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O Programa de Proteção ao Emprego (PPE) tem dado o que falar

Lançado há um mês, a novidade gera mais críticas do que adesões. Para os especialistas, as empresas precisam ter muita cautela antes de adotar a medida do governo

Por Eduardo Nunomura
Atualizado em 2 jan 2020, 14h56 - Publicado em 9 set 2015, 14h25

No dia 06 de agosto, os funcionários da fabricante de máquinas Caterpillar localizada em Piracicaba, no interior paulista, aprovaram em assembleia a redução da jornada de trabalho e dos salários em 30% por seis meses, a partir de setembro. Segundo o presidente da empresa, Odair Renosto, a medida é uma alternativa altamente social para preservação dos empregos e da sustentabilidade do negócio, já que a empresa vem trabalhando com cerca de 700 funcionários excedentes, de um quadro de 1 500. A expectativa da fabricante é evitar o mesmo destino de outras empresas do ramo: a demissão em massa. Segundo dados do Ministério do Trabalho, nos últimos 12 meses, mais de 6,5 milhões de pessoas foram dispensadas pela indústria e pela construção civil.

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A Caterpillar é a segunda empresa a adotar o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), medida que permite que empresas e sindicatos pactuem a redução da jornada de trabalho em até 30% com diminuição do salário (a primeira foi a Grammer, fabricante de autopeças de Atibaia, em São Paulo). Se houver redução de jornada de 30%, o corte no holerite será de no mínio 15%, já que o governo deve complementar os outros 15% com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O acordo tem duração de seis meses, prorrogáveis em até 12 meses. O programa valerá até 31 de dezembro de 2016, mas as empresas têm até o fim deste ano para aderir. A estimativa oficial é que o programa vai gerar um custo de 100 milhões de reais em 2015 e preservar o emprego de 50 000 trabalhadores com salário médio de 2 200 reais. 

Embora lançado como um programa de proteção ao trabalhador, o PPE vem recebendo pesadas críticas de especialistas na área trabalhista. Segundo Sadi Dal Rosso, especialista em sociologia do trabalho da Universidade de Brasília (UnB), a diminuição da carga horária com redução de salários envolve, na verdade, uma punição aos trabalhadores. “Eles perdem parte do salário”, diz. “Além disso, trata-se de uma política limitada para as grandes empresas e para aqueles setores que contam com um aparato sindical forte.” Para o sociólogo da UnB, os metalúrgicos, bancários, trabalhadores da área de transporte e grande comércio têm mais chances de conseguir se enquadrar no PPE, que limita a 50 000 o número de trabalhadores beneficiados. “Isso criará desigualdades e distinções no mundo do trabalho assalariado, especialmente para aqueles que trabalham nos pequenos negócios e não serão incluídos entre os ‘bem-aventurados’”, diz. 

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Outro problema apontado pelos especialistas é a segurança jurídica (ou a falta dela) do programa, que poderá até vir a ser contestada nos tribunais. “Essa obrigação de a empresa pagar quase 40% do FGTS e INSS é ilegal e inconstitucional, porque não tem sustentação jurídica”, afirma Marcelo Gômara, sócio-responsável pela área trabalhista do escritório TozziniFreire Advogados. “É como se amanhã o governo me obrigasse a pagar a previdência sobre o que ele gasta com o Sistema Único de Saúde.” Paulo Sergio João, professor de direito trabalhista da Pontifícia Universidade Católica, também sinaliza a insegurança jurídica do programa. Ele afirma que se uma companhia adota o PPE, mesmo com a anuência do sindicato, nada impede que os trabalhadores entrem com ações judiciais contestando a constitucionalidade da medida, como aconteceu no Plano Collor 2, quando empregados buscaram a Justiça para reaver perdas com o FGTS, que foi atualizado com índices abaixo da inflação. “Daqui a quatro anos, vamos estar discutindo esse assunto na Justiça do Trabalho”, prevê o professor. 

Velha história

A discussão sobre a redução de jornada de trabalho e salário não é nova no país. A Lei 4923, de 1965, já previa essa medida, porém com a limitação de tempo de três meses (prorrogáveis por igual período) e corte no salário de no máximo 25%. O PPE não revogou essa lei, que até hoje é adotada – ainda que de forma isolada – por empresas em situação de crise. A própria Constituição, em seu artigo 7º, cria a exceção da redução salarial se ela for prevista em convenção ou acordo coletivo. Em 06 de julho, o governo encaminhou ao Congresso a Medida Provisória 680 (que criou o PPE), afirmando que o objetivo do programa é desestimular demissões em empresas que se encontram “em situação de dificuldade econômico-financeira”. Essa proposta, no entanto, já poderia estar valendo desde o ano passado. 

