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Demanda cresce por profissionais de TI durante a crise

No setor de TI, um dos poucos que seguem contratando, a demanda é por profissionais que, além do conhecimento técnico, tenham boa comunicação para interagir com outras áreas e entendam o negócio para propor soluções que contribuam para os resultados

Por Por Vanessa Vieira
Atualizado em 17 dez 2019, 15h19 - Publicado em 22 ago 2016, 12h49

No início de maio, o engenheiro de software Ronaldo Ronie Nascimento, de 30 anos, deixou seu trabalho anterior para assumir o posto de desenvolvedor pleno na Sensedia, empresa de TI de Campinas (SP), com um incremento de 15% no salário. Numa época em que a maioria dos profissionais brasileiros tem como prioridade conservar o emprego, Ronaldo pôde se dar ao luxo de arriscar e trocar de trabalho para fazer o que gosta. “Era uma oportunidade de me especializar em interfaces de programação – a área com que mais me identifico”, diz Ronaldo. Ele não é o único profissional de TI com planos de fazer mudanças profissionais num ano considerado de crise. Segundo a pesquisa Barômetro de TI, realizada pela empresa de recrutamento Page Personnel, 56% dos trabalhadores de tecnologia pretendem buscar um novo trabalho nos próximos 12 meses. Os principais motivos para esse desejo são a sensação de falta de crescimento na empresa, insatisfação com o salário e a percepção de estar numa companhia de gestão conservadora. Sinal de que boa parte dos profissionais da área não está disposta a fazer concessões em nome da manutenção do emprego, quadro bem diferente daquele vivido pelo resto dos trabalhadores.

No mês passado, enquanto o noticiário destacava as incertezas econômicas geradas pelo processo de impeachment, o crescimento dos índices de desemprego e a necessidade, por parte das empresas, de cortar custos, a Sensedia fazia a mudança de sua antiga sede, de 120 metros quadrados, para o novo escritório, com 540 metros quadrados. O novo espaço permite acolher até 70 profissionais adicionais, além dos 100 que já trabalham na companhia. A expectativa de contratações está alinhada com os resultados da companhia, que elevou seu faturamento em 77% no ano passado e espera repetir o número em 2016. A Sensedia, que tem entre seus clientes nomes como Bradesco, Itaú, Cielo, Cnova, TIM e Vivo, é especialista em um tipo de tecnologia chamada de API (application programming interface). “É uma espécie de plug que permite captar as informações de um banco de dados e disponibilizá-las de forma simples. É essa tecnologia que possibilita, por exemplo, se logar a um site usando o Facebook”, afirma Kléber Bacili, CEO da Sensedia. Ela também é muito usada no e-commerce, pois propicia a diferentes fornecedores se conectar ao sistema de lojistas como Netshoes ou Submarino para expor seus produtos. “Esse modelo de negócio, conhecido como market place, é o que mais cresce dentro do e-commerce. Ao permitir a diferentes comerciantes anunciar em seu site, esses lojistas aumentam enormemente o sortimento de produtos oferecidos ao consumidor sem custos adicionais com centros de distribuição ou com a entrega dos produtos”, diz Kléber. 

Para dar suporte a esse crescimento, a Sensedia tem contratado arquitetos de sistemas e desenvolvedores de software, além de especialistas em computação em nuvem e em aplicativos móveis. “Muitas vezes, contratamos profissionais não tão experientes e damos muitos treinamentos, tanto no dia a dia de trabalho quanto na nossa Academia Jedi”, afirma. “Por isso, as competências essenciais para trabalhar conosco são capacidade de adaptação e de aprendizagem, já que atuamos num mercado em que há novas tecnologias surgindo o tempo todo.” 

Habilidade de relacionamento

Não são todos os segmentos nem todos os profissionais da área de TI que desfrutam desse bom momento. “Nos últimos dois anos, mudou radicalmente o perfil das posições que estão surgindo na área”, afirma Fabio Saad, gerente sênior da divisão de tecnologia da Robert Half. Segundo ele, caiu, por exemplo, a oferta de vagas para a área de infraestrutura – manutenção de redes, segurança e help desk –, cujos salários encontram-se pressionados para baixo. Por outro lado, o mercado está bastante aquecido para especialistas em nuvem, cientistas de dados e desenvolvedores de aplicativos mobile, seja para atuar em startups ou mapear os hábitos do consumidor no ramo de e-commerce, segmento que cresceu 15% em 2015 e deve faturar 44 bilhões no país em 2016, conforme estimativa da Ebit/Buscapé. Para profissionais com esse perfil, os salários variam entre 10 000 e 20 000 reais. “A procura é por um profissional de TI que entenda do negócio”, diz Fabio. 

