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“Nós competimos pra ver quem é mais ocupado”, diz jornalista

Pensar sobre como se gasta o próprio tempo é a melhor maneira de organizar as tarefas e se reconciliar com o ócio

Por Por Anna Carolina Rodrigues
Atualizado em 17 dez 2019, 15h26 - Publicado em 13 nov 2015, 10h00

O trabalho já deixou de ser mera atividade para garantir o sustento. Hoje, é parte fundamental da formação da identidade e quase um troféu — que parece ficar mais ou menos brilhante conforme o tamanho da lista de tarefas de cada um.

E todos competem para ver quem tem menos tempo. Essa é a percepção de Brigid Schulte, jornalista americana do periódico The Washington Post e autora do livro Overwhelmed: Work, Love, and Play When No One Has the Time (“Sobrecarregados: trabalho, amor e diversão quando ninguém tem tempo”, numa tradução livre, ainda sem edição no Brasil).

Em entrevista à VOCÊ S/A, ela discute por que o ócio é malvisto e diz que as pessoas se sentem mais ocupadas do que realmente são. 

VOCÊ S/A – Em seu livro há a afirmação de que as pessoas gostam de se sentir ocupadas. Por que isso ocorre?

Brigid – Ser muito ocupado é uma maneira de mostrar status e é visto como algo tão valioso que as pessoas são realmente mais felizes quando estão cheias de coisas para fazer.

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Quando passam por períodos de ociosidade, tendem a ficar entediadas. Há um estudo de Ann Burnett, professora de sociologia na Universidade Estadual de Dakota do Norte, que mostra como a valorização da sobrecarga de trabalho aumentou ao longo dos anos.

Ela analisou as mensagens de cartões de Natal enviados nos Estados Unidos dos anos 60 até hoje e notou que o tom dos recados mudou. Antes, as pessoas comentavam sobre a vida familiar e desejavam felicidades.

Agora reclamam de como são ocupadas. Nós competimos para ver quem é mais ocupado. A impressão é que só vive uma vida digna quem tem muito que fazer. 

VOCÊ S/A – Dá para acabar com a sensação de que o ócio é ruim? 

Brigid –  Mesmo inconscientemente, muitos acham que não merecem descansar. Em um contexto de crise econômica, em que existe um volume grande de trabalho, há preocupação em não perder o emprego.

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Consequentemente, os profissionais se sobrecarregam. Mas, mesmo nas piores crises, é importante ter algum tempo livre. Não precisa ser férias, pode ser um momento para caminhar ou meditar.

Esses períodos são fundamentais para pensar sobre o que importa para você e como está gastando seu tempo. Trabalhar em fluxos de 90 minutos e fazer intervalos é uma técnica que ajuda a incluir o descanso na rotina. Outra estratégia é colocar as atividades de lazer na agenda de trabalho até que isso se torne algo natural. 


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VOCÊ S/A – Você conta que mudou alguns hábitos para ter mais tempo e períodos de reflexão. Quais foram? 

Brigid – Evito ao máximo ser multitarefa. As pesquisas já mostraram que a maioria das pessoas só faz direito uma coisa de cada vez. Entendi, também, que não se pode controlar o tempo, mas que é possível controlar as prioridades e as expectativas.

Esse processo de aprendizagem requer trabalho — é preciso criar uma rotina para mapear o que você considera importante até que esses tópicos passem a ser parte de sua vida.  

VOCÊ S/A – Qual a culpa da tecnologia na sensação de sobrecarga?

Brigid – A tecnologia tem grande papel nisso. Por um lado, aumenta nossa liberdade. Ao mesmo tempo, ficamos tanto tempo conectados que não paramos de trabalhar. Cada um precisa dar um jeito de não ficar grudado no smartphone. Quem não larga o celular nunca está totalmente presente, pois está sempre distraído.

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VOCÊ S/A – O que a levou a investigar a questão do tempo? 

Brigid – Tudo começou quando fiz um estudo para entender por que houve uma queda no número de leitores do The Washington Post. Caí em um grupo de pesquisa com mulheres e brincava que, se nem as jornalistas tinham tempo para ler jornal, imagine as outras mulheres.

Conheci o pesquisador John P. Robinson, que estuda gestão do tempo na Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e ele me disse que as mulheres não são tão ocupadas hoje como eram nos anos 50. Caí da cadeira quando ouvi isso, e ele me convidou a fazer um estudo sobre minha vida.

Percebi que minha sensação era de estar me segurando à beira do abismo apenas tentando chegar ao fim do dia. Meus filhos eram pequenos e eu competia com pessoas solteiras. Reclamei e disse que não tinha 30 horas de lazer, a média que ele estabeleceu. Ele disse que eu tinha e me convidou a refletir.  

VOCÊ S/A – Você se surpreende com o fato de o pesquisador considerar lazer atividades como cuidar dos filhos. Há um impasse entre o que é lazer e o que é obrigação? 

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Brigid – Existe uma categorização do tempo que nem sempre capta a realidade. O mais importante não é entender o que uma pessoa faz com o tempo, e sim como ela se sente em relação às suas atividades.

Você pode estar estudando e considerar isso um momento de lazer. Ou estar descansando, mas tão preocupado com as tarefas que esse momento não é sentido como lazer. Alguns pesquisadores chamam isso de “tempo contaminado”, quando a pessoa tem muitas coisas na cabeça e não consegue estar presente de maneira plena em suas atividades. 

VOCÊ S/A – Lutar contra esse turbilhão mental é fundamental para encontrar a “serenidade do tempo”, certo? 

Brigid – Sim, amo essa expressão. Ainda estou lutando para alcançar isso. Cada um precisa manejar o tempo e as atividades para ter a sensação de que está fazendo aquilo porque quer fazer, e não simplesmente porque se deixou levar pela lista interminável de tarefas. Para tornar as experiências mais ricas, é preciso compreender quando algo começa e termina.

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