“Ninguém deveria medir produtividade em horas”, diz Sergio Rial
Sergio Rial, presidente do Santander, fala sobre a coragem de ser honesto consigo e o que falta nas empresas para garantir a ascensão das mulheres

O economista Sergio Rial, de 54 anos, fala devagar mas diz muito. Ele começou sua carreira no ABN Amro, em 1984, e nunca mais parou de trabalhar. Foi CFO do Cargill´s, CEO da Seara e da Marfrig, membro do conselho da Cyrella e da Delta e, mais recentemente, foi nomeado presidente do conselho do banco Santander. De sua espaçosa sala que ele afirma estar sempre com a porta aberta, ele falou à VOCÊ S/A.
O que é preciso para chegar a presidência do conselho de uma empresa como o Santander?
Está na moda hoje falar em soft skills e outros termos em inglês. Mas eu começaria dizendo que mais importante do que chegar na presidência de um conselho, que muita gente considera como ápice, é a pessoa saber o que ela quer, do ponto de vista de trajetória profissional e pessoal. Porque achar que chegar ao topo é o que você quer, é um erro clássico. Ter uma ascensão vertical em uma empresa não significa exatamente ter sucesso. Não estou desmerecendo quem subiu verticalmente com mérito, mas este não é um caminho único de carreira.
Quais são os outros caminhos, então?
Vários. Mas o primeiro passo em qualquer um é ter coragem para ser honesto com o que nos torna felizes e, à partir disso, construir sua carreira. Se para você, o mais importante é a independência financeira, ótimo, fixe-se nisso. Para mim, isso era o mais importante quando comecei. Eu não queria depender dos meus pais. Queria ser médico mas desisti porque achava que, no longo prazo, isso iria contra um dos meus princípios, que era ter independência financeira.
Mas há médicos que ganham muito bem.
Claro. Mas a última coisa que eu queria era ser médico pensando em dinheiro.
E qual foi a sua escolha de carreira, a partir disso?
Eu sabia também que não queria fazer a mesma coisa para sempre nem ser o maior especialista do mundo em algum assunto. Isso já me deixou claro que eu gostaria de passar por várias áreas, cargos e empresas.
Foi isso que aconteceu?
Sim, de certa maneira. Em um ponto da minha carreira, fui para fora do país porque queria me testar. Quem sai da cidade ou país de origem tem a qualidade de estar aberto a gerar um desconforto. Ter que articular um pensamento em uma língua que não é a sua é o maior processo de humildade que se pode ter. Todo mundo que começou a aprender uma segunda, terceira, quarta língua depois de adulto sabe do que eu estou falando. Você tem uma cabeça de adulto, com repertório e conhecimento, mas se expressa como uma criança de 7 anos, porque as palavras que você conhece nessa outra língua não refletem a complexidade do seu pensamento. Você se sente ridículo e frustrado mas isso é muito importante porque te prepara para se adaptar a qualquer situação.
E o que é sucesso para você então?
A grande finalização de um profissional vem através da inteligência emocional e quando você começa a migrar do “eu” para o “outro”. Ou seja, quando você começa a tomar a decisão de servir o outro.
O que ainda falta nos conselhos de grandes empresas, como o Santander?
Diversidade. A qualidade do debate está diretamente relacionada com a qualidade e diversidade das experiências que compõem um conselho. A tendência do ser humano é ir em busca de pensamentos parecidos porque o diferente é doloroso, dá mais trabalho. O esforço para fazer a gestão do diferente é muito maior. A diversidade exige que o líder tenha qualidade para fazer a gestão de conflito.
Diversidade parece ser a “palavra da moda” nas empresas. Muito se fala em contratar mulheres, negros e pardos, mas esses profissionais continuam ainda muito longe do topo. Por que isso acontece?
As empresas falam em uma diversidade básica, de gênero, de classe social. Mas aí entra o tal “perfil” da vaga e as áreas de recursos humanos buscam pessoas que se encaixem no perfil, ou seja, que pensem de acordo com os valores e a cultura da empresa. Dizem que os profissionais precisam se adequar à cultura da empresa, mas uma cultura forte é aquela que não se intimida com o diferente. A cultura da empresa tem que ser capaz de ser mudada e regenerada. Mesmo entre as empresas mais “modernas”, que se dizem abertas à diversidade, o que vemos é um padrão de comportamento e pensamento. Todos são jovens, cool, usam as mesmas roupas e falam do mesmo jeito. Uma empresa com diversidade deve ter tribos que pertençam à uma nação. Só não dá para variar o nível de integridade e ética.
Como presidente de um conselho de 10 membros que possui apenas duas mulheres, o que o senhor acha das cotas em conselhos?
Esse é um tema complexo porque qualquer um consegue fazer a defesa à favor ou contra com mérito. Para mim, o problema é que a palavra cota carrega uma conotação negativa. Acho que antes da questão da cota nos conselhos, tem outro problema ainda maior para ser resolvido: o papel da mulher dentro das empresas. Os conselhos são resultado do que está sendo feito nas empresas. Hoje, estamos discutindo cotas porque muito pouco foi feito no passado.
E o que poderia ser feito agora para mudar o futuro para as mulheres?
As empresas precisam parar de achar que todos estão em situação igualitária. A mulher carrega um fardo infinitamente maior. Ela é a heroína da família, do marido, do trabalho. Conciliar papeis tão importantes e com demandas tão intensas por tanto tempo acaba obrigando as mulheres a fazer escolhas que impactam, muitas vezes, na escolha profissional. Temos que entender a complexidade da equação feminina num papel de liderança e a empresa tem, sim, o papel de dar o suporte para que ela não precise escolher entre sua carreira ou sua família.
Como esse suporte pode ser dado?
De diversas maneiras. Por exemplo, ninguém mais deveria medir produtividade e comprometimento em número de horas. Isso, de que o funcionário que quer ser promovido precisa ser o primeiro a chegar e o último a sair é emburrecedor. As empresas tem que se preocupar com a qualidade da entrega. E só.
E até lá, o que as empresas precisam fazer?
O trabalho começa dentro das empresas, para que a gente não tenha que discutir cotas daqui a 10 anos. Os conselhos das empresas tem um papel importantíssimo nesse ponto, de priorizar e fazer um esforço pela diversidade. O problema está nas empresas, não no que as mulheres estão fazendo. Já pedi que Marília (Rocca) e Viviane (Senna), conselheiras do Santander, se engajem nisso e identifiquem as mulheres de talento na empresa e se aproximem, para que se tornem modelos de referência. Homens podem ser referência para qualquer profissional, mas eles provavelmente não tiveram que lidar com questões que as mulheres tem que lidar ao longo da carreira.
Este parece ser um pensamento inovador para quem trabalha em um setor tão tradicional, como o bancário.
Inovação é necessária em qualquer empresa de qualquer setor. Os bancos tem ficado um pouco para trás, mas estamos tentando mudar isso. Só inova quem erra e errar não é crime. Mas dentro de uma instituição financeira os erros precisam ser dentro do limite do aceitável. No Brasil, existe uma visão errada do erro. Os empreendedores que falharam aqui são vistos como fracassados, isso faz parte da cultura do brasileiro. Nós não acreditamos na gente. Ainda achamos que os executivos de sucesso são muito poucos e que tiveram muita sorte. Falta autoconfiança ao brasileiro. As empresas, por outro lado, não estão preparadas. São hierarquizadas. Quem lidera nunca foi liderado da forma como os que estão entrando precisam ser liderados. Uma empresa que não permite alguém ter barba ou cabelo comprido, não pode ser uma empresa que fomenta a inovação, porque valoriza a conformidade.
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