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Trabalho sem vergonha: como é a rotina de quem trabalha em fabricantes de produtos eróticos

O mercado de produtos eróticos - um dos poucos que continuam contratando - ainda tem dificuldades para preencher as vagas. O motivo? A timidez dos candidatos

Por Por Mariana Amaro
Atualizado em 17 dez 2019, 15h25 - Publicado em 19 nov 2015, 09h30

INDAIATUBA, SP – Todos os dias, o administrador de empresas e técnico em farmácia Marcelo Nogueira, de 27 anos, veste uniforme branco, jaleco, luvas e touca, para desempenhar suas atividades de coordenador do laboratório de dermocosméticos da empresa onde trabalha. Ali, ele cumpre uma jornada de oito horas, gerindo um time de cinco pessoas que testam a segurança e o potencial alergênico dos novos produtos desenvolvidos pela companhia, um trabalho que exige atenção e o seguimento rigoroso da legislação sanitária em vigor. 

Com essa descrição, pouca gente imaginaria, mas Marcelo trabalha há cinco anos na Hot Flowers, a maior fabricante de produtos eróticos da América Latina, sediada em Indaiatuba, a cerca de 100 quilômetros de São Paulo. E isso faz muita diferença. Apesar de sua rotina profissional pouco diferir da de outros profissionais da área, desde que foi contratado Marcelo precisou se acostumar a lidar com as piadinhas feitas pelos amigos durante as folgas. “Em todo churrasco dizem que eu sou o cara do controle de qualidade”, afirma. Marcelo leva na esportiva as brincadeirinhas ocasionais, mas alguns de seus colegas de trabalho ainda preferem esconder dos amigos seu ramo de atuação e respondem de forma evasiva quando algum familiar se aproxima com a típica pergunta ‘com o que você trabalha mesmo?’. “Eu mesmo já tive que ouvir de um professor, durante uma aula, que eu trabalhava com sacanagem”, diz ele. “As pessoas ainda têm essa imagem errada e injusta do nosso mercado”, afirma.

Por causa desse preconceito, o setor – em franca expansão – sofre para fechar suas vagas. Para preencher alguns cargos abertos nos últimos meses, por exemplo, Edvaldo Bertipaglia, diretor e fundador da Hot Flowers, teve de buscar profissionais de outras cidades – como Americana e São Paulo – e até em outros estados, como o Rio Grande do Sul.  “Ainda hoje, algumas pessoas se negam a participar dos processos seletivos porque o marido não quer ou a família desaprova”, diz Edvaldo que, ainda neste semestre, vai inaugurar uma nova fábrica de produtos eróticos em Indaiatuba, com a abertura de 54 novas vagas, incluindo posições para farmacêuticos e gerentes de produção.  A Hot Flowers não é a única que está crescendo nesse setor. Só neste ano, o mercado erótico brasileiro – que movimenta um bilhão de reais ao ano, emprega 125 000 pessoas em fábricas e lojas e gera trabalho para 80 000 revendedores – deve crescer acima de 5%, segundo a Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual (Abeme), uma previsão bem mais animadora do que a queda de 1% do PIB brasileiro esperada pelo FMI. “Não vamos crescer como há dois anos, quando os resultados foram de quase dois dígitos, porque toda a economia do país estava aquecida, mas a expectativa é boa”, diz Paula Aguiar, presidente da Abeme. 

Apesar de as expectativas de crescimento representar um oásis num cenário de desaceleração econômica, a vergonha às vezes supera a necessidade de trabalhar, o que acaba afastando potenciais candidatos das empresas do setor e dificultando a vida de muitos recrutadores. Por isso, algumas empresas têm adotado estratégias para não espantar logo de cara candidatos que desconsiderariam ofertas de trabalho na área por puro desconhecimento. A agência contratada pela Sexy Fantasy, segunda maior fabricante de produtos eróticos do país, com sede em Caxias do Sul, no interior do Rio Grande do Sul, por exemplo, não costuma abrir todas as informações sobre o empregador nas primeiras etapas do processo seletivo. “Só depois que o profissional foi sondado, o recrutador fala um pouco mais sobre a empresa e, quando o candidato vem para a entrevista, explicamos tudo“, diz Andreia Fogaça, gerente de RH da Sexy Fantasy. E o pudor não é o único obstáculo na contratação. “No fim das contas, nossa dificuldade de crescer passa muito por uma questão também enfrentada por outros setores: a falta de mão de obra qualificada”, diz Alessandra Seitz, presidente da INTT, fabricante de produtos eróticos de São Paulo.

Na Hot Flowers, uma das saídas encontradas para lidar com as dificuldades no recrutamento é cuidar da retenção do pessoal que se formou internamente, por meio do investimento em capacitação e de promoções. “Oferecemos, além de todos os benefícios, um plano de carreira e bolsas de estudo”, diz Edvaldo, da Hot Flowers. Graças a essa prática, hoje, 80% dos gerentes da empresa vieram da produção e fizeram carreira na companhia. É o caso de Ivani Aparecida da Silva, de 41 anos, que entrou na Hot Flowers há cinco, como assistente, e hoje ocupa o sugestivo cargo de líder de próteses. Ela lidera uma equipe de quatro pessoas, responsáveis por separar, selar, limpar e embalar produtos como consolos e vibradores de todos os tipos, tamanhos e cores. No mesmo galpão, são fabricadas as calcinhas comestíveis, feitas de gelatina, vendidas pela empresa. Ela diz enxergar possibilidades de crescimento na empresa e valoriza, principalmente, o ambiente de trabalho. “No começo a gente vivia dando risada, mas, no fim das contas, é como trabalhar com qualquer outro produto”, afirma.

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Mudança de cenário

Apesar da desconfiança que ainda existe em associar seu currículo a uma empresa de produtos eróticos, os fabricantes acreditam que esse quadro está mudando e que essa indústria está começando a ser percebida com certo glamour pelos profissionais. Segundo Paula Aguiar, da Abeme, o mercado passa por um momento interessante de transformação e ganha a simpatia da sociedade à medida que livros e filmes, como 50 Tons de Cinza, viram hits. Edvaldo, da Hot Flowers também vê com otimismo o futuro do setor.  “Depois que as lojas de lingerie começaram a vender produtos sensuais, esse setor deixou de ser visto como clandestino”, diz ele. 

Um sinal dessa mudança é a recente contratação de Juliana Ribeiro, de 29 anos, que há pouco mais de um mês assumiu o cargo de supervisora comercial da Sexy Fantasy. Formada em marketing e terminando um MBA em gestão comercial, Juliana diz que foi trabalhar no mercado de produtos eróticos não por falta de opção, mas por escolha própria. Ela percebeu o potencial do setor em 2011, quando dedicou a pesquisa de seu Trabalho de Conclusão de Curso a uma análise do segmento. “Percebi que era um mercado muito promissor e cheio de possibilidades”, diz. Antes de ser contratada pela Sexy Fantasy, Juliana trabalhou no varejo e na gestão comercial de instituições de ensino. “Muda o tipo de produto que a gente vende, mas em relação às práticas no trabalho, é bem semelhante”, diz ela. Ou, como resume a presidente da Abeme: “É como trabalhar em uma fábrica de chocolates – nos primeiros dias as pessoas acham incrível, depois se acostumam e pronto.” 

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