma boa autoestima e não perder a curiosidade.
Profissionais maduros que inspiram são aqueles que mostram prazer no que fazem, que sabem rir de si mesmos e que continuam aprendendo, mesmo quando já sabem muito.
Ser um profissional com mais de 50 anos não é um obstáculo em si. Pode ser, na verdade, seu maior diferencial. Experiência, resiliência, visão de futuro e capacidade de liderança são qualidades cada vez mais valorizadas – desde que estejam acompanhadas de movimento, atualização e disposição.
O fato é que o mercado está mudando e, independentemente da sua idade, você pode ser parte ativa dessa transformação. Afinal, se você chegou até aqui com força para carregar tanta bagagem nas costas, quem pode dizer que está velho demais para ir ainda mais longe?