Demissão em massa: cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém
Negociação com sindicato pode não ser obrigatória, mas indica que empresa está preocupada com práticas ESG.
No dia 26 de fevereiro de 2009, o Desembargador Luis Carlos Sotero da Silva, então no exercício da presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, proferiu a decisão que pautaria o debate sobre demissão coletiva ou em massa nos anos seguintes. Até então, o tema era pouco explorado pelo judiciário trabalhista, e a decisão de 2009 abriria a porta para outras no mesmo sentido e para intensos debates e produção científica sobre o assunto.
Há 12 anos, ele concedeu liminar a favor do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos contra a Embraer e determinou a suspensão das demissões ocorridas desde o dia 19 de fevereiro daquele ano na ordem de grandeza de milhares de trabalhadores até que realizada audiência de conciliação designada para 5 de março de 2009.
Passou rápido e estamos em 2021. A Ford anunciou o fechamento de suas unidades industriais no país e a demissão de aproximadamente 5 mil trabalhadores. A Dra. Andreia de Oliveira, da 2ª Vara do Trabalho de Taubaté, concede liminar em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, contra a Ford, para a empresa “ABSTER-SE de promover dispensa coletiva de trabalhadores sem prévia negociação coletiva efetiva e conclusiva com a entidade sindical profissional, inclusive especificamente quanto ao tema concernente à manutenção dos postos de trabalho”, dentre outras determinações.
Tanto a liminar de 2009 quanto a de 2021 foram revogadas. Em 2009, construiu-se com cautela a noção de que a demissão em massa deveria ser precedida de negociação com o sindicato com vistas a tentar mitigar os inevitáveis danos causados pela demissão de um número relevante de trabalhadores. Isso não significou, em termos práticos, inviabilizar a demissão, mas apenas se estabeleceu a determinação de procurar antes o sindicato para, em conjunto, tentar mitigar os seus efeitos.
E como se fez isso em inúmeros casos desde 2009? Através de medidas simples como, por exemplo, a definição de quem deveria ser dispensado primeiro considerando condições pessoais. Não raro decidiu-se colocar no começo da fila aqueles que já tinham aposentadoria ou outras fontes de renda e no final da fila aqueles com filhos pequenos, situações de doença na família etc. Não foi incomum oferecer extensão de seguro-saúde quando possível e até mesmo cestas básicas. De uma forma geral, não foram essas negociações empecilho às demissões, mas formas de minorar os seus efeitos nefandos.
Com a reforma trabalhista de 2017, foi introduzido na CLT o artigo 477-A com a seguinte redação: “as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação”. A partir de então, vieram questionamentos sobre aquela orientação construída pela jurisprudência a partir do caso Embraer.
No momento em que esse artigo é escrito, o Supremo Tribunal Federal está em processo de julgamento de um recurso extraordinário (RE 999435) para decidir se há necessidade de negociação prévia à demissão em massa. Até o momento, foram dados votos favoráveis à dispensa da negociação prévia pelos ministros Marco Aurélio Mello e Alexandre de Morais. É natural que esse julgamento defina rumos futuros desse debate, mas nada pode ser dito antes que se analise com calma os termos dos votos proferidos quando alcançada a decisão final.
A pergunta básica é: devo procurar o sindicato dos empregados antes de implementar uma demissão em massa? A resposta parece que deve ser necessariamente que sim, e por duas razões: primeiro por que há uma tendência natural dos tribunais trabalhistas em tender a mitigar os efeitos das demissões em massa e a demonstração de que a empresa se empenhou em fazê-lo praticamente elimina a possibilidade de liminares como as que foram proferidas nos casos Embraer em 2009 e recentemente contra a Ford.
A isso se soma o fato de que hoje se espera de empresas responsáveis mais do que o estrito cumprimento da lei, mas uma atitude de comprometimento com a implementação de uma governança ambiental, social e corporativa. Os níveis de ESG (environmental, social and corporate governance) são hoje elementos considerados por investidores, financiadores e consumidores na avaliação de empresas. Nesse contexto, a mitigação de efeitos de uma inevitável demissão em massa acerta na mosca o “S” do “ESG” e demonstra que a empresa tem governança social.
Portanto, nada obstante o texto da reforma trabalhista e possível decisão do STF a respeito do tema, a implementação de medidas para mitigar efeitos de uma demissão coletiva em conjunto com o sindicato dos trabalhadores é recomendável e atende ao ditado popular segundo o qual cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém.