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Feliz crise para você

Enquanto todos falam de crise, que realmente existe, tem gente conseguindo crescer. Ao conversar com muitos executivos que em 2016 assumiram cadeiras acima das que ocupavam, ouvi que eles encontraram a oportunidade que precisavam para mostrar que estavam ‘sub-utilizados’. Estavam mesmo?

Por Por Roberto Aylmer*
Atualizado em 17 dez 2019, 15h18 - Publicado em 3 fev 2017, 08h00

De certa forma, todos nós sentimos ou somos subutilizados. Nosso cérebro busca isso: economia de energia. O corpo e a mente tendem à acomodação como forma de reduzir o consumo de energia. Vale lembrar que nossa biologia não evolui na mesma velocidade que nossos hábitos sociais. Ainda temos um cérebro com a mesma configuração do tempo em que o homem começou a plantar e a se fixar na terra. Nessa época, gastar mais caloria do que era possível ingerir significaria a morte em algum momento. Se a conta não fechasse, não tinha ‘cheque especial’, a pessoa morria.

Então, todos os nossos sistemas biológicos foram ‘ajustados de fábrica’ com o modo ECO, ou seja, buscando gastar o menos possível. Mas o tempo passou e o homem aprendeu a coletar água e, com isso, ganhou mais mobilidade. Depois, a estocar comida (salgando as carnes), podendo ter um estoque de calorias. Com o avanço da sociedade, mais estoques de água e comida e descobrimos a obesidade, que é o oposto da necessidade, afinal acumulamos mais do que conseguimos consumir.

Da mesma forma vemos, hoje, este processo em nossa jornada profissional. É muito comum em treinamentos ouvir alguém dizer: “eu já sei isso”. A minha pergunta de volta é: “Ok, você já sabe, mas quanto disso aparece em sua prática de liderança? O que seus pares e liderados falariam que você faz disso que diz saber em sua prática diária?”. A verdade é que sabemos mais do que fazemos. É tudo baseado na biologia do desenvolvimento: economizar para sobreviver. Simples. Natural. 

Mas aí vem a crise, desalojando tudo o que era conhecido e desorganizando certezas. A crise é caracterizada por quatro grandes forças que formam o contexto VUCA, um acrônimo criado pelas forças armadas americanas para lidar com combates no deserto, onde as condições eram muito instáveis. 

VUCA diz respeito à Volatilidade (quando as variáveis mudam a uma velocidade que não conseguimos acompanhar), à Incerteza (em inglês, Uncertainty, quando não se entende ou não se tem interpretação confiável do contexto), à Complexidade (quando novas e desconhecidas variáveis entram no jogo e afetam a equação do equilíbrio) e à Ambiguidade (múltipla interpretação da mesma situação).

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No mundo VUCA, as mudanças têm aumentado em alcance e velocidade, desafiando as antigas estratégias que usamos para conseguir sobreviver, parafraseando Darwin, que no final do Século XIX falava que a sobrevivência não era do mais forte, mas sim do que mais se ajustasse à mudança. Em outras palavras, o mais adaptável. Então, se por um lado precisamos da estabilidade para construir, precisamos da instabilidade para evoluir.

Esse paradoxo é a base da história humana. Tempos de crescimento e prosperidade alternados com tempos de crises e carências. Ambos fazem parte do processo, como duas asas de um mesmo pássaro. Tire uma delas e ele nunca mais voará.

Encontrei uma boa metáfora dessa situação numa charge que vi num jornal onde um casal que tinha uma vida tranquila, mas chegando aos 40 anos, um fala para o outro: “Precisamos de mais aventura… Vamos ter um filho?”. No quadrinho seguinte aparecem os dois, no meio de um monte de fraldas, com olheiras e cara de desespero e aí um deles fala: “Acho que exageramos na aventura”.

Todo mundo que tem filhos já passou pelo desespero de ter sua vida transtornada por aquele pequeno ser, já pensou em jogá-lo da janela (por isso colocamos grades), mas, pergunte se alguém voltaria atrás e daria o seu filho para outra pessoa. Impensável!

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Da mesma forma, a crise nos leva a um novo patamar de reflexão e entendimento de que nossa viagem nesta terra não é a passeio. Viemos com um propósito. E quanto mais vivemos construindo este propósito, mais nos sentimos felizes. 

Em outras palavras, chegamos mais longe porque conseguimos atravessar crises. Chegamos mais felizes porque construímos um propósito que transcende nossa existência e deixa um legado. Feliz Crise para você!

*Este artigo é de autoria de Roberto Aylmer, professor da Fundação Dom Cabral, e não representa necessariamente a opinião da revista

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