Continua após publicidade

Agora as empresas sabem o que você fez no seu trabalho anterior

Entenda como atuam as consultorias especializadas em detecção de risco e como elas investigam o histórico de candidatos a cargos gerenciais e operacionais

Por Eliane Quinalia
Atualizado em 23 dez 2019, 16h44 - Publicado em 10 ago 2017, 10h00

Já pensou se ter sua vida vasculhada e checada por investigadores particulares fosse parte dos processos seletivos? Ter gente verificando se você realmente tem as certificações listadas, se desenvolveu os processos — e não apenas participou deles —, se sofreu sanções ou multas administrativas por má conduta no mercado financeiro e até se cometeu fraudes num emprego anterior? Pois saiba que esse roteiro já é realidade em algumas seleções.

Impulsionadas pela Operação Lava-Jato, que revelou a participação de diversos executivos brasileiros em esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro, grandes companhias têm recorrido com frequência cada vez maior aos serviços de consultorias especializadas em investigar minuciosamente o passado dos candidatos. De biografia profissional a evolução patrimonial e imagem pública do candidato, não há quase nada que passe despercebido pelos olhos — e pela pesquisa — desses recrutadores.

Tudo para evitar fraudes e a associação a profissionais que possam prejudicar a reputação da corporação. “É padrão realizar uma investigação profunda da vida pregressa do candidato antes de apresentá-lo ao cliente. Avaliamos o capital intelectual, profissional, comportamental e dados públicos, além de consultar ex-pares, subordinados e chefes para entender seu perfil”, diz Luiz Wever, presidente da Odgers Berndtson, empresa de recrutamento executivo, de São Paulo.

Dados da Kroll, consultoria global especializada em análise de risco, apontam que a contratação do serviço de avaliação de reputação conhecido como due diligence (“diligência prévia”, numa tradução livre do inglês) dobrou em 2016 quando comparada ao ano anterior.

Um dos serviços mais requisitados foi o de background screening, uma revisão do histórico e das atividades profissionais do candidato. “As empresas querem a certeza de que estão trazendo para dentro da casa alguém confiável”, diz Carlos Lopes, diretor sênior da Kroll, de São Paulo.

No Brasil, a demanda pelos serviços de investigação tem ocorrido tanto na esfera pública quanto na privada, principalmente após a Lei no 13.303, ou Lei das Estatais, sancionada em junho de 2016 e regulamentada em dezembro.

Continua após a publicidade

Após tantos escândalos envolvendo indicações políticas no alto escalão de empresas públicas, a lei promete tornar mais criteriosa a nomeação de profissionais em cargos de direção. “O background é sigiloso e obrigatório para os indicados a cargos-chave antes de uma nomeação. Com ele, podemos apurar episódios de desvio de integridade, como condenações ou processos em andamento e a existência de conflitos de interesse pela vinculação com empresas concorrentes ou fornecedoras de bens e serviços”, afirma Lúcia Casasanta, diretora de conformidade da Eletrobras.

As táticas dos recrutadores

Alguns métodos de avaliação empregados para conhecer melhor a trajetória dos candidatos

Due diligence

Continua após a publicidade

É o trabalho de pesquisa e diligência realizado antes de uma decisão. É usado na avaliação e na seleção de potenciais parceiros de negócios, alvos de investimentos, candidatos a vagas de emprego e na contratação de fornecedores.

Background screening ou checking

Variedade de due diligence focada exclusivamente na revisão do histórico e nas atividades profissionais para saber se o candidato está mentindo ou não, e se pode oferecer riscos para a empresa.

Compliance individual

Utilizado para analisar a flexibilidade moral e ética e a adequação do candidato a uma vaga por meio do mapeamento de riscos de uma função. Visa identificar as pressões que comprometem a tomada de decisão em momentos de dilemas éticos e localizar perfis compatíveis com as expectativas e os valores de cada organização.

Continua após a publicidade

Linha de frente

E não são apenas os executivos que vão entrar na mira das novas regras. Apesar de esse tipo de análise ser mais comum para presidentes, vice-presidentes, diretores e conselheiros administrativos, o mercado já sinaliza que até mesmo posições hierárquicas inferiores estão sujeitas a ter seu histórico profissional esquadrinhado.

Em um levantamento exclusivo para VOCÊ S/A, a Protiviti, consultoria especializada em risco e auditoria interna, aponta que as áreas de auditoria e compliance, comunicação e marketing, financeira e de logística e suprimentos têm recebido maior demanda por investigações sobre o passado profissional dos candidatos, mesmo nos níveis gerencial e operacional. “De analistas a supervisores, são muitos os pedidos. Somente na área de suprimentos, para os cargos estratégicos e operacionais, já realizamos mais de 2 300 processos”, diz Antonio Carlos Hencsey, líder de ética & compliance da Protiviti, de São Paulo.

A recente preocupação com os cargos operacionais não é sem motivo. Por estarem na linha de frente da produção e do atendimento, e mais próximos dos clientes, se agirem com má-fé, eles podem prejudicar não só a imagem da empresa mas também os resultados. O Relatório Global de Fraude e Risco da Kroll, por exemplo, destaca que os funcionários juniores são os responsáveis por 22% das fraudes registradas nas corporações. Já as posições de médio e alto escalão representam 9% dos danos.

Continua após a publicidade

Perfil ético

De olho nesse movimento, a Libbs Farmacêutica tem apostado, desde 2015, numa metodologia de análise para avaliar os candidatos a cargos operacionais. “Utilizamos o compliance individual, aplicado por meio de uma consultoria, para checar o risco da posição e definir o perfil ético do colaborador. O trabalho é realizado nas áreas financeira, de suprimentos, compras, auditoria e engenharia, que detêm informações sigilosas e estratégicas”, afirma Madalena Ribeiro, diretora de RH da Libbs, de São Paulo.

