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Embalagens compostáveis: a nova fronteira das foodtechs

Conheça a Já Fui Mandioca, foodtech que aposta em embalagens compostáveis, que retornam em paz ao meio-ambiente depois que você usa.

Por Monique Lima
Atualizado em 14 dez 2020, 20h16 - Publicado em 10 dez 2020, 17h00
 (Eduardo Frazão e Carlos Pedretti/Você S/A)
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Você já deve ter passado pela situação de coletar copos descartáveis depois de uma festa em casa. 50, 100, 200 copinhos de plástico jogados no lixo. Mas e se esses copinhos fossem feitos de vegetais – que, depois de 90 dias de descarte, virassem adubo? Utopia? Não. É uma solução que já existe.

Ainda bem, porque a quantidade de lixo plástico jogado na natureza – seja no solo, seja no mar – pode triplicar até 2040, segundo uma pesquisa da Associação Americana para o Avanço da Ciência, publicada na revista Science em julho deste ano. A estimativa é de que o descarte inadequado de plástico salte das atuais 400 milhões de toneladas por ano para 1,3 bilhão.

E isso agrava outro problema – o de que comemos parte desse plástico involuntariamente, na forma de partículas invisíveis, os microplásticos. A soma total ingerida semanalmente por uma pessoa seria de 5 gramas, o equivalente a um cartão de crédito – ainda precisamos de muita ciência para saber o tamanho do mal que isso causa ao organismo, mas o fato é que se trata, sim, de um problema global de saúde pública.

As projeções não param por aí. De acordo com a Associação Americana para o Avanço da Ciência, algumas intervenções humanas ajudariam a minimizar esses números: aumento da reciclagem e redução no uso de plástico. Com tais medidas adotadas desde já, a redução até 2040 seria de 80%. Aí sim.

De olho no mercado ecologicamente correto, surgiram as foodtechs – empresas (geralmente startups) que buscam inovações sustentáveis no mundo dos alimentos. Boa parte delas produz comida mesmo – um exemplo é a Fazenda Futuro, que produz hambúrgueres, linguiças e almôndegas vegetais. Outras se dedicam a embalagens e copos “vivos”, feitos de plantas. Mais do que biodegradáveis, eles são compostáveis. Ou seja, podem voltar para a natureza como adubo. Nisso, cria-se uma “economia circular”: a humanidade planta a matéria-prima, usa e devolve ao solo para a produção de mais matéria-prima. Uma dessas companhias é a brasileira Já Fui Mandioca. Ela surgiu em 2018, e vende copos feitos de polvilho.

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(Divulgação/Você S/A)

Dos laboratórios para as casas

Polvilho é o nome popular da fécula de mandioca, um pó branco e fininho extraído dessa raiz. O Brasil é o quarto maior produtor de mandioca no mundo (o primeiro é a Nigéria). E ela é a terceira maior fonte de carboidratos nos trópicos. Por conta de seu baixo custo de produção, e da abundância em países quentes como o nosso, é uma boa alternativa para a criação de copos e embalagens de rápida degradação, capazes de voltar à natureza sem machucá-la.

Existe tecnologia para desenvolvimento desse tipo de embalagem desde o início do século 21. O que não há é um mercado pronto para quem quiser fabricá-las. Se você decide produzir copos de plástico, é fácil comprar máquinas para isso no mercado – seja para uma produção pequena, seja para uma escala industrial. Já se você tenta usar polvilho no lugar de plástico, o buraco é mais embaixo. É preciso produzir a máquina.

E aí entra o problema de escala. “Fazer 10 mil copinhos é uma coisa. 100 mil é outra”, diz Stelvio Mazza, criador da Já Fui Mandioca. Para entregar 100 mil copos descartáveis no mesmo intervalo de tempo em que produziu 10 mil, você vai ter que dar um jeito de aprimorar o maquinário por conta própria – não adianta ligar para a China e pedir uma nova. “As pessoas não têm ideia do desafio que é levar para uma fábrica um projeto que só existia em laboratório. Transformar isso num produto viável de larga escala é uma construção diária, que requer soluções inéditas a todo momento.”

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(Eduardo Frazão e Carlos Pedretti/Você S/A)

Mesmo assim, a startup tem conseguido aumentar bem sua produção. O que começou há dois anos com dez pessoas e uma produção de mil copos por mês, hoje entrega 500 mil peças e conta com 30 profissionais. E ela não está sozinha no mercado. Outra empresa nessa linha é a Nastiê embalagens, criada também em 2018, por um pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o agrônomo Humberto Pupo. Ele desenvolveu bandejas de fécula de mandioca para substituição daquelas de isopor – tipo as de carne resfriada que você vê nos supermercados.

