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Mapeamento genético permite conhecer o passado de até 8 gerações

Testes de ancestralidade viram moda — e já são usados até em ações corporativas. Saiba como funcionam esses exames e que cuidados tomar antes de fazer um

Por Paula Lima
Atualizado em 17 out 2024, 11h49 - Publicado em 20 mar 2020, 10h00
Alexandre Pimentel, administrador de empresas: descobrir a árvore genealógica o fez entender o interesse que sempre nutriu pelo judaísmo |  (foto: Leandro Fonseca/VOCÊ S/A)
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A proposta é curiosa. Você coleta uma pequena quantidade de saliva, envia a um laboratório pelo correio e, pouco tempo depois, recebe um mapa detalhado com os países de origem de seus ancestrais. Apelidado de teste de ancestralidade, esse exame virou febre nos Estados Unidos.

Segundo pesquisa publicada na MIT Technology Review, até o início de 2019 pelo menos 26 milhões de pessoas já haviam coletado amostras de saliva para ter um pedacinho do genoma analisado. Agora a mania vem se popularizando no Brasil também. E por uma razão principal: o preço.

Quando surgiram, em meados dos anos 80, as análises de DNA eram caríssimas. Para fazer o mapeamento genético, o indivíduo tinha de desembolsar cerca de 10 000 dólares (algo em torno de 40 000 reais, na cotação atual). À época, obter as informações genéticas de alguém era pouco acessível e levava meses. Mas a conclusão do sequenciamento do genoma, em 2003, e o desenvolvimento de novas tecnologias de análise mudaram esse cenário.

É nessa simplificação de processo que a investigação sobre a ancestralidade pega carona. “Hoje, você só precisa pesquisar aproximadamente 700 000 pontos do DNA, o equivalente a 0,01% do código genético da pessoa. Isso reduziu o custo da análise”, afirma Ricardo di Lazzaro Filho, médico e CEO da Genera, uma das empresas que oferecem a novidade no Brasil.

Os kits para descobrir a origem dos ancestrais são vendidos pela internet, em sites como o da Amazon e o do Mercado Livre, e trazem na embalagem as instruções de como proceder. Ao receber o produto em casa, basta coletar a saliva com um cotonete e enviá-la ao laboratório. “Com isso, conseguimos analisar até oito gerações, o que corresponde aos tataravós dos bisavós daquela pessoa”, diz Cesário Martins, diretor-geral do meuDNA, marca brasileira do centro de diagnósticos genéticos Mendelics.

De acordo com o executivo, as amostras são analisadas por meio de inteligência artificial e comparadas às de populações que constam nos bancos genéticos da companhia (vale lembrar que o genoma é 99,9% igual em todos os seres humanos). É o cruzamento dessas informações que permite descobrir de que locais partiram nossos familiares.

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As aparências enganam

Nesse processo, como na maioria das vezes a principal referência são histórias incompletas sobre a migração de nossos antepassados, surgem surpresas. É comum pessoas que acreditavam ter sangue 100% europeu descobrirem ascendência africana. E vice-versa.

Foi o que aconteceu com Leonardo Oliveira, de 33 anos, analista de­­­ ­su­p­pl­y chain da Bayer, multinacional alemã. Ele recebeu um convite da empresa, durante uma ação sobre cultura inclusiva, para fazer a análise de sua ancestralidade. E se surpreendeu com o resultado. Embora tivesse a informação de que havia espanhóis em sua árvore genealógica, tanto do lado paterno quanto do materno, o profissional acreditava que sua origem fosse quase 100% africana.

Mapeamento genético permite conhecer o passado de até 8 gerações
Leonardo Oliveira, analista de supply chain da Bayer: surpresa ao descobrir a ascendência britânica | Foto: Leandro Fonseca (VOCÊ S/A)

“Mas o teste indicou que 43% de minha ancestralidade veio da África, 38% da Europa, mais especificamente das Ilhas Britânicas, 10% da região sul-americana e 9% da América Central”, afirma. “Esses dados pegaram a mim e a minha família de surpresa.”

Passado o espanto, Leonardo comenta que a ação da multinacional o levou a refletir sobre o preconceito que a sociedade nutre contra determinados grupos. Para ele, esse comportamento não faz sentido porque, de um jeito ou de outro, estamos todos conectados. “No fim das contas, essa experiência me trouxe o desejo de ser um agente de mudança, de trabalhar em prol da inclusão.”

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Era essa, aliás, a intenção da Bayer ao aplicar os exames de ancestralidade. Doze empregados — incluindo o CEO, Marc Reichardt — participaram da ação, que integrou a Semana da Diversidade. Na ocasião, a equipe responsável pelo projeto selecionou empregados de várias etnias e juntou todos numa sala. “A ideia era que cada um falasse o que sabia a respeito da origem de seus antepassados”, conta Aline Cintra, diretora de gestão de talentos e de inclusão e diversidade da Bayer.

Depois disso, eles foram convidados a fazer o teste patrocinado pela empresa. A saliva foi coletada ali mesmo e, segundo Aline, o grupo ficou empolgado com a proposta. Quando os resultados saíram, os funcionários foram reunidos outra vez e descobriram que sua composição genética era mais diversa do que imaginavam.