Com o fim anunciado da redução de impostos para compra de veículos novos, o sinal amarelo se acendeu no setor automotivo. Empresas e sindicatos do setor se sentaram com o governo para buscar soluções. Uma comitiva de metalúrgicos da região do ABC, liderada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), visitou a Alemanha, onde se adota o modelo que inspirou o PPE brasileiro. Mas com receio de divulgar uma medida dessa natureza em ano eleitoral o governo da presidente Dilma Rousseff, então candidata à reeleição, abortou a discussão. “É um programa maduro, porque é desburocratizado”, afirma o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, que prestigiou o lançamento do PPE em Brasília, no dia 21 de julho. Segundo ele, várias montadoras já estão conversando com seus sindicatos para viabilizar a adoção da medida. 

O secretário-geral da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT, João Cayres, que esteve na comitiva que visitou a Alemanha, também vê vantagens no PPE, tanto para a empresa quanto para o trabalhador. Segundo ele, a medida, além de não afetar a perda de arrecadação para o governo (na suspensão de contrato de trabalho, conhecida como layoff, a Previdência e o fundo de garantia deixam de ser recolhidos), vai evitar gastar recursos do FAT, no caso das demissões. O funcionário, por sua vez, deixa de ser incluído na “lista do layoff”, aquele que teme ser o próximo a perder o emprego. E as empresas, explica Cayres, deixam de assumir despesas com demissões e retêm mão de obra qualificada, imprescindíveis para a hora da retomada. “Essa é uma medida anticíclica, que serve também para casos de empresas que estão passando por dificuldades”, diz Cayres. “Se já tivéssemos essa alternativa antes, certamente não ocorreriam as demissões da Mercedes.” 

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Não é bem assim. Antes da aprovação do PPE, a Mercedes-Benz já chegou a negociar com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC a redução de 20% da jornada e 10% dos salários, mas a proposta foi rejeitada por 74% dos empregados. Sem acordo, a empresa afirma ter esgotado as medidas de flexibilização que vinham sendo usadas para gerenciar o excesso de mão de obra e, portanto, deverá demitir um grande número de operários que trabalham no parque industrial de São Bernardo do Campo, onde são produzidos caminhões, chassis para ônibus e agregados. O número de trabalhadores afetados gira em torno de 2 000. Em maio, a companhia já demitiu 500 funcionários e adotou o layoff ou folgas coletivas para 7 000 trabalhadores. Desde o ano passado, a montadora tem optado por medidas como semanas curtas, férias coletivas e licenças remuneradas para gerenciar a ociosidade da mão de obra. Já foram realizados três layoffs. A fábrica de São Bernardo do Campo adotou ainda um programa de demissão voluntária, cujo prazo de adesão se esgota em 14 de agosto. 

O papel do RH

Para o advogado Marcelo Gômara, os gestores de recursos humanos devem levar em conta alguns pontos antes da tomada de decisão. O primeiro é estar habilitado, tendo esgotado os períodos de férias, inclusive coletivas, e os bancos de horas, além de estar em dia com os recolhimentos de INSS e FGTS. A empresa precisa também saber como o sindicato reagirá. E considerar a avaliação que faz sobre a extensão da crise, ponderando se vale mais a pena antecipar ajustes, como cortes de funcionários, ou recomendar a adoção do PPE, que garantirá estabilidade dos empregados por um prazo de um terço de sua duração após o período de adesão. 

Os gestores devem ainda calcular o Índice Líquido de Emprego (ILE), que indica se a empresa pode aderir ao PPE. O cálculo é feito a partir do número de admitidos nos últimos 12 meses menos o de demitidos. Esse valor deve ser dividido pelo número total de trabalhadores registrados no 13º mês anterior à solicitação de adesão ao programa e, então, multiplicado por 100. A empresa deve ter ILE igual ou inferior a 1%. O PPE se diferencia do layoff porque mantém o trabalhador em atividade, onera menos sua renda e seus direitos e mantém intacto o seguro-desemprego. 

Fazer uma análise profunda do cenário e da situação do seu mercado é fundamental para saber se a medida vai mais ajudar ou atrapalhar. Aprovada há um mês, a discussão em torno do PPE não deve acabar tão cedo, e a expectativa dos especialistas é que, em meio à insegurança, o programa não deverá ter muitos adeptos. “A lei coloca regras que se não forem observadas é a empresa que terá de assumir os riscos”, diz Nelson Mannrich, professor titular de direito do trabalho da Universidade de São Paulo, para quem o PPE deverá ter baixa adesão diante das dificuldades. 

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