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Medo de fracassar e solidão são dilemas de quem quer empreender

Dois desafios precisam ser enfrentados por quem deseja empreender: a solidão e o medo de fracassar

Por Por Vivian Rio Stella *
Atualizado em 17 dez 2019, 15h22 - Publicado em 12 abr 2016, 10h49

Daniel termina seu MBA fora do país e, ao retornar ao Brasil, decide abrir seu próprio negócio para praticar o que aprendeu e para concretizar um sonho antigo – o de ser empreendedor. Helena trabalha há oito anos na mesma empresa, já foi promovida duas vezes mas não vê perspectiva de crescimento; decide, então, usar sua expertise para montar um negócio, mesmo sabendo que seu ganho financeiro será bem menor (ao menos no início) e precisará usar suas reservas para se manter até o empreendimento engrenar. Gabriel, muito inspirado por familiares empreendedores, decide estudar o mercado e abrir um negócio que está na moda e tem tudo para ser altamente lucrativo. Manuela sempre manteve hábitos de vida saudáveis e, ao ser demitida da firma onde trabalhava, resolve criar uma empresa que faça diferença e inspire outras pessoas a ter qualidade de vida. 

Essas histórias mostram alguns dos motivos pelos quais cada vez mais jovens empreendem – e podem ser muito inspiradoras para quem vê no empreendedorismo a melhor forma de colocar suas competências, vontades e sonhos em prática. Mas a jornada de quem empreende é muito mais cheia de desafios e sentimentos conflitantes do que de sucesso rápido e liberdade para atuar como e quando quiser.

Um dos sentimentos que mais atormenta os empreendedores é a solidão. Isso porque nem sempre é possível compartilhar ideias e dúvidas antes de tomar uma decisão, seja porque não é estratégico revelar isso aos funcionários, seja por falta de ter com quem dialogar abertamente. Mesmo empreendedores que contam com sócios relatam sentir-se sozinhos diante de certas situações. E é um custo psicológico e tanto tomar pequenas ou grandes decisões sem contar com opiniões de pessoas que realmente entendam do negócio e possam contribuir com sua visão. Por isso, ter uma boa rede de contatos com outros empreendedores – do mesmo ou de outros setores de atuação -, participar de eventos do segmento, fazer cursos e ter mentores (algo ainda tímido no Brasil) podem ser formas de minimizar a solidão que acompanha grande parte dos empreendedores.

Há ainda um agravante: a gama de possibilidades e de escolhas é cada vez maior. Que estratégias usar para inovar? Qual a melhor forma de prospectar clientes? Que redes sociais usar para aumentar a visibilidade da empresa? O excesso de alternativas pode deixar o empreendedor paralisado, sem conseguir identificar a melhor delas, ou deixá-lo desconfiado da escolha que fez. Essas incertezas, aliadas à solidão, podem ser altamente prejudiciais para o empreendedor e para o negócio em si. Uma forma de lidar com essa realidade é desenvolver a competência de arriscar e de voltar atrás, caso a tentativa não surta o efeito esperado. Claro que não é tarefa fácil, mas estar sujeito a errar e desfazer o que foi feito é parte do ser empreendedor.

O receio de arriscar e errar está muito ligado à responsabilidade do empreendedor em relação a seus funcionários. Quer dizer: as ações do dono do negócio não surtem efeito apenas em sua própria vida ou no negócio, mas na vida de cada pessoa que faz parte da empresa. Investir em um novo banco de dados pode significar, por exemplo, não dar aumento de salário aos funcionários; demitir para reduzir custos pode prejudicar a capacidade produtiva quando as vendas voltarem a crescer e pode impactar negativamente o clima na equipe. Por isso, é ainda mais crucial planejar e analisar estrategicamente as inúmeras possibilidades para decidir pela mais apropriada para a empresa em cada cenário específico. Uma análise de ganhos e perdas, muito usada em coaching, permite traçar detalhadamente as consequências de uma decisão e as ações para minimizar os possíveis prejuízos. Essa reflexão aprofundada pode tirar um pouco do peso da responsabilidade que o empreendedor costuma sentir.

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No ambiente do empreendedorismo ainda há muita cobrança por sucesso rápido. É comum ver, em revistas e programas, exemplos de jovens que, com menos de 25-30 anos ou em pouco tempo empreendendo, já têm um negócio que fatura milhões. Mas é importante refletir: qual o investimento inicial que esse empreendedor teve para chegar a esse resultado? Com que rede de contatos e de investidores ele contou? Quanto tempo ele levou para idealizar, planejar e executar seu negócio?

Além disso, o sucesso não pode ser medido apenas pelo tempo para dar resultados expressivos, dignos de destaque na imprensa. Por isso, o empreendedor, antes de abrir um negócio, deve se perguntar: o que é sucesso para mim? É ter autonomia para implantar minhas ideias, é gerenciar minha própria agenda e não ter horários fixos, é ter uma carteira de clientes com nomes relevantes? Cada empreendedor, certamente, tem uma visão distinta do que é sucesso para si e para seu negócio. É esse conceito que deve nortear as ações, os anseios e as avaliações do empreendedor sobre como está o desempenho do negócio.

Vale destacar que a cobrança não é apenas do empreendedor consigo mesmo, mas pode vir a partir de comentários de familiares e amigos. Isso é ainda mais comum nos casos em que o empreendedor tinha um emprego estável e muda de carreira para abrir um negócio (por vontade ou por necessidade). Ao perguntar como está a empresa, se já fechou algum negócio, se já tem clientes e quantos são, as pessoas próximas demonstram interesse e apreço pelo empreendedor. Mas, ao mesmo tempo, esses comentários podem soar como cobrança. Interpretar tais comentários como interesse e não como cobrança, e saber que eles sempre existirão em situações sociais, pode ser uma forma mais saudável de lidar com eles. Aproveite essas situações para treinar o “elevator pitch” de sua empresa, explicando seu negócio de forma concisa e impactante.

Empreender, portanto, não é seguir um belo caminho com eventuais obstáculos. É equilibrar-se na corda bamba todos os dias e lidar com inúmeras intercorrências no percurso. Daniel, Helena, Gabriel e Manuela, depois de abrir seus negócios e vivenciar o ser empreendedor, com certeza teriam muito a nos dizer sobre como é estar nessa corda bamba.

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Tematizar esses desafios e sentimentos nem sempre agradáveis não deve ser encarado como desincentivo para atuais e futuros empreendedores. Ao contrário: quanto mais se sabe sobre o dia a dia do empreendedorismo, mais os jovens podem decidir por esse caminho com uma real visão de como será a vida de empreendedor e, assim, poderão encarar os problemas com mais discernimento, naturalidade e pés no chão.

* Vivian Rio Stella é Doutora em Linguística pela Unicamp, pesquisadora de Pós-Doutorado no grupo Atelier da PUC-SP, consultora e diretora da empresa de treinamento executivo VRS Cursos (www.vrscursos.com.br)

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