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Algumas pessoas acertam previsões 60% a mais que a média. Veja o que eles ensinam sobre tomar decisões melhores

O psicólogo e cientista social Philip Tetlock descobriu que a maioria das previsões feitas por especialistas são furadas. Mas existe um grupo capaz de prever (e acertar) acima da média. Conheça os segredos dessa elite e como aplicá-los no trabalho

Por Por Luciana Lima
Atualizado em 17 dez 2019, 15h19 - Publicado em 6 set 2016, 11h00

Em 1956, o médico polonês Archie Cochrane recebeu de um oncologista de renome o diagnóstico de que possuía um câncer terminal e teria poucos anos de vida. Por sorte, a previsão do especialista estava equivocada e, após a análise do tecido supostamente canceroso por um patologista, Archie se surpreendeu com a suspensão de sua sentença de morte. O episódio foi o responsável por tornar o polonês o fundador do movimento médico denominado medicina baseada em evidências (MBE), que defendia o uso de métodos científicos para as práticas de saúde.  Uma resposta simplista poderia apontar que se tratava de um erro médico, difícil, mas possível de acontecer. Entretanto, de acordo com o psicólogo e cientista social canadense Philip Tetlock, a origem do equívoco estava no fato de que nem Archie havia duvidado do diagnóstico nem o oncologista questionou seu próprio julgamento, mesmo sem o relatório do patologista como prova. Ou seja, o médico, munido de um “Complexo de Deus”, acreditava que seu juízo não necessitava de validação.  O exemplo está presente no livro que Philip lançou em fevereiro, em parceria com o escritor Dan Gardner, batizado de Superprevisores – A arte e a ciência de antecipar o futuro (Objetiva, 44,90 reais) e aponta para um dos nortes da tese que defende: a ausência da dúvida e do rigor científico afeta as decisões de médicos, empresários e líderes governamentais. 

Nos últimos vinte anos, o estudioso analisou previsões realizadas por profissionais de renome e chegou a uma primeira conclusão: especialistas têm tanta chance de prever futuro (mais precisamente 15%) quanto chimpanzés atirando dardos. Divulgada em 2005, a comparação causou polêmica e feriu alguns egos. A segunda descoberta, porém, provocou curiosidade. Por meio de uma pesquisa feita pelos autores em parceria com a Iarpa (Intelligence Advanced Research Projects Activity), consórcio de inteligência do governo americano, eles constataram que existem alguns analistas capazes de acertar 60% a mais do que a média. No estudo, eles acompanharam pessoas comuns – donas de casa, aposentados, professores – que eram incitados a fazer previsões sobre acontecimentos políticos e econômicos. Os bons resultados de alguns deles, que não tinham acesso a informações privilegiadas, foram surpreendentes.  Esse grupo de superanalistas não possui nenhum talento excepcional. O que faz com que eles se destaquem é a forma de pensar – mais racional do que a média. E a boa notícia é que esse tipo de raciocínio pode ser desenvolvido por todos nós. 

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Duvide das suas crenças constantemente

Para a ciência, a melhor evidência de que uma hipótese é verdadeira é um experimento que comprove que ela é falsa. Parece loucura, mas é a maneira como os cientistas fazem para descartar todas as alternativas de erro. E essa capacidade de duvidar constantemente de que estamos de posse da verdade é uma das características fundamentais dos superanalistas. “Muitas pessoas não separam o fato da opinião e, assim, se convencem de que seu ponto de vista está correto baseado na emoção e não na razão, ignorando a realidade”, diz Silvio Celestino, coach de São Paulo. Isso não quer dizer que seja necessário mudar de ideia o tempo todo, mas adquirir conhecimentos e atualizar constantemente suas crenças. “Pessoas que ficam presas a valores antigos não conseguem acompanhar essas mudanças nem propor soluções inovadoras para problemas”, afirma Josué Bressane, sócio-diretor da Falconi Gente, empresa de recrutamento e seleção voltada exclusivamente à área de Gente e Gestão, de São Paulo. 

Reconheça que seu conhecimento é limitado

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Mesmo os superanalistas sabem que, em um mundo complexo, nosso conhecimento e nossa capacidade de prever cenários e mudanças é limitado.  Segundo os autores do livro, as previsões de longo prazo são menos propensas a se concretizarem. Por isso, para se tornar um analista de elite, é preciso reconhecer que, embora dominemos um assunto muito bem, não possuímos a totalidade do conhecimento e, em alguns casos, necessitamos de ajuda. “Os líderes acreditam que devem saber de tudo e não reconhecem sua vulnerabilidade. Precisamos extrair conhecimentos do outro para complementar a nossa visão de mundo”, diz Roberto Camanho, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e diretor de novos mercados da Amplix, consultoria de automação de processos, ambas de São Paulo. 

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Avalie os erros por trás dos fracassos – e dos sucessos

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Além de não correr atrás de desculpas esfarrapadas para os fracassos, os superanalistas avaliam os projetos em que obtiveram sucesso. O objetivo desse comportamento é encontrar explicações para os acertos. De acordo com os autores, muitas escolhas bem sucedidas são frutos de situações externas e não significam, necessariamente, que o raciocínio anterior estava totalmente correto. “A retrospectiva é um processo poderoso porque, se você não avalia o que está vivendo, entra em um piloto automático e não questiona se está tomando as melhores decisões ou se é melhor quebrar esses padrões”, diz Mônica Barroso, empreendedora e coach que ministra aulas de empreendorismo na The School of Life, em São Paulo.  Quer dizer: quanto mais consciência você tiver dos seus passos, mais objetiva será a sua visão de futuro. Mas nada de se flagelar constantemente. “É preciso adotar uma postura construtiva, equilibrar erros e acertos e entender porque aquilo aconteceu”, diz Mônica. 

Pense em probabilidades 

Poucas questões são 100% corretas ou incorretas. Ficar constantemente pensando no “talvez” não traz informações relevantes sobre cenários futuros, mas identificar os graus de incerteza e levá-los em conta é importante para formar um raciocínio. 

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 “As previsões tendem a ser mais precisas se você utilizar dados e fatos e analisar informações”, diz Josué.  Mas existe algo intangível nessa conta que deve ser levado em consideração: a sua percepção pessoal e o fato de que todos nós podemos cometer equívocos. Ter isso na cabeça ajuda a minimizar os riscos.  “Entender que não existe uma regra geral para tudo capacita o indivíduo a adquirir uma visão sistêmica e se preparar para cenários futuros”, diz Anderson Sant’Anna, professor e coordenador do núcleo de desenvolvimento de pessoas e liderança da Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais. 

Use várias fontes de informação 

Os superanalistas compreendem os riscos de fazer previsões apressadas e procuram reunir uma gama de fontes confiáveis sobre os assuntos antes de emitir um julgamento. Porém, eles também reconhecem que é preciso encontrar um equilíbrio entre ter posições firmes e qualificadas e ficar remoendo muito as decisões. “O ser humano tem duas formas de decidir: a intuição e a razão. A intuição é mais rápida porque é resultado de experiências semelhantes as que tivemos anteriormente, já a razão é mais demorada porque exige um tempo de reflexão. O segredo é tentar unir as duas para diminuir o tempo de decisão”, afirma Roberto.  A forma como você escolhe as suas fontes também irá ajudar a acelerar esse processo. Excesso de informação não é necessariamente conhecimento. É preciso selecionar algumas fontes de confiança sobre cada assunto que podem ser consultadas frequentemente. 

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 216 da revista Você S/A e pode conter informações desatualizadas

Você S/A | Edição 216 | Julho de 2016 

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