Mais um exemplo é a OKA Bioembalagens. Mais antiga que as duas primeiras, a empresa iniciou em 2015 e tem um portfólio amplo: além da fécula de mandioca, também usam fibras naturais de cana-de-açúcar, bambu e arroz como matéria-prima de suas bandejas, potes e copos.

Palitinho de mexer café

A inspiração do Stelvio para desenvolver a empresa surgiu de um palitinho de mexer café. Isso mesmo, aquele de plástico que você usa na padaria para misturar o açúcar ou o adoçante e depois joga fora. A questão é que esse pequeno produto, cuja utilidade se esvai em dois segundos, leva séculos para se decompor no meio ambiente. Copos descartáveis e embalagens plásticas trazem o mesmo problema embutido, claro. “São produtos concebidos num tempo em que não se pensava no descarte, mas que hoje devem ser repensados e substituídos”, diz Stelvio. Sua empresa, então, atua justamente nessa substituição. Além dos copos, produz potes e embalagens que um dia foram mandioca.

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O desafio de criar uma linha de produção a partir de tecnologia experimental não fica só nisso, há outra questão: poucas empresas trabalham com produção de embalagens amigas do meio ambiente. Ou seja, não há tanta gente assim para servir de referência.

De acordo com o mapeamento feito pela Builders Consultoria no projeto Foodtech Movement, que mapeia o setor, existem mais de 300 foodtechs no Brasil, porém menos de 5% delas são voltadas para o segmento de embalagens. “O foco das foodtechs está na criação de alimentos orgânicos e na revolução nas carnes, com proteínas alternativas e receitas a base de plantas.”

A criadora do Foodtech Movement, Ana Carolina Bajarunas, acha que o Brasil está atrasado em relação a outros países no que diz respeito ao desenvolvimento de soluções sustentáveis na cadeia de alimentos. Para ela, é uma questão cultural. “É necessário uma mudança no mindset brasileiro, que ainda rejeita muito fortemente os modelos colaborativos e inovadores que já existem em outros países para o avanço de processos sustentáveis.” Ana Carolina mora na Dinamarca. E por lá a preocupação com o assunto é real. Em dezembro de 2018, o governo publicou sua intenção de enfatizar a urgência de uma economia circular para as embalagens hoje feitas de plástico.

O mesmo levantamento da Builders Consultoria, mas em escala mundial, é feito pela Forward Fooding, uma plataforma colaborativa que vincula startups a indústrias de alimentos e bebidas mundiais. Nela, estão mapeadas mais de 1.700 foodtechs. No ano passado, a plataforma lançou uma lista inspirada na Fortune 500, a FoodTech 500, em que foram destacados os 500 empreendedores mais inspiradores no setor de AgriFoodTech. O segundo lugar do ranking ficou justamente para uma empresa de embalagens: a TIPA Corp, uma fábrica israelense de embalagens plásticas biodegradáveis.

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(Arte/Você S/A)

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“O Brasil está caminhando. Em 2018, quando lançamos o Foodtech Movement, só tinha 53 empresas mapeadas. Dois anos depois, estamos com mais de 300. Isso é um grande crescimento. O ponto é que, em comparação com outros países, ainda é pouco”, afirma Ana Carolina. Ainda mais no segmento de embalagens, que está em segundo plano.

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Não tem preço

O ditado que diz “devagar se vai ao longe” pode ser aplicado às embalagens de polvilho. Por mais inovadora que seja sua oferta no mercado, o potencial de demanda é grande. O mercado global de embalagens para serviços de alimentação é estimado em US$ 58 bilhões em 2020 e deve chegar a US$ 96,9 bilhões em 2025*. E dentre as oportunidades de negócios, há, claro, a busca por soluções alinhadas ao meio ambiente.

“A primeira coisa que entendemos quando começamos a vender os produtos da Já Fui Mandioca é que a venda não era de uma embalagem, mas de um conceito, uma filosofia”, diz Stelvio. Foi assim que eles angariaram clientes como o Facebook, a Uber e o Google para seus copinhos de polvilho.

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(Arte/Você S/A)

Lá fora, o mercado de embalagens compostáveis vai bem, obrigado. A Ecovative Design é um exemplo. Fundada em 2007, tem como carro-chefe um material que eles patentearam como Mycobond. Formado por micélio (um componente dos fungos que parece tecido), o produto permite a criação de embalagens compostáveis que substituem o isopor. Multinacionais como a Dell e a Ikea já utilizam as embalagens da startup desde 2016.

Os copos e embalagens compostáveis não são baratos, lógico. Um copo de plástico sai por mais ou menos R$ 0,03 a unidade. Um compostável, por R$ 0,80. Mas é isso: a ideia não é competir no preço, mas preservar algo que não tem preço.

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(Divulgação/Você S/A)
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