Continua após publicidade

Cuidado com o hype nos negócios

Jogar todas as suas fichas em uma empresa ou negócio que está na moda pode ser perigoso para a sua carreira. Mas há maneiras de se proteger e fazer com que o empreendimento dure

Por Por Elisa Tozzi
Atualizado em 17 dez 2019, 15h24 - Publicado em 11 jan 2016, 07h47

SÃO PAULO – Quem passeava pelas ruas de São Paulo no começo de 2014 não conseguia dar dez passos sem trombar com uma paleteria. As sorveterias de inspiração mexicana com seus picolés gigantes recheados com leite condensado, frutas ou chocolate eram o hype da estação. Mas o verão acabou, o outono chegou e os empreendimentos começaram a fechar. Hoje, é comum encontrar paleterias que, para sobreviver, precisam vender outros produtos além do sorvete ou observar os picolés jogados à escanteio em pequenas geladeiras dentro de restaurantes por quilo e bancas de jornal. A moda – como tantas outas que já presenciamos – esfriou. “No verão do ano passado, foram abertas 5 000 paleterias, mas só as boas sobrevivem”, diz Mauricio Schuartz, especialista em comida de rua, de São Paulo. 

As paletas são apenas um dos mais recentes exemplos de empresas destinadas a durar poucas estações. O modismo é um movimento antigo no mundo dos negócios, mas as novas tecnologias, o aumento do poder de consumo e a ânsia por novidades têm deixado esse ciclo cada vez mais acelerado. “Hoje há facilidade para empreender e nem todo mundo se planeja antes de entrar de cabeça”, diz Adriano Augusto Campos, consultor do Sebrae, de São Paulo. Isso pode ser um tiro no pé tanto do lado do empreendedor – que quer surfar a onda a qualquer custo –, quanto do lado do profissional que, encantado com a novidade pela novidade, aceita trabalhar em uma empresa que apostou numa tendência sem saber se está realmente estruturada para isso. Os aventureiros costumam gastar rios de dinheiro em um negócio que parece infalível e precisam lidar com a frustração da falência pouco tempo depois, algo muito comum em micro e pequenas empresas. Não à toa, dados da Serasa Experian, companhia especializada em crédito e análise de risco, mostram que, entre janeiro e outubro de 2015, 498 MPEs decretaram falência. Entre as grandes, esse número chegou a apenas 48 no mesmo período. Outra pesquisa, dessa vez da Boa Vista, administradora do Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC), revela que o setor mais afetado pela falência entre as pequenas durante os meses de janeiro e setembro de 2015 é o de serviços, com 41% dos pedidos – exatamente o das famigeradas paleterias. “Os nichos que geram alguma inovação para o consumidor, como alimentação e internet, são os que correm mais riscos de durar pouco”, diz Luís Antônio Dib, professor do Coppead, do Rio de Janeiro.  

Parte da explicação de por que os modismos ocorrem está na neurociência. O cérebro gosta de novidades, pois com elas há a liberação de dopamina, o neurotransmissor ligado ao nosso sistema de recompensas que é responsável, entre outras coisas, pela sensação de prazer. “Há, até, pessoas viciadas em novidades: elas possuem o gene DRD4 que processa a dopamina de uma maneira diferente e precisam constantemente de estímulos”, diz Pedro Camargo, especialista em biologia do consumidor, de Ribeirão Preto. E, embora estejamos em 2015, o cérebro continua a se comportar como o dos nossos antepassados. “Um organismo precisa de 300 000 anos para se transformar e nossa espécie só tem cerca de 180 000 anos. Quando analisamos tudo o que mudou dos anos 2000 para cá, vemos que é impossível o cérebro acompanhar tanta transformação, pois esse período corresponde um baixíssimo percentual do desenvolvimento como espécie”, afirma Pedro. 

Isso explica o efeito “Maria vai com as outras”. Quando todo mundo à sua volta começa a baixar certos aplicativos, frequentar um tipo de restaurante, se vestir de determinada maneira ou trabalhar em um negócio específico (e aparentemente vantajoso), a tendência é que você entre na onda sem se dar conta de por que está fazendo isso – exatamente como agiam os neandertais. “É o comportamento de bando, que existe desde o início dos tempos, como os gnus que, de repente, começam a correr porque um deles disparou. A maioria das pessoas precisa se adequar a atitude de quem as cerca”, diz Pedro. É aí que os profissionais devem acionar o lado racional, controlando o impulso de simplesmente seguir a manada e pensar: será que isso faz realmente sentido para a minha vida? 

Rede de proteção 

Continua após a publicidade

É impossível saber o que vai durar para sempre e quais companhias terão sustentabilidade ao longo dos anos, mas dá para montar uma rede de proteção. O primeiro cuidado a se tomar é relativamente simples: entender a fundo o negócio. Quem possui conhecimento detalhado do ramo em que quer atuar, mesmo que a área esteja em evidência naquele momento, tem mais chances de sobreviver. Mais importante ainda é fazer algo com excelência e montar um negócio que tenha a ver com os seus valores – sem se preocupar se aquilo está na moda ou não.