Segundo o gerente da Robert Half, em 2016 os executivos de tecnologia da informação serão pressionados a propor ações que afetem positivamente o negócio, um cenário que implica a saída de cena de profissionais introvertidos em favor daqueles com maior habilidade para circular entre as áreas, entender os problemas da empresa como um todo e, consequentemente, contribuir com soluções para os resultados. “Por isso, segue valorizado o analista de negócios, capaz de se comunicar na linguagem técnica e na do usuário, funcionando como um elo entre o cliente e os desenvolvedores”, diz Fábio Saad. 

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Essa habilidade de relacionamento – essencial para a prospecção de novos clientes – foi o que pesou na contratação da administradora de empresas Camely Rabelo, de 28 anos, pela Omiexperience, provedora do software de gestão empresarial que opera em parceria com escritórios de contabilidade. Em setembro do ano passado ela recebeu uma proposta para deixar seu emprego em outra empresa de tecnologia e assumir o posto de gerente-geral da Omiexperience na divisão do Rio de Janeiro, pelo dobro de seu salário anterior. “A empresa não busca nerds fechados. Para o nosso negócio crescer, precisamos de pessoas automotivadas e com boa comunicação”, diz ela. 

O problema é que encontrar pessoas que conciliem conhecimento técnico, bom relacionamento interpessoal e conhecimento do negócio nem sempre é tarefa fácil. Com uma previsão de crescimento de 430% em 2016, desde fevereiro a Omiexperience busca preencher 350 vagas, em todo o Brasil, nas áreas comercial, de atendimento, suporte, treinamento, pós-venda e desenvolvimento de software, entre outras, com salários que variam entre 1 800 e 10 000 reais. “Precisamos de pessoas com habilidade de comunicação, capazes de mostrar ao cliente como nossa ferramenta pode ajudá-lo, mas com conhecimento técnico suficiente para auxiliar na implantação do software”, diz Marcelo Lombardo, CEO da Omiexperience. “A parte técnica a gente até ensina, difícil mesmo é encontrar pessoas com conhecimentos em gestão de negócios.

” 

A demanda é parecida com a da Zup IT Innovation, empresa de desenvolvimento de soluções online e mobile para o relacionamento com o cliente, com sede em Uberlândia (MG). Dona de uma carteira de clientes que inclui empresas como Santander, Mastercard, Vivo e Natura, a Zup cria aplicativos que permitem ao cliente solucionar seus problemas ou adquirir produtos sem passar por um call center, o que diminui os custos dessas empresas com teleatendimento e com lojas físicas e melhora a satisfação do consumidor. Com um quadro de 200 pessoas, a previsão da empresa é fechar o ano com 300 empregados. “Além de profissionais para pesquisa e desenvolvimento, também precisaremos de técnicos de implantação, bem como de profissionais de vendas e com experiência em negócios”, afirma Felipe Almeida, sócio-fundador da empresa. 

Mudança de área

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Mas o que é uma barreira para muitos profissionais de tecnologia pode ser uma oportunidade para quem quer migrar para o setor de TI. Foi o que percebeu o engenheiro de produção paulistano Jackson de Souza, de 28 anos, contratado em abril para o posto de gerente de contas especializado em soluções analíticas da SAP, empresa de aplicações de software empresarial que registrou crescimento de dois dígitos na América Latina no ano passado. “Minha função envolve ir até o cliente e entender o problema dele para, depois, fazer a ponte com nossa área técnica, que desenvolverá a solução”, diz Jackson. Antes, ele trabalhava na área de trade marketing da Goodyear. “Não conhecia nada de tecnologia”, diz. Sabendo que seu departamento na fabricante de pneus seria transferido para os Estados Unidos, Jackson foi atrás de uma oportunidade na SAP. “Busquei uma empresa de tecnologia porque via o potencial de crescimento desse setor, que ainda está investindo”, diz o engenheiro. 

