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Carta ao Leitor – The Big Squeeze: bem-vindo ao mercado financeiro mais louco da história

Entenda a real dimensão do fenômeno GameStop, na carta ao leitor da Você S/A de fevereiro.

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 18 fev 2021, 23h34 - Publicado em 8 fev 2021, 22h57

As ações da Vale subiram 1.700% nos últimos 19 anos. Foi o bastante para transformar um Fiat Uno (R$ 50 mil) numa Ferrari (R$ 900 mil) ou numa aposentadoria. R$ 900 mil equivalem a R$ 5 mil mensais por 15 anos. Mas o mercado financeiro tem histórias bem mais impressionantes. Foi o caso da GameStop, uma rede de lojas dos EUA. Em 12/1, as ações dela custavam US$ 19,95. Dia 27/1, US$ 347. Alta de 1.700%. Duas décadas de Vale em duas semanas.

Não que quem apostou na GameStop estivesse de olho em aposentadoria. A alta foi orquestrada no submundo dos fóruns online. Alguém detectou que havia diversos fundos de investimento apostando na falência da tal GameStop. No mercado, “apostar numa falência” é coisa séria. Se você está crente que a empresa vai quebrar, faz o seguinte: vende uma tonelada de ações da empresa com a promessa de entregar depois. Nisso, você consegue fazer a venda sem ter as ações na mão. É lindo. A treta é que você fica com a obrigação de arranjar as ações para fazer a tal entrega lá na frente.

O nome dessa jogada é “venda a descoberto”. E ela pode funcionar. Vamos dizer que você, grande gestor de fundos, vendeu a descoberto 1 milhão de ações da GameStop no mercado a US$ 20 cada uma. Você embolsa US$ 20 milhões, e fica com o compromisso de, dali a algum tempo, comprar 1 milhão de ações para entregar aos compradores.

Aí, boom: você descobre que estava certo. A GameStop começa a passar por maus bocados, e o preço das ações derrete. Cai para US$ 1. Matou. Agora é só comprar 1 milhão de ações por US$ 1, entregar para os coitados que compraram de você a US$ 20 e ir dormir com US$ 19 milhões de lucro. Mas, ei, e se a empresa não quebrar? Pior: e se os preços dela começarem a subir sem parar, para US$ 30, US$ 120, US$ 270? Danou-se. Você acaba comprando no mercado a US$ 270 mesmo, antes que ela suba mais ainda. E vai dormir com mais de US$ 200 milhões de prejuízo.

O pessoal dos fóruns passou a comprar ações da GameStop justamente com esse propósito: destruir quem tinha apostado contra – e lucrar com isso. A operação que eles fizeram é algo que o mercado chama de squeeze, “aperto”. As compras iniciais inflam a demanda, fazendo a ação, nesse caso, subir para US$ 30, US$ 50… Alguns fundos que tinham feito vendas a descoberto ligam o sinal vermelho e passam a comprar antes que suba mais ainda.

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No caso da GameStop, essas compras forçadas bombaram a demanda, e os preços passaram a subir ainda mais loucamente, deixando outros fundos que não tinham vendido mais “apertados”. No fim, teve fundo que saiu com US$ 5 bilhões de prejuízo.

E quem se deu bem foi o pessoal dos fóruns, gente comum que, agindo de forma organizada, teve como lucrar 19 anos de Vale em 15 dias. Tudo às custas dos tubarões do mercado. Essa história vale uma série da Netflix. Mas ela é só uma entre várias que marcam este momento insano, e único, da economia global. Entenda melhor na nossa reportagem de capa.

Um abraço.

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