O pessoal do Hotel Urbano, agência de viagens online com mais de 9 milhões de diárias vendidas em seus quase cinco anos de existência, teve esse cuidado. O site surgiu em janeiro de 2011, no meio do boom das compras coletivas, época em que a internet estava inundada por cupons de desconto para vários serviços (de depilação à laser a rodízio em restaurante japonês). “Não havia ninguém atuando assim em hotelaria, então, parecia uma boa ideia”, diz Roberta Oliveira, co-fundadora do Hotel Urbano. Mas bastaram três meses para que ela e seus sócios percebessem que esse não era o caminho para alcançar o que eles queriam com o negócio. “O nosso propósito sempre foi criar um laço de confiança com os consumidores, desenvolver os hoteleiros e ajudá-los a conquistar hóspedes o ano todo para que não sofressem com a baixa temporada. Então, ser apenas um intermediário que oferece descontos era um erro de posicionamento”, diz José Eduardo Mendes, atual presidente do Hotel Urbano (foto). A alternativa foi se descolar da moda dos descontos imediatamente e se posicionar como uma agência online de viagens que vende não apenas pacotes, mas que ajuda as pessoas a conhecerem o Brasil e o mundo. Deu certo. A companhia, que começou operando com apenas cinco pessoas, hoje emprega mais de 600 e se tornou responsável por movimentar o turismo em várias regiões do país, como a pequena Olímpia, cidade de cerca de 53 000 habitantes quase na fronteira de São Paulo com Minas Gerais, que, por causa de campanhas da empresa, chegou a receber 30 000 turistas.  “Temos parcerias com secretarias e com o Sebrae com o objetivo de criar novas rotas e profissionalizar quem atua com hotelaria”, diz Roberta. “É algo maior do que vender barato.” 

Planejamento e adaptação 

O erro mais comum entre os empreendedores – queiram eles seguir negócios da moda ou não –  é desconhecer o chão onde pisam. Desenhar um plano de negócios, estudar o mercado, visitar os concorrentes e pensar em soluções para problemas futuros minimizam os problemas que podem surgir. Claro que os empresários que lançam uma tendência ou entram em um empreendimento que ainda não existe no país, correm mais riscos. “Ser o pioneiro é um dilema: ou você se dá muito bem ou leva um tombo. Mas se a ideia é bem fundamentada, vale arriscar”, diz Guilherme Junqueira, diretor executivo da Associação Brasileira de Startups. O mais difícil é acertar o timming: nem sempre o país está pronto para determinada tendência. “Foi o que aconteceu com os sites de economia compartilhada, no estilo Uber e Airbnb anos atrás no Brasil. Ainda não era algo que a sociedade buscava e eles só começaram a dar certo no último ano”, afirma Guilherme. Outra barreira é a cultura de um povo, que pode não valorizar algo que vai muito bem em outros países. Esse foi o caso dos frozen yogurt nos anos 2000, uma febre americana que não pegou aqui. “O brasileiro achou esse produto caro demais e um mal substituto para um sorvete ou suco, que cumprem o mesmo papel”, diz Adriano, do Sebrae.

Continua após a publicidade

Nossa última importação americana são os food trucks, um mercado bastante consolidado nos Estados Unidos, que nasceu ainda no século 19. Aqui, esse movimento começou a ganhar força em 2013, com as ferinhas gastronômicas e a inauguração de espaços voltados especificamente para os caminhões, vans e bicicletas em São Paulo. Não demorou muito para que muitos profissionais apostassem todas as reservas na caçamba de um caminhão em busca de um sonho.  “Houve uma euforia grande, mas muitos se esqueceram de que o food truck é um negócio de alimentação como outro qualquer, que exige planejamento, principalmente para quem não é do ramo”, diz Mauricio Schuartz. E que exige, também, dinheiro para investir: a estimativa é que se gaste uma média de 300 000 reais para montar o negócio. 

Planejamento e adaptação foram as palavras mais usadas por Mauricio Bicudo, dono da Hot Doc., quando decidiu migrar de uma carreira de 20 anos no mercado financeiro para o negócio de food trucks. Depois de ter passado por bancos como Santander, Banespa e Votorantim, o paulistano de 42 anos não se sentia mais realizado dentro do escritório e queria empreender. Mas a transição foi suave e ele levou três anos entre ter a ideia e pedir demissão – o que só aconteceu em janeiro deste ano. “Eu e meu sócio estudamos muito o mercado de rua de São Paulo e continuei no banco até ter tudo consolidado e deixar o cardápio de hot dogs bem estruturado”, diz Mauricio Bicudo. A primeira Kombi foi comprada em 2012 e eles perceberam que atuar em eventos era mais rentável do que ficar parado na rua. “Dá mais retorno e não temos problemas como alvará de prefeitura”, diz Mauricio. Em junho, fizeram uma nova transição: migrar da rua para o ponto fixo, um movimento que está ocorrendo com outros empreendedores desse nicho. “Abrimos a loja na Rua dos Pinheiros (São Paulo) porque percebemos que havia demanda para isso – e a crise deixa os contratos de locação mais vantajosos”, diz Mauricio que já contratou seis pessoas para seu negócio, entre elas um gerente apenas para cuidar de eventos. “Não adianta seguir o hype se você não tem uma visão clara do mercado”. Esse conselho nunca vai sair de moda. 

>> Reportagem publicada na Edição 209 (dezembro) da VOCÊ S/A 

Publicidade