Por sua experiência, ele diz que o foco no negócio trazido por executivos de outros setores é bastante valorizado nas empresas de tecnologia. “Embora abrigue muitos profissionais técnicos, a indústria da tecnologia é 100% focada no negócio. Aqui, uma ideia só tem sentido se tiver potencial para gerar lucro”, diz Jackson. Completam esse perfil desejável a fluência em inglês e a habilidade de trabalhar em equipe. “Na fase da minha seleção, senti que contou a meu favor, numa dinâmica, minha postura de fazer com que outras pessoas com muito mais conhecimento técnico do que eu trabalhassem juntas para que atingíssemos o objetivo comum”, diz ele. Além das contratações pontuais em suas diversas áreas, neste ano a SAP planeja reforçar em cerca de 10% seu quadro de 700 desenvolvedores no laboratório de São Leopoldo (RS). “A SAP Brasil tem muita visibilidade globalmente. Por isso, além de desenvolver soluções adaptadas à realidade brasileira, como nas áreas de agronegócio e impostos, nosso laboratório acaba sendo escolhido para tocar projetos que atendem o exterior mas são alocados aqui”, diz Cristina Palmaka, presidente da SAP no Brasil. 

Risco

Um dos fatores que mais atraem profissionais à área de tecnologia é a possibilidade de uma carreira acelerada. A relações-públicas Eliane Iwasaki, de 33 anos, de São Paulo, é um bom exemplo disso. Em menos de quatro anos de trabalho na Return Path, empresa de soluções de dados para campanhas de e-commerce, ela já passou pelos cargos de gerente de marketing, gerente para América Latina, diretora de marketing para América Latina e, em janeiro, foi promovida a diretora de marketing de mercados internacionais, o que inclui Europa e Ásia. “Para atuar nesse mercado, é importante estar antenado às tendências em tecnologia para entender onde estão as oportunidades de negócio”, diz ela. 

Boa parte do dinamismo do setor de TI se deve à explosão no número de startups. Para ter uma ideia, apenas no segundo semestre de 2015 o número de empresas com esse perfil cresceu 18,5% no Brasil, conforme levantamento da Associação Brasileira de Startups (ABStartups). Com crescimento exponencial e remuneração agressiva, elas movimentam o mercado e valorizam o passe dos profissionais de tecnologia. Mas Ricardo Haag, diretor da empresa de recrutamento Page Personnel, em São Paulo, aconselha a investigar o perfil da startup antes de aceitar uma posição. “Na teoria, todo mundo quer crescimento acelerado, mas lembre-se de colocar na balança o fato de uma startup não ter processos, de tudo ser para ontem e o risco envolvido, caso o negócio não dê certo”, diz ele. “Avalie se o salário maior compensa o risco de ser PJ numa startup, em vez de CLT em uma empresa mais convencional.” 

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Essa é uma conta, aliás, que mais e mais pessoas têm feito. Segundo a pesquisa Barômetro de TI, a remuneração não tem sido o principal motivador para o profissional de TI aceitar uma proposta de trabalho. Os aspectos que mais pesam, ao analisar uma mudança de emprego, são o pacote de benefícios, o equilíbrio entre vida pessoal e profissional e a flexibilidade de horário. “Esse público valoriza muito a possibilidade de trabalhar em horários alternativos”, diz Ricardo Haag.

Contracheques em alta e em baixa

Enquanto os profissionais de negócios e sistemas de TI têm valorizado seu passe, os de infraestrutura estão menos disputados, o que se reflete nos salários

Diretor de TI 

20 200 a 55 000

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Gerente de TI

12 000 a 30 000

Gerente de sistemas

11 100 a 25 000

Gerente de Projetos

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9 100 a 22 500

Gerente de infraestrutura

7 100 a 20 000

Coordenador de sistemas

8 600 a 16 000

Coordenador de infraestrutura

5 100 a 10 000

Analista ERP Sênior

8 100 a 17 000

Analista de Negócios Sênior

7 100 a 14 000

Analista de infraestrutura sênior

4 100 a 8 500

Analista ERP Júnior

3 600 a 7 500

Analista de Negócios Júnior

3 600 a 6 500

Analista de Infraestrutura Júnior

2 100 a 4 500

Fontes: Guia Salarial Robert Half 2016

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 215 da revista Você S/A com o título “Procuram-se nerds descolados”

Você S/A | Edição 215 | Junho de 2016 

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