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Como o trânsito pode ajudar na sua carreira

Para o britânico Ian Gately, o trânsito não só é fundamental para o desenvolvimento da sociedade como pode proporcionar momentos de relaxamento e até aguçar o cérebro

Por Por Elisa Tozzi
Atualizado em 17 dez 2019, 15h24 - Publicado em 14 dez 2015, 07h44

SÃO PAULO – Commute. Essa é a palavra na língua inglesa para definir uma situação enfrentada por milhões de pessoas todos os dias: ir de casa até o trabalho e vice-versa. Esse momento, que pode ser de tormento para quem enfrenta longos trajetos, ônibus lotados ou congestionamentos homéricos, é visto pelo britânico Iain Gately (formado em Direito e atualmente consultor) como fundamental para o desenvolvimento da sociedade – e não como um tempo perdido. É o que ele argumenta em seu livro Rush Hour: How 500 Million Commuters Survive the Daily Journey to Work (“A hora do rush: como 500 milhões de pessoas sobrevivem à jornada diária até o trabalho”, em tradução livre, ainda sem edição no Brasil). Em entrevista à VOCÊ S/A, ele conta como podemos aproveitar melhor as horas gastas no trânsito. 

Em Rush Hour, você diz que, no último século, ir de casa até o trabalho ajudou a melhorar a vida de inúmeras pessoas. Como isso foi possível? 

Quando essa prática começou, no século 19, ela deu a chance de as pessoas viverem fora da cidade em que trabalhavam, escapar de localidades caóticas e das condições insalubres que as cidades do início da era industrial ofereciam. A revolução nos meios de transportes – primeiro com os trens e ônibus e depois com as bicicletas, carros e motocicletas – fez com que os trabalhadores pudessem separar a vida do trabalho da vida doméstica, o que, naquele momento, ajudou as pessoas a parar de sacrificar um aspecto da vida em relação ao outro. 

Como o deslocamento até o trabalho mudou ao longo dos anos e em que estágio nós estamos? 

No começo, apenas os ricos tinham dinheiro suficiente para usar um transporte ágil. Com o passar dos anos, os meios de locomoção de massa se diversificaram, baratearam e todo mundo pode usá-los, desde os trabalhadores braçais até os gerentes. Como consequência, o transporte (e as avenidas e as estradas) se tornaram cada vez mais cheios – de fato, a prática virou uma vítima de seu sucesso. Acredito que estamos nos aproximando de um ponto de inflexão em que qualquer solução para a superlotação – como os carros sem motoristas, talvez – trarão mudanças radicais. 

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Congestionamentos são um grande problema nas metrópoles. Para tentar driblá-los e dar mais qualidade de vida aos funcionários, as empresas estão adotando o home-office. Seria esse nosso futuro? 

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Há 40 anos, pensávamos que, agora, estaríamos nos teletransportando. Não foi o que aconteceu. Mas, surpreendentemente, ainda há algumas empresas que não veem com bons olhos o trabalho remoto – mesmo com tanto avanço na telecomunicação, que faz com que seja possível estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Isso ocorre até em companhias de tecnologia. Em 2013, por exemplo, o Yahoo trouxe todos os funcionários que trabalhavam em casa para dentro dos escritórios. Eles sentiram a necessidade de que seus funcionários trabalhassem cara a cara em vez de ser uma presença virtual.  A segurança do trabalhador é mais baixa hoje e, muitas vezes, se a atividade pode ser feita de casa, o empregador considera terceirizá-la até para outros países para reduzir custos. Isso tem acontecido com os call-centers no Reino Unido e nos Estados Unidos, que foram realocados na Índia. No fundo, muitos profissionais sentem medo do trabalho remoto porque acham que podem ser demitidos ou perder uma promoção. E muitas empresas ficam com pé atrás porque temem a queda da produtividade de seus empregados. 

Quais são as diferenças de ponto de vista e percepção de tempo entre quem se desloca via transporte público e quem tem de prestar atenção ao volante? 

Na teoria, quem usa transporte público é mais passivo do que quem dirige. Na prática, no entanto, as experiências têm mais similaridades do que diferenças. Durante uma experiência, a HP colocou eletrodos nas cabeças de alguns commuters londrinos para reconhecer a atividade cerebral durante o trajeto para o trabalho. Os cientistas perceberam que a atividade cerebral dessas pessoas ao tentar encontrar um assento em um trem lotado chegava ao mesmo nível de estímulo dos cérebros de piloto de caça. Quer dizer, usar transporte público pode exigir tanto da mente quanto pedalar pela cidade na hora do rush. Seguindo esse raciocínio, dirigir pode até ser relaxante. Mesmo quando estão enfrentando um congestionamento, os motoristas podem ouvir música ou tomar o café da manhã.

Como aproveitar o trajeto até o trabalho sem se irritar com a sensação de tempo perdido?

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O mais importante é ter uma atitude positiva. Em vez de encarar a jornada como algo necessariamente ruim que tem que ser feito, mas nunca aproveitado, é melhor olhar o deslocamento como um momento seu, quando é possível se descolar do estresse da casa e do trabalho. 

A cultura influencia o modo como nós nos deslocamos. Qual lugar no mundo tem o modo mais inusitado de deslocamento? 

Acredito que o Japão é o que tem a cultura mais interessante nesse sentido. A prática surgiu apenas no século 19, quando o país tentava sair da cultura medieval para a cultura moderna. O commute ajudou nesse desenvolvimento e criou seus próprios ícones e códigos de conduta. Embora o Japão tenha um transporte público moderno e eficiente, o comportamento das pessoas durante o deslocamento é peculiar e transformam o Japão em um mundo próprio. Lá é comum ver pessoas bêbadas na volta para casa e todos são submissos ao “Oshiyas”, os profissionais responsáveis por organizar o embarque e desembarque dos passageiros nos trens, que, literalmente, empurram as pessoas para dentro dos vagões. 

No livro, você diz que o commute inspira novos hábitos e tecnologias. Dá para prever como será essa prática no futuro? 

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Os carros autodirigíveis têm potencial para gerar um grande impacto. Imagine sair da sua casa, entrar em um carro e ser levado até o trabalho em alta velocidade. E o melhor: o tempo gasto no trânsito será realmente tempo livre. Claro que, para que isso seja possível, é preciso investimento em tecnologia e infraestrutura, mas isso vai acontecer logo. Por outro lado, um transporte público mais eficiente e que corte as cidades de ponta a ponta e as ligue com as cidades vizinhas também é necessário. Se for feito, mudará a vida das pessoas. 

Rush Hour: How 500 Million Commuters Survive the Daily Journey to Work

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Iain Gately 

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>> Esta reportagem foi publicada originalmente na edição 208 da VOCÊ S/A, de novembro de 2015 

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