Segundo a diretora, isso suscitou muitas reflexões. A principal delas: somos mais do que aparentamos ser. “Queríamos que os funcionários pensassem nos rótulos que põem em si mesmos e nos outros e, a partir daí, quebrassem preconceitos”, diz Aline. Após a experiência, o grupo “examinado” participou de um bate-papo com outros funcionários da Bayer.

Conhece-te a ti mesmo

Desvendar a origem dos familiares ajuda a compreender melhor quem somos e o papel que desempenhamos no mundo. É isso que diz a psico­genealogia.­­ Essa disciplina, que surgiu nos anos 70, estuda como a árvore genealógica afeta e influencia nossas emoções. Exemplo: um indivíduo com compulsão alimentar que, ao investigar o problema, descobre que os ancestrais passaram fome.

Nesse sentido, o teste de ancestralidade funciona como uma ferramenta capaz de estimular o autoconhecimento. “Quando conhecemos nossa história familiar, percebemos certas circunstâncias e temos a chance de ressignificá-las”, afirma Letícia Baccin, professora na Escola Internacional de Psicogenealogia Evolutiva.

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Foi justamente para tentar construir sua árvore genealógica que Alexandre Pimentel, de 34 anos, decidiu investigar a ancestralidade dois anos atrás. Depois de ler uma reportagem sobre o assunto, ele pesquisou laboratórios que ofereciam o serviço e comprou o kit da marca israelense My Heritage.

Antes de fazer o teste, o administrador de empresas acreditava que grande parte de seu DNA fosse de origem indígena e que tivesse um tataravô africano. Segundo ele, o resultado trouxe informações inesperadas. “Só 1,6% de minha ancestralidade veio de povos indígenas da Amazônia. O restante é de origem europeia e, para minha surpresa, um pedacinho do meu DNA é judeu”, conta.

Para ele, essa informação ajuda a explicar o interesse e a admiração que sempre teve pelo judaísmo. Alexandre diz que chegou a procurar parentes no site da My Heritage (alguns laboratórios disponibilizam uma ferramenta de pesquisa de familiares), mas não quis levar a busca adiante.

Importante saber

Apesar de todo o sucesso que vem fazendo no mercado (no fim do ano passado, por exemplo, a marca de roupas Amaro lançou uma coleção chamada DNA, que reuniu peças criadas com base nas informações genéticas coletadas de 19 influenciadoras), o experimento apresenta limitações.

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Segundo Tábita Hünemeier, especialista em genética humana e professora na Universidade de São Paulo (USP), a confiabilidade desses testes depende da variedade de dados utilizados pelo laboratório. “Se o indivíduo for muito miscigenado, é preciso assegurar que no banco de comparação existam amostras de populações que fizeram parte da história dele. No caso dos brasileiros, temos de considerar portugueses, italianos, indígenas e diversos africanos”, afirma Tábita.

Outro ponto relevante é que esses serviços não separam a origem por linhagem, ou seja, não dá para saber se determinada nacionalidade veio da mãe ou do pai, tampouco revelam a possibilidade de desenvolver doenças, como câncer ou mal de Alzheimer.

Algumas companhias até oferecem informações de saúde, mas, para ter acesso a elas, o cliente paga um valor mais alto — e, se quiser uma avaliação correta, precisa contratar um especialista para traduzir os dados e evitar mal-entendidos. “Dizer que um indivíduo tem grande probabilidade de apresentar uma doença genética ao longo de sua existência pode criar mais ansiedade do que melhorar a vida dele”, alerta Tábita.

Por outro lado, as versões mais abrangentes mostram informações relevantes, como mutações na enzima CYP1A2, responsável pela metabolização de várias substâncias. Ao saber disso, por exemplo, o médico pode personalizar a dose de um antidepressivo, tornando o remédio mais eficaz para o paciente.

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Outra questão que permeia esses exames é o fornecimento do material genético a um laboratório desconhecido. É fundamental avaliar quais são os termos de uso e a política de privacidade adotados pela companhia que ficará com seu material.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, no 13.709, de agosto de 2018, proíbe o uso de informações genéticas para obtenção de vantagem financeira. “É preciso saber a condição em que o material está sendo armazenado, como será usado, quem terá acesso a ele, até quando será guardado e se será ou não compartilhado. Essas informações são disponibilizadas pelas empresas na contratação do serviço. E é possível fazer escolhas em relação à restrição do uso e ao tempo de armazenamento”, diz Tábita, especialista da USP.

Embora as companhias garantam que os dados fornecidos pelos clientes sejam sigilosos, já houve um caso, nos Estados Unidos, em que um assassino foi preso depois de cruzarem o DNA da cena do crime com um banco de dados de uma empresa que realiza análises de ancestralidade. Ou seja, a quebra do sigilo é um risco que deve ser considerado.

Seja como for, uma coisa é certa: não vai faltar assunto no almoço de domingo para quem decidir resgatar as origens de seus ancestrais.

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