Na avaliação realizada pela empresa, o candidato é colocado frente a dilemas éticos, que incluem desde procedimentos concorrenciais até questões relacionadas a assédio, bem como o relacionamento com parceiros de negócios e terceiros. Tudo para saber se a conduta do profissional será condizente com a esperada pela Libbs. “Mapeamos o perfil do entrevistado e os possíveis riscos em negociações ou decisões futuras que ele possa tomar em nome da empresa”, diz Madalena.

Recentemente, antes de ser contratada pela Libbs, em abril, a analista de exportação plena Lucy Maia de Moraes, de 37 anos, de São Paulo, foi submetida ao processo. “Passei por uma avaliação de caráter que abordava minha vida pessoal, atitudes e crenças, mas foi tudo muito profissional. Não me senti desconfortável”, afirma.

Lucy respondeu a um questionário sobre como seria seu comportamento em vários tipos de situação. “Queriam saber se eu já havia furtado, e minha opinião sobre pessoas que cometem pequenos crimes por causa de sua condição social — se eu achava que era uma questão relacionada ao ambiente onde vivem ou uma questão de índole”, diz. Ela acredita que sua postura nas redes sociais a ajudou na conquista da vaga. “Não me exponho nas redes, e sei que a maneira como mantenho meu perfil do LinkedIn, sempre atualizado e completo, me ajudou a transmitir uma boa imagem profissional.”

Continua após a publicidade

Apesar de as consultorias que rea­lizam processos de due diligence e compliance afirmarem não estar interessadas na vida pessoal dos candidatos, é bom reforçar os cuidados na administração da imagem na internet. “Do discurso do candidato ao seu posicionamento na web, suas conexões e aquilo que ele compartilha, tudo é considerado. É importante ter cuidado com o que se publica, pois qualquer deslize pode representar uma mancha na reputação profissional”, afirma Marcia Vazquez, gestora de capital humano da Thomas Case & Associados, empresa de recolocação profissional, de São Paulo.

Juridicamente, não há impedimento para o acesso a informações públicas, online ou offline. O sigilo só se dá nas esferas bancária e fiscal. “Pesquisar informações em redes sociais não representa invasão de privacidade, o que só se daria, por exemplo, se o empregador criasse um perfil falso para acessar dados que o empregado compartilha apenas com amigos e familiares”, diz Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho, advogado e professor de direito do trabalho na Fundação Getulio Vargas de São Paulo.

Já informações sobre orientação sexual, questões familiares e dados financeiros não podem ser consideradas em seleções por ser discriminatórias. “As companhias precisam observar as limitações legais desses processos”, diz o advogado Guilherme Amorim Campos da Silva, do Rubens Naves Santos Jr. Advogados, de São Paulo. Mesmo com essas ressalvas, o fato é que nos próximos anos a reputação não será um ativo precioso apenas para as marcas e empresas mas também para todos os profissionais.

O que elas querem saber?

Os itens mais investigados e os cuidados que se deve ter com a reputação profissional.

Conflitos de interesse: Associações com concorrentes ou fornecedores são avaliadas com rigor para mapear conflitos de interesses, evitar fraudes e vazamento de informações.

Se você tem alguma participação societária em outra companhia ou atua como consultor em mais de uma empresa, avalie se a proposta de trabalho representa dilema ético e traga o assunto à tona.

Sua biografia: É praxe checar cada item do histórico profissional, de graduações a atividades rea­lizadas na empresa. Além de verificar as referências, os recrutadores investigam, por meio de um bate-papo, se o candidato foi o responsável por implementar um projeto na empresa ou se só participou dele.

Por isso, Seja honesto sobre suas habilidades técnicas e comportamentais e aja com transparência.

Suas parcerias: Não importa seu partido ou posição política. O que os recrutadores querem saber é se você tem conexões que possam prejudicar a empresa no futuro. Em outras palavras, a intenção é descobrir se seus contatos comerciais — fornecedores, clientes, órgãos públicos e colaboradores — podem vir a facilitar negociações ilícitas em troca de favores. Por isso, seja franco sobre sua atuação com parceiros e esclareça pontos-chave que possam vir a gerar incertezas no recrutador.

Finanças pessoais: Mais que uma análise de RG, CPF ou uma consulta em órgãos de crédito ao consumidor, como SPC ou Serasa, a avaliação para um cargo estratégico de confiança implica um levantamento da atividade financeira e do patrimônio do candidato para apurar se houve enriquecimento ilícito.

Litígios e ações disciplinares: Quem está envolvido — ou já esteve — em disputas judiciais desabonadoras, atividades antiéticas ou ilegais, ou já tenha sofrido alguma penalização, como multa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por violar as regras do mercado financeiro, deve pensar numa estratégia para abordar o tema, pois há consultorias que checam esse tipo de informação.

O melhor é ser honesto sobre o desvio de conduta.

Aparições na mídia: Reportagens em jornais, revistas e artigos revelam não só se a biografia é condizente com a descrita em currículo mas também permitem fazer uma análise positiva ou negativa da reputação de um profissional. faça uma pesquisa na internet e fique de olho nas notícias já publicadas a seu respeito para não ser pego de surpresa.

Imagem nas redes sociais: Atenção às informações divulgadas em suas mídias sociais. Mensagens de ódio, racismo e polêmicas contam negativamente em avaliações comportamentais. Lembre-se de que o Google exibe, inclusive, menções em ações na Justiça.

Por isso, apague da rede informações que possam depor contra sua imagem. caso não seja possível, toque no assunto ainda no início do processo de seleção para construir uma relação de confiança com o recrutador.

Você encontra essa reportagem na edição de Julho/230 da VOCÊ S/A ()
Publicidade