Mais peixões no tanque
Para Fernando Teles, country manager da Visa no Brasil, a ameaça constante gerada por novos concorrentes ajuda a empresa a se reinventar para continuar na liderança
Fernando Teles é country manager da Visa do Brasil desde agosto de 2016. Com experiência de 20 anos no segmento de cartões, finanças e seguros, ele já foi diretor de cartões do Itaú Unibanco, chefe da área de banco de varejo do Banco Original e também passou pela Redecard (atual Rede).
Formado em engenharia de produção pela UFRJ, com MBA pelo Ibmec-SP, o executivo chegou à Visa com a missão de sacudir o ambiente na empresa com 126 funcionários. Para ele, fugir do senso comum e pensar em novas abordagens é o que leva uma empresa ao crescimento.
Como motivar funcionários de uma empresa líder de mercado?
As pessoas dizem que não se deve mexer em time que está ganhando. Eu penso justamente o contrário. Sempre dá para evoluir, para se aprimorar, para pensar diferente. Acredito que sempre devemos colocar tubarões no tanque. Uso como exemplo uma história que ouvi no começo da minha carreira. Dizem que, no século passado, a indústria pesqueira japonesa notou um problema: os peixes estavam cada vez mais distantes da costa.
Era preciso construir embarcações maiores e viajar por dias para ter acesso aos grandes cardumes. As viagens foram realizadas e os peixes foram encontrados novamente, mas com os dias de viagem, o alimento não chegava fresco à costa e deixava de ser atraente para as famílias japonesas. A solução foi construir navios ainda maiores e colocar tanques dentro dos contêineres para que os peixes chegassem ainda vivos. Não deu certo. Os peixes estavam frescos, mas o gosto não era dos melhores.
Descobriram então, que nos tanques, com comida à vontade e sem predadores naturais, esses peixes ficavam parados, preguiçosos e inertes, o que impactava diretamente o sabor da carne. Foi aí que decidiram colocar pequenos tubarões nesses tanques, para que os peixes se sentissem ameaçados e se movimentassem constantemente em busca de sobrevivência durante a viagem. Alguns poucos morriam no trajeto, mas o sabor e frescor estavam de volta e os consumidores voltaram a aprovar o alimento, para a felicidade dos pescadores. Acredito que temos que sempre temos colocar tubarões no tanque, situações desafiadoras, para não ficarmos inertes. Os bons vão sobreviver.
Como foi sua chegada a empresa seis meses atrás?
Quando cheguei, encontrei um grupo muito capacitado trabalhando em uma empresa líder de mercado, mas com uma necessidade de se reinventar. Primeiro decidi que todas as pessoas tinham de falar a mesma língua e perseguir os mesmos objetivos. Todos tinham de nadar juntos. Por isso, mudamos algumas diretrizes. Agora, todos os funcionários da Visa compartilham as mesmas metas e passaram a ter a remuneração atrelada aos seus resultados. Esse foi o primeiro tubarão que colocamos no tanque. Dessa forma, os colaboradores são estimulados a fazer as coisas de uma forma diferente da habitual e o retorno financeiro é consequência disso.
Que tubarões a Visa tem que enfrentar?
Apesar de sermos líderes, sabemos que a qualquer momento um novo serviço com um formato mais moderno e mais conectado pode surgir e acabar com séculos de tradição e de liderança. Basta ver exemplos de serviços digitais como Uber, Spotify, Netflix. Ter o market share de um setor não significa mais ser o protagonista dessa indústria. Com base nessa visão, em 2016, pela primeira vez em mais de 50 anos de história da empresa, abrimos a nossa rede. Nossa equipe transformou produtos e serviços nos chamados APIs, uma tecnologia padrão usada por desenvolvedores para construir softwares e aplicativos. Isso quer dizer que nossos clientes e parceiros podem escolher algumas de nossas soluções para desenvolver uma nova solução. Muitas empresas já estão criando protótipos de pagamento usando nossa tecnologia e os brasileiros já ocupam a segunda posição dos países que mais acessam nossas APIs, atrás apenas dos EUA. Trouxemos os tubarões para o nosso tanque.
Como líder, quais exemplos você trouxe aos funcionários?
Tem um caso que eu gosto de contar. Quando cheguei ao andar ocupado pelos funcionários da Visa, uma área de 2 400 metros quadrados, notei que haviam duas portas de acesso. Cada funcionário escolhia a porta mais próxima da sua mesa e entrava. Muitos não conheciam colegas de outros setores e aquilo me incomodava. Saber o que o outro faz é o primeiro passo para conseguir ajudar.
Por isso, fiz uma mudança no acesso em parceria com a área de segurança e tecnologia e agora apenas uma das portas fica aberta, de acordo com o dia. Com isso, os funcionários precisam andar pelo escritório quando chegam, podem ver os colegas e interagir. Todos os dias pela manhã passo pelas mesas, ouço as pessoas e não demoro menos de trinta minutos até sentar na minha mesa. Perda de tempo? Pelo contrário, um ganho extraordinário para as relações. Além disso, uma vez por semana tomo café da manhã com os funcionários. É um momento para fazer uma abordagem mais humana. Foi por meio desses encontros que trocamos o plano de previdência e a política de treinamentos, por exemplo.
Como você descreve seu comportamento profissional?
É um desafio me reinventar todos os dias, mas acho que isso faz parte da minha característica pessoal. Sou um cara com perfil agressivo e vivo em busca de desafios. O desafio ao longo da minha carreira foi canalizar essa agressividade e transformá-la em uma indignação positiva. Sempre questiono por que determinada coisa não pode ser feita de outra maneira. Acho que o segredo é tentar ser sempre uma criança de seis anos. Sabe aquela fase que quer saber o porquê de tudo e não se conforma com as repostas? Eu sou assim.