Cuidado com a ambição

Querer alcançar os resultados a qualquer custo é altamente prejudicial para as empresas e para os profissionais

Por Por Roberto Aylmer*
Atualizado em 17 dez 2019, 15h22 - Publicado em 11 abr 2016, 11h33

Quando era criança, eu ouvia muitas histórias. Algumas tinham lobos, outras bruxas, fantasmas. Entretanto nada me assustava mais do que uma galinha, presenteada a um garoto pobre por um ato de bondade de uma fada disfarçada. Embora essa galinha fosse como todas as outras, colocando apenas um ovo por dia, esse ovo era diferente, era de ouro! E com isso o menino pobre foi ajudando sua família e prosperando porque, a cada dia, recebia de presente um ovo de ouro. Tudo ia bem, até que ele pensa em acelerar o processo e, ao invés de esperar um ovo por dia, decide matar a galinha e pegar logo todos os ovos dentro dela. No entanto, ao abri-la descobriu que ela era igual às outras e ele perde seu maior tesouro, deixando de receber um ovo de ouro por dia.

Ao final da história eu ficava transtornado com tamanha burrice. E pensava: “que garoto ganancioso! Já não era bom ter um ovo de ouro por dia? Pra quê querer tudo de uma só vez?” Bem, essa resposta demorou, mas chegou. Depois de quase 30 anos de formado e com algumas especializações (tanto na medicina quanto em business) percebo que esse garoto é mais comum do que eu podia imaginar. Ele está presente no executivo que tenta vencer seus pares em uma reunião diante do chefe. Naquele que mostra sua superioridade sobre o seu “oponente”, que na verdade é apenas um colega de trabalho com os mesmos desafios de sobrevivência e dores que ele.

O garoto ambicioso está presente também no funcionário que acredita que o trabalho é um barco de náufragos no qual cada um deve fazer o que puder para sobreviver e, por isso, entende como aceitável reter informações para que outro colega não avance em um trabalho. No colaborador que deixa vazar um comentário ácido que vai ferir a imagem de outra pessoa ou apenas lança um olhar para o chefe como alguém que não merecia estar naquela posição (“quem sabe se me derem uma chance…”).

Está ainda no pensamento corporativo, na verdade, num grupo de pessoas, mas se esconde sob o manto de “voz do corporativo” para tomar decisões que reduzem recursos e esperam, ainda assim, aumentar a produtividade. Todos esses modelos de pensamento mostram o foco no curto prazo sustentado por uma justificativa aparentemente racional, que é a demanda dos acionistas.

Um dos principais desafios para um novo pensamento de gestão não é encontrar a competência correta que vai fazer o colaborador produzir melhor, mas sim, escapar a tentação do curto prazo. O pensamento de “vencer o quarter” ou bater a meta do mês tira o foco do negócio e desloca para o medo (o principal prêmio é sobreviver aos cortes).

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Tenho sido chamado para apoiar processos de mudança organizacional em diferentes setores, e o que me chama a atenção é que as empresas esperam mudar tudo sem mudar nada, ou seja, esperam que haja um novo mindset dos colaboradores, porém as premissas que sustentam os comportamentos não são questionadas. Assim, como diz o autor Chris Argyris,  tratam os sintomas, mas não atuam sobre os problemas reais, as causas que sustentam os comportamentos.

E uma delas é o “menino da galinha dos ovos de ouro” que mora dentro de nós. Algumas indústrias mais antenadas já estão mudando essas premissas saindo de metas de quarter para metas anuais e outras iniciativas como o Balanço Social (Sustentabilidade) e os estudos sobre engajamento nas organizações. Esses movimentos apontam para uma nova forma de pensar o que, realmente, é crescer e ter sucesso.

* Professor internacional da Fundação Dom Cabral e especialista em gestão estratégica de pessoas

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